Uncategorized

“Fazer piada é a nossa reflexão crítica”

Para o consultor e ex-VP global de gente da BRF, o humor é o ponto de partida para a transformação mais necessária às empresas, que consiste em fazer “semiescravos” virarem empreendedores

Compartilhar:

CONTAGEM REGRESSIVA com Artur Tacla

**Saiba mais sobre Artur Tacla

Quem é:** Consultor de empresas especialista em gestão de pessoas, atua como sócio-consultor da Corall Consultoria desde 2013.
**Formação:** Administração pública pela FGV-EAESP e psicologia da linha junguiana.
**Carreira:** Foi consultor ao longo de quase toda a sua carreira, por meio de sua empresa Atma e, depois, pela Corall; atendeu empresas como Unilever e PepsiCo. Entre fevereiro de 2016 e junho de 2017, atuou como executivo na BRF.

**5 Qual o desafio-chave do RH atual?**

Antes de mais nada, reinventar- -se, passando de uma área que sistemicamente trabalha pela conservação do status quo a uma que seja parceira da transformação. Isso fará o RH trocar um modelo que controla e adestra as pessoas por um que as estimula a aprender e a liberar seu potencial. Um modo de fazer isso é reduzir os processos: quanto menos processos, menos adestramento. O RH deve desenhar experiências que façam o colaborador passar de um empregado semiescravo a um empreendedor que independe de salvadores. Dito de outro modo, o papel do RH é desenhar fluxos que liberem o potencial das pessoas e a expansão de seus vários “eus”. Para isso, o RH também precisa mudar a visão de sucesso corporativo na área de gente, que é a de zero revolta; a empresa ainda se sente traída pelo colaborador que se rebela – e não pode sentir-se assim.

Acredito que o mundo se acelera muito a cada sete anos e que, para lidar com isso, as empresas precisam pôr em prática quatro conceitos: inovação, crescimento, desenvolvimento e aprendizado. Para que os quatro aconteçam, as pessoas devem estar prontas. Como li no livro Nosso lar, de Chico Xavier, quando o discípulo está pronto, o trabalho aparece. 

**4** **A prontidão vem com avaliação e treinamento?**

Não. O RH tem de parar com essa mania de assessment, até porque a avaliação de pessoas é uma ficção. Cada pessoa tem vários “eus”, existindo em fluxo e não como identidade fixa. Tentar fazer valer uma só identidade é o que as leva a adoecer, e não a tão comentada falta de equilíbrio entre vida pessoal e trabalho – aliás, esse equilíbrio não existe, porque somos tomados por um propósito. A prontidão também não vem de preparo prévio, embora isso tenha sua utilidade. O RH pode criar prontidão com o design de contextos e a construção de comunidades de práticas e de aprendizado/inovação, onde se oferecem questões reais para as pessoas resolverem. Reflexão crítica também contribui. E precisamos considerar o jeito brasileiro de refletir criticamente, que é o do humor. O irlandês reflete por meio da melancolia, o japonês se tortura e nós fazemos piada. 

**3** **O gestor que demite na crise consegue conduzir essa transformação?**

Se não perdeu a humanidade, ele consegue, porque desumanização produz pessoas imbecis ou violentas, e estas é que não mudam nada. Demitir é difícil, mas não necessariamente desumanizante. Agora, a trajetória-padrão de um executivo costuma acontecer à custa de desumanização; para avançar na carreira, ele tem de abrir mão de coisas tão humanas quanto viver crises pessoais. 

**2** **Você foi VP global de gente de uma empresa gigantesca como a BRF; conseguiu pôr em prática alguns sonhos de um consultor idealista?**

Parcialmente, acho que sim. Consegui primeiro observar e depois fazer sugestões, sem a expectativa de que me obedecessem. Consegui levar a cabo minha escolha radical de confiar nas pessoas, não importava o que acontecesse. Convidei as pessoas a crescer comigo, em nome do propósito de “alimentar bem o mundo”. 

Sempre digo que uma empresa não deveria tentar medir engajamento, e sim arrebatamento, e vi isso ocorrer na BRF. Depois dessa experiência, sinto que é possível contribuir, dentro da empresa, para mudar a lógica predatória típica dos negócios e que dá para minar o prejudicial “espaço do amigo”, aquele em que, por exemplo, são feitas avaliações insinceras em nome da cordialidade. 

