Dossiê HSM
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Como evoluem nossas cadeias setoriais

HSM Management selecionou players em quatro indústrias-chave a fim de explorar soluções adotadas para os desafios de compra e distribuição

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Há 13 anos, a rede de farmácias Raia tinha um processo de separação de mercadorias que usava carrinhos de supermercado. Termos como automação, fluxo contínuo e eficiência não faziam parte da realidade da operação da varejista perto de 2010. Ainda não havia centro de distribuição, o CD; os produtos ficavam no “depósito”. Porém, a empresa precisava crescer.

Em 2011, veio a fusão com a Drogasil, nasceu a Raia-Drogasil e a necessidade de integrar todas as lojas e crescer. Foi isso, e não uma pandemia, que impulsionou a gestão mais eficiente da cadeia de fornecimento. Sem ela, e num cenário econômico que dá pouca margem à ineficiência, seria impossível integrar e crescer. A empresa começou a investir em automação, maior frequência de abastecimento das lojas, redução de estoque.

Os ganhos foram tão grandes para a empresa que Erivelton Oliveira, diretor de supply chain da Raia-Drogasil, narrador dessa história, nunca mais teve problemas para aprovar projetos de melhoria da gestão da cadeia de fornecimento na empresa. “Supply chain virou pilar na estratégia da empresa para o futuro. Eu nunca tinha visto isso antes”, conta o executivo.

O caso RD mostra como a percepção do peso da supply chain no desempenho das empresas é importante no Brasil, onde o consumidor tem seu poder aquisitivo cada vez mais pressionado.

O setor de embalagens, que atende vários segmentos – como varejo, alimentos e indústria – e é parte importante no processo de abastecimento, está enxergando as dificuldades das empresas brasileiras quando o assunto é supply chain. “A maioria dos clientes está passando por um momento desafiador, impactada, sobretudo, por inflação e custo do frete”, diz Manuel Alcalá, CEO da Smurfit Kappa no Brasil.

Diante dos desafios, empresas de diversos setores estão buscando eficiência e investindo em soluções para ganhar eficiência e reduzir custos de setores-chave da nossa economia.

## Setor de tecnologia
### Crescimento com emoção
A escassez mundial de microchips, por conta da pandemia que limitou severamente a produção de computadores e eletrodomésticos, continua causando problemas em 2022. Empresas de tecnologia estão entre as que mais precisam se mexer para se adequar à nova realidade. No Brasil, foi assim com Algar Telecom e com Dell, ambas em crescimento – mas com emoção.

A oportunidade de crescimento ficou imensa para a Algar Telecom, com a conectividade passando a ser essencial para trabalhar de casa, fazer compras online ou consumir entretenimento. Para não perdê-la, a empresa de origem mineira revisou toda a sua operação logística em nível nacional – a empresa tem uma rede de 115 mil quilômetros de fibra ótica que vai do Nordeste ao Sul do País e atua em 16 estados e mais o Distrito Federal. “Para sustentar o crescimento, definimos nova estratégia de movimentação de materiais, reposicionamos os armazéns de acordo e estamos promovendo uma transformação digital dos controles internos”, conta Tulio Abi-Saber, vice-presidente de finanças e relações com investidores da Algar Telecom. Hoje sua área de cobertura, que era de 100 cidades em 2012, abrange 372 cidades.

Na Dell, uma das maiores empresas de computadores do mundo, o momento também é visto como uma grande oportunidade de crescer globalmente. “Apesar da escassez (de semicondutores), conseguimos atender nossos clientes e no último ano fiscal tivemos um volume de 59,3 milhões de unidades de equipamentos (vendidas) globalmente, gerando resultado recorde em nossa receita total consolidada, na ordem de US$ 101,2 bilhões”, afirma Diego Puerta, líder da Dell Technologies no Brasil. E a gestão eficiente de supply chain tem muito a ver com isso, sobretudo o planejamento de demanda – afinal, a operação gasta US$ 70 bilhões por ano em compras globais.

Segundo Puerta, a empresa usa análise de dados, machine learning e ferramentas de business intelligence para criar simulações de atendimento de demanda antes de tomar decisões. “Com o uso dessas inovações baseadas em dados, aprimoramos de maneira contínua nosso planejamento de demanda, estando à frente da capacidade de outras empresas em lidar com os desafios da cadeia de distribuição e, como consequência, atender às necessidades dos clientes”, diz Puerta.

