Não sei quanto a você, mas para mim essa pandemia já deu. Não que eu vá quebrar as regras de distanciamento e higiene, muito pelo contrário. Se vivemos a primeira ou segunda onda de contágio, pouco importa. A ameaça concreta ainda está entre nós.
O ‘já deu’ é pras discussões sobre o normal e o novo normal. Pra insistência de que devemos aprender algo novo. Todo santo dia. Pro papo de que temos que sair desta crise seres humanos melhores. ‘Já deu’ pra polarização ideológica. Aqui e no mundo. ‘Já deu’ também pra auto enganação coletiva de que está tudo sob controle. “Tudo ficará bem em breve, tão logo tenhamos uma vacina”. Não será em breve. E teremos que conviver por muito tempo com as consequências desse período. Que não sei bem quais são, porque ainda não acabou.
Outra boa reflexão pra esse período é sobre como será o mundo do trabalho pós-pandemia. E, de novo, a resposta é ´sabe-se lá´. Afinal, de novo, esse momento não chegou.
A dificuldade de fazer predições é óbvia. Estão aí os especialistas que sistematicamente erram as previsões dos principais números da economia, como PIB, juros e câmbio. Ano após ano. Na década de 1990, Fukuyama declarou o fim da história. E, nossa, como as coisas mudaram desde então. As maravilhosas bolhas da internet, dos títulos subprime e de crédito imobiliário pareciam reescrever as leis da economia, até se desfazerem no ar. Novas fórmulas de sucesso e enriquecimento infalíveis surgiram e se revelaram o tradicional esquema Ponzi – ou o famoso esquema de pirâmide, para simplificar.
Sejamos mais positivos.
Acho que dá para dizer que ´o sempre se fez assim´ morreu! Há meses estamos experimentando. Provavelmente, isso nos fará mais abertos à inovação. Vimos que dá pra fazer diferente, ok, mas que o básico continuará sendo… o básico! É preciso inovar sobre bases sólidas. Ou seja, fazer o essencial bem feito continuará sendo essencial.
Eu continuo lendo bastante e, agora, assistindo a TED Talks em busca de aprendizados e inspiração. Encontrei dois personagens interessantes que corroboram minha tese.
O americano John Wooden tem a reputação de ter sido o melhor técnico da história esportiva. Como coach do time de basquete da Universidade da Califórnia, venceu 10 títulos em 12 anos, sendo sete consecutivos. Nenhum outro time venceu mais do que dois. Foi ´coach of the year´ seis vezes. E estabeleceu um recorde de 88 vitórias consecutivas.
Sua receita: não falava sobre vencer os adversários. Não estimulava seus pupilos a serem melhores que seus oponentes. Mas que procurassem crescer sempre, sendo melhores indivíduos e esportistas.
A referência é você mesmo, sacou?
No primeiro treino de cada temporada, pasmem, ensinava os seus jogadores a se vestirem da forma correta, e a tomar banho e se enxugar como manda o figurino. Mesmo aqueles que já jogavam no time. São virais as fotos em que seus jogadores, galalaus de dois metros de altura, dobrados sobre si mesmos e enfileirados no banco ao lado da quadra, aparecem colocando os cadarços nos tênis.
Ué, não estamos aqui pra jogar basquete? – reagiam os rookies.
Fato é que, se você não amarrar o tênis e vestir as meias da forma correta, tropeçará e/ou ganhará bolhas nos pés, o que poderá tirá-lo de quadra prejudicando você e sua equipe. Básico, né?
Outras exigências – isso mesmo, exigências – de Wooden eram: nunca se atrase para os treinos, esteja sempre limpo e bem apresentado, e não fale palavrões. O que isso tem a ver com basquetebol? Os resultados de Wooden com tantos times diferentes e ao longo de tantos anos falam por si só. Sobre esporte e vida.
Já que estamos falando de atitudes simples, que tal essa? ´Se você quer mudar o mundo, comece arrumando a sua cama´. É assim que começa o vídeo com o Almirante William McRaven na aula inaugural da Universidade do Texas, em 2014. O discurso viralizou e virou livro. McRaven foi SEAL, sobreviveu à Hell Week e chegou ao topo da carreira na Marinha. Foi líder do Comando de Operações Especiais dos EUA. Participou da missão que capturou Bin Laden. Não consigo imaginar o nível de complexidade que este homem enfrentou durante sua vida profissional.
E seus recados continuam de uma simplicidade acachapante: ´as pequenas coisas importam´; ´acerte nos fundamentos´. É revigorante ouvir isso diante de tantas recomendações mirabolantes para ser bem-sucedido, aprender algo, salvar o planeta, e ser tudo para todos a todos os momentos.
Em tempos de tantos desafios e privações, a melhor parte sobre começar o dia fazendo a sua cama é que, se você tiver um péssimo dia, voltará para casa pro conforto e aconchego de uma cama bem-feita. Isso me remete ao conselho de Arianna Huffington: `Quer ser bem sucedido? Então, durma bem´. Basicão, hein? Mas a gente esquece…
Diante disso tudo, o que significa voltar ao básico para nós, seres normais ou novos normais? É tempo de reset, reboot. De dar uma reinicializada no nosso sistema operacional e focar naquilo que realmente importa. Não sei quando, mas daqui a pouco o jogo recomeçará. Estamos assistindo à uma onda (tsunami?) de mudanças de comportamento que afetarão a maneira como vivemos, interagimos, consumimos, trabalhamos. Me atrevo a dizer – correndo o risco de estar errado como os comentaristas de economia – que as estruturas corporativas, a arquitetura de nossos lares e os desenhos de nossas cidades mudarão. Mas nada disso importa. Não é a respeito dos outros. É sobre você.
Como evoluir de forma segura do básico para o fundamental e, finalmente, para o essencial? This is the golden question.
Saudações sabaticosas.