O monitor de irrigação no laboratório do centro de inovação C.E.S.A.R é pouco sexy; não é fácil imaginar que ele possa provocar uma ruptura tal no agronegócio brasileiro a ponto de aumentar em até quatro vezes a produtividade das plantações. Os sistemas de irrigação das fazendas são caros: só uma dessas estruturas exibidas na foto à direita, chamada de pivô, custa R$ 500 mil, e são necessárias várias delas por plantação. Ainda há o investimento em açude, casa de bomba, transmissão eletrônica etc. Para serem funcionais, esses sistemas precisam de “pivozeiros”, rapazes que percorrem a plantação uma vez por dia, de moto, e vão anotando dados registrados sobre nível de chuva e condição do solo para regular a irrigação, para que um agrônomo possa conferi-los a cada mês.
O monitor do C.E.S.A.R, lançado no final de 2013, vem substituir o pivozeiro e aumentar tanto a confiabilidade das informações como a frequência com que estas são entregues ao agrônomo, com grande benefício potencial ao cultivo. Pode não ser uma inovação que cause tanto burburinho quanto um tablet da Apple, mas resolve, para determinado segmento de empresas, uma séria ineficiência –e ainda supera o custo Brasil ao usar bateria para evitar as falhas de fornecimento de energia elétrica. Essa inovação, comercializada como um serviço mensal, à moda de uma TV por assinatura, constitui a síntese perfeita do espírito inovador que predomina no cluster da ilha do Recife Antigo: voltada a empresas, para resolver ineficiências.
**CULTURA DO MANGUE**
O Recife Antigo é formado pelo C.E.S.A.R e pelo parque tecnológico Porto Digital, mas, antes de tudo, é feito de hackers, como se costuma brincar localmente. Dos seis elementos desse cluster [veja quadro na página 36], C.E.S.A.R e Porto Digital materializam quatro: instituto de pesquisa, incubadoras/aceleradoras, empreendedores e visão global. E outros diferenciais são estabelecidos por eles:
**• Uma cultura única.** Influenciada pelo movimento “Mangue Beat” [veja quadro na página 49], a cultura do cluster do Recife mostra ser tão forte quanto a do Vale do Silício, o que aproxima os dois modelos. Até as diferenças culturais contêm semelhanças: enquanto o cluster de San Francisco foi iniciativa de alunos da universidade (Stanford), o do Recife partiu de professores (Universidade Federal de Pernambuco); se o vale é marcado por construções contemporâneas, a ilha preserva prédios antigos; se o vale dá destaque ao “empreendedor-usuário”, que cria o que gostaria de consumir, a ilha potencializa o “empreendedor-cidadão”, que quer ver seu país funcionar melhor.
**• Estudo antes de qualquer coisa.** Os negócios no Recife Antigo sempre começam com estudos –do usuário, do mercado, da tecnologia. “Faz-se um paper antes de se propor qualquer coisa”, como explica Eduardo Peixoto, executivo-chefe de negócios do C.E.S.A.R.
**• A rede está viva.** Uma pesquisa do Porto Digital mostra que dois terços das companhias locais têm parceria com uma “vizinha”. Exemplo disso é o sistema Anjo da Rua, que identifica eventos de risco nos ambientes urbanos e dá o alarme quando detecta som de tiros ou acidentes de carros. Ele foi desenvolvido pela Serttel com base na expertise da D’Accord, ambas embarcadas no Porto Digital.
**• Os empreendedores não se apegam a um negócio apenas.** Vários deles atuam em mais de um negócio ao mesmo tempo ou pulam de uma organização para outra, como aconteceu com Guilherme Cavalcanti, que atuou na Silicon Reef, no C.E.S.A.R, na Pitang, na Joy Street e no fundo de venture capital Fundotec II, e agora preside a Agência Recife para Inovação e Estratégia.
**• “Mais e melhores notas fiscais”.** A preocupação com o registro de patentes já foi abandonada por muitos, trocada pela métrica do dinheiro novo. A seguir, HSM Management apresenta os principais atores do cluster.
**O C.E.S.A.R**
Se as fachadas antigas dos três prédios desse instituto de inovação na ilha fossem congeladas em uma foto, o leitor diria que ali impera a calmaria, mas nada poderia ser menos verdade.
Os colaboradores desse centro tocam em paralelo 64 projetos por ano, com 19 gerentes, e tendo de adaptar seus processos constantemente aos clientes. Tudo isso em apenas uma das três divisões do C.E.S.A.R, a de engenharia. As outras duas, de empreendedorismo e educação, são igualmente movimentadas.