Para mim, meu papel era o de construir uma organização para o futuro – pensando em sete gerações para a frente. Como acho que vai haver desemprego em massa, vejo como responsabilidade de todo RH criar, em sua empresa, condições de acelerar o aprendizado das pessoas e construir uma cultura empreendedora que lhes dê oportunidade de continuar trabalhando e vivendo com dignidade. 

**1** **Quão difícil foi fazer tudo isso na BRF? Deve durar?**

Posso dizer que foi menos difícil do que eu imaginava, apesar de achar que a empresa ainda está machucada pela fusão/aquisição. A relativa facilidade se deve ao resgate do propósito de alimentar o mundo, o que deu força ao amor que as pessoas já tinham pela organização e pelos alimentos e, assim, ativou sua confiança e sua esperança no futuro da organização. 

Claro, o cenário era desfavorável: lidamos com uma legislação trabalhista de 1940, totalmente ultrapassada. E, enquanto investíamos milhões de reais em pesquisa e desenvolvimento, enfrentávamos uma concorrente que agia de modo pouco ético. Mas negociamos bem com o sindicato e, quanto à concorrente, não caímos na tentação de agir igual a ela. Sempre fomos transparentes com os colaboradores, falando sobre os diferentes problemas. 

Quanto ao legado, acho que muita gente entendeu, sim, a mensagem principal: crises são úteis para a evolução e uma empresa nunca pode deixar de atacar um problema pelo medo de que expô-lo vai quebrá-la; se o risco de quebrar for real, é porque a empresa nem merecia existir.

Compartilhar:

Artigos relacionados

Organização

A difícil arte de premiar sem capitular

Desde Alfred Nobel, o ato de reconhecer os feitos dos seres humanos não é uma tarefa trivial, mas quando bem-feita costuma resultar em ganho reputacional para que premia e para quem é premiado

Tecnologias exponenciais
A IA não é só para tech giants: um plano passo a passo para líderes transformarem colaboradores comuns em cientistas de dados — usando ChatGPT, SQL e 360 horas de aprendizado aplicado

Rodrigo Magnago

21 min de leitura
ESG
No lugar de fechar as portas para os jovens, cerque-os de mentores e, por que não, ofereça um exemplar do clássico americano para cada um – eles sentirão que não fazem apenas parte de um grupo estereotipado, mas que são apenas jovens

Daniela Diniz

05 min de leitura
Empreendedorismo
O Brasil já tem 408 startups de impacto – 79% focadas em soluções ambientais. Mas o verdadeiro potencial está na combinação entre propósito e tecnologia: ferramentas digitais não só ampliam o alcance dessas iniciativas, como criam um ecossistema de inovação sustentável e escalável

Bruno Padredi

7 min de leitura
Finanças
Enquanto mulheres recebem migalhas do venture capital, fundos como Moon Capital e redes como Sororitê mostram o caminho: investir em empreendedoras não é ‘caridade’ — é fechar a torneira do vazamento de talentos e ideias que movem a economia

Ana Fontes

5 min de leitura
Empreendedorismo
Desde Alfred Nobel, o ato de reconhecer os feitos dos seres humanos não é uma tarefa trivial, mas quando bem-feita costuma resultar em ganho reputacional para que premia e para quem é premiado

Ivan Cruz

7 min de leitura
ESG
Resgatar nossas bases pode ser a resposta para enfrentar esta epidemia

Lilian Cruz

5 min de leitura
Liderança
Como a promessa de autonomia virou um sistema de controle digital – e o que podemos fazer para resgatar a confiança no ambiente híbrido.

Átila Persici

0 min de leitura
Liderança
Rússia vs. Ucrânia, empresas globais fracassando, conflitos pessoais: o que têm em comum? Narrativas não questionadas. A chave para paz e negócios está em ressignificar as histórias que guiam nações, organizações e pessoas

Angelina Bejgrowicz

6 min de leitura
Empreendedorismo
Macro ou micro reducionismo? O verdadeiro desafio das organizações está em equilibrar análise sistêmica e ação concreta – nem tudo se explica só pela cultura da empresa ou por comportamentos individuais

Manoel Pimentel

0 min de leitura
Gestão de Pessoas
Aprender algo novo, como tocar bateria, revela insights poderosos sobre feedback, confiança e a importância de se manter na zona de aprendizagem

Isabela Corrêa

0 min de leitura