## Setor varejista farmacêutico
### Supply chain amigo das margens
Com muita capilaridade, necessidade de expansão constante, operações 24 horas e um sortimento imenso de produtos, faz tempo que as farmácias dão aulas de como gerenciar uma cadeia de fornecimento. Qualquer falha aí impacta preço e disponibilidade dos produtos.

Mas, se a competição já era acirrada antes das descontinuidades pandêmicas, o temor de que um remédio em falta fará o consumidor procurar a farmácia da outra esquina, ou o aplicativo da concorrente, levou o setor ao foco redobrado na gestão de supply chain.

Na já citada Raia-Drogasil, maior player do setor no País, o desafio é “sempre aumentar a capacidade de distribuição, ou a expansão da rede é travada”. E estamos falando de aumentar sobre um patamar que já é alto – a empresa abastece 80% de suas 2,5 mil lojas de segunda a sábado para evitar que o cliente procure por um remédio para dor de cabeça e não encontre. Isso requer automação, dados etc. Se essa capacidade não crescesse, ficaria difícil cumprir o planejamento para 2022 e 2023 – abrir 260 lojas em cada ano. A estratégia de crescimento de RD também depende bastante do supply chain pela visão de cada loja como um hub de saúde e pelo marketplace. Isso requer disponibilizar mais produtos ligados a saúde e bem-estar – no marketplace, são mais de 100 mil produtos já cadastrados. “Para sermos competitivos, estamos montando toda a estrutura para fazer o transporte”, explica Oliveira. A ideia é coletar os produtos dos parceiros e colocá-los dentro do sistema logístico da empresa.

Outro caso interessante de supply chain é o da Panvel, rede com 530 lojas espalhadas pelos três estados do Sul – nos quais estima atender 70% da população – e em São Paulo. Conhecida pelo delivery rápido, com entrega em até duas horas, ela investe para ser ainda mais veloz. Para isso, criou nove dark stores – lojas que atendem somente a operação de delivery, sem espaço para o público – e equipou 128 lojas comuns com delivery. É assim que a Panvel faz, em média, 200 mil entregas por mês.

A separação dos produtos para o delivery é feita pelas equipes das lojas, e a rede conta com um sistema próprio para as entregas de pedidos feitos por aplicativo, site ou televendas. Também há empresas parceiras que operacionalizam as entregas, com habilitação e capacitação para fazê-las do jeito que a empresa quer.

“Vale a pena, porque é uma operação sustentável. Nossa venda nas plataformas digitais com a entrega não consome nossa margem (de lucro) geral do negócio”, explica Roberto Coimbra, diretor-executivo do Grupo Panvel. Assim, aumenta o giro de mercadorias e diminui o custo de estocagem e separação, tornando possível absorver alta de custos, como a dos combustíveis, “sem precisar repassar ao consumidor, que não está com folga”.

Esses casos mostram como a eficiência em supply chain virou uma verdadeira obsessão no setor.

## Setor de alimentos
### Eficiência? Só com planejamento
Outro setor sensível da economia é o de alimentos, relacionado com a saúde, o estômago e o bolso dos brasileiros. Essas empresas, assim como as redes de farmácias, têm pouquíssimo espaço para o erro em supply chain.

Por exemplo, a SLC Agrícola, produtora de soja, algodão e milho, tem uma política de compras antecipadas como um dos trunfos de sua gestão da cadeia de fornecimento, a fim de garantir o cumprimento dos cronogramas que estabeleceu para suas plantações. Assim, não foi tão surpreendida pela guerra na Ucrânia, que causou a escassez de insumos como fertilizantes.

“Entre 40% e 50% dos fertilizantes da safra 2022/23 já haviam sido comprados a preços competitivos antes do cenário (de guerra) atual”, conta Gustavo Lunardi, diretor de suprimentos e produção de sementes da SLC. E 60% dos defensivos dessa safra já estão com a empresa, que mostra que o planejamento pode não resolver todos os problemas, mas, no mínimo, ajuda na redução de danos.

A Minerva, maior exportadora de carne bovina da América do Sul, também se apoia no planejamento e dá um foco especial a compromissos ESG – ambientais, sociais e de governança. A pressão do mercado para o segmento de proteína animal ser sustentável é grande, e a Minerva se orgulha de ser a única do setor presente no índice de sustentabilidade da B3 (ISE B3).