Sérgio Cavalcante, superintendente do C.E.S.A.R, coordena os 800 colaboradores com a filosofia de gestão caórdica, criada pelo CEO da Visa International, Dee Hock. Ele confere autonomia a todos, mas desde que sigam as regras. Horários não são sagrados e há muita diversão. Para h.d.mabuse, que chefia a área de design da instituição, o fato de o C.E.S.A.R não ter acionistas contribui bastante para a alegria responsável. “Todos se sentem donos.” Organização privada sem fins lucrativos, o C.E.S.A.R tem lucro –foi de R$ 4 milhões em 2013 (em um faturamento de R$ 70 milhões)–, só não o distribui; é tudo reinvestido. Boa parte dos empreendedores do Porto Digital surgiu desses reinvestimentos, inclusive, por meio da incubadora do C.E.S.A.R.
Sob um conselho consultivo (que inclui representantes de clientes), a instituição se organiza em dez áreas, além das divisões em outros estados. Há as de apoio, como capital humano e comunicação institucional, e as que geram inovação, como as três a seguir.
**C.E.S.A.R Engenharia.** O foco dessa área é em P&D e serviços de consultoria para outras organizações, sendo procurada por estas ou procurando-as com propostas. Recentemente, desenvolveu a primeira inovação para si mesma, o monitor de irrigação, em busca de aumentar o lucro e poder, em médio prazo, financiar inovações mais ambiciosas. Para não pôr em risco o foco em inovação, o C.E.S.A.R separou a Pitang, sua fábrica de software, do restante. “Era tentador ficar ganhando dinheiro com a fábrica e deixar de arriscar e inovar, mas não é o que queremos”, explica Cavalcante. O que empurra a inovação é a área de novos negócios, bem ativa, a cargo de Eduardo Peixoto, com profissionais em perfil T (generalistas e especialistas) e a proposta de também dar consultoria de negócios. O núcleo de design de h.d.mabuse é igualmente importante, empoderado especialmente de 2004 para cá, depois que executou um complexo projeto de acessibilidade de documentos (14 mil) para o Banco Central de forma criativa e inclusiva –com uma equipe com cinco estagiários da comunidade do Pilar, uma favela local. Hoje trabalham na instituição 54 designers de diversas formações. Mas o C.E.S.A.R, como outros institutos de inovação, ainda conta principalmente com projetos incentivados pela Lei de Informática, responsáveis por 70% de seu faturamento total. “Até há projetos privados, como um da TV conectada para a Rede Globo, mas poucos”, explica Karla Godoy, executiva responsável pelo departamento administrativo-financeiro.
Muitas empresas brasileiras já se beneficiaram da criatividade do C.E.S.A.R. O tablet inserido em refrigeradores Brastemp para controlar o que há para comer saiu daqui; o medidor inteligente do smart grid das empresas da Associação Brasileira da Indústria Eletroeletrônica, que mudará o setor de energia elétrica, está sendo desenvolvido aqui; o replanejamento do grupo Sonae Sierra Brasil para um cenário de varejo bem diferente em dez anos é feito com consultoria daqui. A revolução que inovações do C.E.S.A.R provocam em empresas de menor porte, como a fabricante de no-breaks NHS Nilko, então, é enorme: ela, que oferece 64 tipos de gabinete customizados, conseguiu reduzir o tempo de montagem de cada um de dois dias para 15 minutos. Também há muitos projetos secretos no C.E.S.A.R, instalados em salas de acesso controlado cujas paredes de vidro são forradas por papel –especula- -se até sobre clientes do Vale do Silício.
**C.E.S.A.R Educação.** Empresas como Samsung e HP já compram cursos customizados do C.E.S.A.R, pessoas físicas já fazem seu programa de residência em software. Mas a instituição prepara voos maiores. Não à toa, gastou R$ 3 milhões em fevereiro último na aquisição de um enorme edifício que abrigará sua área de educação e elevará o investimento total a R$ 9 milhões, somado o custo da reforma. Ali deve criar mais cursos de extensão e especialização, além de uma faculdade voltada para empreendedorismo e inovação
**C.E.S.A.R Empreendedorismo.** No histórico de incubação desse instituto há muitas empresas bem-sucedidas, mas até a área de empreendedorismo está sendo transformada. Se seu ambiente Garage investia em cerca de três empresas por vez, R$ 200 mil em cada uma, agora apostará em muitas mais, destinando-lhes valor menor individualmente. “A ideia é que, assim, os pequenos sucessos viabilizem os pequenos fracassos, necessários ao aprendizado”, explica o gerente de empreendedorismo Eiran Simis. O C.E.S.A.R montou, segundo Simis, uma “incubaceleradora”, incubadora de startups que as acelera, com o capital também de parceiros. O plano é investir em 30 a 40 empresas por ano, começando com um ciclo de quatro meses e dando R$ 40 mil para cada uma. O investimento pode continuar por anos. “O processo é de menos conversa e mais ação, sem isolar o empreendedor do problema”, distingue-o Simis. As etapas são as seguintes: sempre com orientação de mentores, os empreendedores chegam com a ideia, criam um modelo de negócio para ela, vão entender com os clientes potenciais como podem resolver o problema deles, fazem um protótipo com uma visão da solução, geram um produto minimamente viável (MVP, em inglês) e voltam aos clientes para testá-lo, em preço e em usabilidade.