Como a empresa tem, em seu portfólio de fornecedores, mais de 15 mil produtores rurais nos cinco países onde atua (4 mil a 5 mil no Brasil), só o planejamento pode garantir a execução eficaz.

Entre as iniciativas ESG da empresa está, por exemplo, o monitoramento da supply chain. A companhia criou um painel que acompanha em tempo real os produtores cadastrados como fornecedores, permitindo identificar se um produtor teve problemas com desmatamento ilegal, sobreposição a áreas protegidas ou trabalho escravo. “Com transparência e dados, alavancamos o processo de posicionamento da Minerva e temos uma cadeia produtiva cada vez mais rentável e sustentável”, afirma Taciano Custódio, diretor de sustentabilidade da Minerva Foods.

Outro objetivo ESG é ser uma empresa com emissão neutra de carbono. Para atingi-lo, a Minerva está capacitando os produtores rurais, a fim de fazer com que a sustentabilidade ambiental também seja rentável. Ela criou o programa Renove, que apoia a implementação de tecnologias de baixa emissão de carbono, fornecendo capacitação, e traz parcerias técnicas que ajudam esses produtores a implantar boas práticas de produção que vão trazer eficiência ao negócio. E conecta seus fornecedores com bancos para financiarem tais tecnologias.

“Ainda estamos na fase piloto do projeto, mensurando a pegada de carbono do produtor; alguns emitem bastante, outros têm emissão negativa. Não é uma sustentabilidade apenas ambiental; o produtor precisa ser sustentável em dinheiro para ser correto ambientalmente”, explica Custódio.

## Setor de automóveis
### Aprendendo com as crises
As montadoras de veículos integram um dos setores mais afetados pela escassez global de semicondutores. Em setembro de 2021, a consultoria AlixPartners estimava que a indústria já havia perdido US$ 210 bilhões em receitas globalmente, com a produção de 7,7 milhões de veículos atrapalhada pela crise.

Com veículos cada vez mais tecnológicos, os chips são usados aos montes na produção de apenas um carro. Controlam as centrais multimídia, o ar-condicionado, a visão da câmera de ré, os níveis da suspensão em alguns casos e até a regulagem de retrovisores.

Segundo Paulo Garbossa, consultor do setor automobilístico que acompanha de perto a crise na cadeia de fornecimento, as montadoras que operam no Brasil “estão tirando leite de pedra e conseguindo, mesmo com todos os percalços, produzir veículo e entregar, mesmo que a entrega leve 60 dias”. Aqui a dificuldade é ainda maior na comparação com Estados Unidos e Europa, porque essas regiões são prioritárias para as fabricantes de microchips. “Além de estarmos atrás na fila, EUA e Europa têm muito mais poder de negociação do que nós”, explica.

Tirar leite de pedra significa achar soluções criativas, como fez a subsidiária da Mercedes-Benz, que estabeleceu uma linha direta de comunicação com todos seus fornecedores de chips. Ou substituir fornecedores estrangeiros por locais, como a Toyota do Brasil fez ao trocar o painel multimídia original do Corolla no País por uma versão de um fornecedor brasileiro. Já a Volkswagen do Brasil retirou a central multimídia do Fox e passou a permitir que os consumidores comprassem o item nas concessionárias, como um acessório, como Nissan e Renault fizeram na Europa com outros itens.

As mudanças não são das mais populares, mas mostram o tamanho da dificuldade que as montadoras estão enfrentando na gestão de cadeia de fornecimento. Com as medidas, as empresas conseguem desafogar seus fornecedores e usar chips em modelos mais rentáveis, priorizando a sustentabilidade do negócio.

Além da escassez dos chips, elemento já suficiente para causar uma crise na indústria, o setor automobilístico no Brasil tem sofrido com a falta de autopeças – muitas delas vindas do Leste Europeu – e ainda enfrenta dificuldades com o preço dos fretes e do câmbio, que continua em patamares elevados, mesmo após o alívio do primeiro trimestre deste ano.

AS DIFICULDADES QUE ESSES QUATRO SETORES VÊM ENFRENTANDO, seja pela mudança do comportamento do consumidor ou pelas várias crises, não são exclusividade deles, é claro. Mas ilustram bem a importância de os gestores buscarem novas e criativas soluções de gestão da supply chain e de se apoiarem em dados e tecnologia.

__Leia mais: [Inovação: não há mais espaço para resistências](https://www.revistahsm.com.br/post/inovacao-nao-ha-mais-espaco-para-resistencias)__

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