> **Caranguejos inovadores**
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> _O movimento “mangue beat”, nos anos 1990, serviu de catalisador de uma cultura que busca ser tão única quanto a do Vale do Silício_
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> A origem do cluster do Recife Antigo costuma ser associada à capacidade de mobilizar pessoas de Silvio Meira, professor e pesquisador de engenharia de software da Universidade Federal de Pernambuco, que fundou o C.E.S.A.R e o Porto Digital. Ele, que é colunista de HSM Management, teria feito a jornada do herói, inspirado por ter nascido a 120 quilômetros de onde seria criado o pioneiro cluster de Campina Grande (PB); por formar-se no Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), no cluster de São José dos Campos (SP); por conhecer a experiência inglesa na área ao estudar lá; pelo fato de a Procenge, empresa de informática, existir no Recife desde 1984. Meira enxerga a raiz do cluster em um movimento coletivo: o “Mangue Beat”, liderado pelos músicos Chico Science e Fred Zero nos anos 1990.
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> Com a imagem da antena parabólica enfiada na lama, o movimento buscava, cultural e metaforicamente, reenergizar e fertilizar o mangue, revertendo “a depressão crônica que paralisava os cidadãos”, como sugeria seu manifesto. “De repente, surgiu uma cena musical com mais de cem bandas, vieram programas de rádio, desfiles de moda, videoclipes, filmes, tudo virando a cultura pernambucana de cabeça para baixo”, relembra Meira. E, em 1994, quando os professores da Universidade Federal de Pernambuco debatiam como romper o isolamento da academia, veio o álbum Da Lama ao Caos, de Chico Science & Nação Zumbi, que levou milhares de jovens a aprender maracatu e tambor, misturando-os com guitarras pesadas e som psicodélico.
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> Foi a fagulha de que Meira precisava. Em 1995, ele tomava posse como professor titular trocando a tradicional música de câmara da cerimônia por Da Lama ao Caos. “A universidade ficou horrorizada, mas a mensagem era simples: se a meninada estava fazendo aquela revolução na música, com tremendo impacto no pensamento e na atitude coletivos, por que a academia não podia fazer algo similar em relação a educação e tecnologia?” Era preciso aumentar o parque industrial local, devia-se conter a evasão de cérebros. Com a adesão de vários professores, o centro de inovação C.E.S.A.R nasceu em 1996, como parte do departamento de informática, e o parque tecnológico Porto Digital foi criado em 2000. Com seu surgimento, ambos revitalizaram a então decadente ilha do Recife Antigo, com a reforma de seus edifícios antigos. O C.E.S.A.R repatriou, inclusive, um dos protagonistas do Mangue Beat, herr doktor (h.d.) mabuse, que tinha se refugiado em São Paulo depois da morte do amigo Chico Science em um trágico acidente de carro. E ele se tornou o chefe de design da instituição.
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> “Sem o Mangue Beat, tudo isso não existiria”, diz Meira, que se tornou também empreendedor, investidor e porta-voz da rede. O movimento proporcionou ao cluster do Recife, além da fagulha inicial, sua cultura, tão forte quanto a cultura do Vale do Silício californiano. Traços como rebeldia, irreverência e cosmopolitismo, próprios dos empreendedores locais, podem ser vistos, por exemplo, em mabuse, que se autobatizou como o personagem de um filme policial de 1922 dirigido por Fritz Lang. A responsável pelo RH do C.E.S.A.R está tão aculturada que já desconfia dos candidatos “certinhos”. A pintura na entrada de um dos prédios do centro, de um dragão que solta fumaça e ruge para o visitante com ajuda da tecnologia, e um varal de ideias penduradas são alguns sinais exteriores da energia do cluster, que pode ser vista em seus caranguejos todos os dias –exceto, talvez, no Carnaval.
**O PORTO DIGITAL
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O parque tecnológico do Recife Antigo tem 230 empresas embarcadas com 7 mil colaboradores e faturamento de R$ 1 bilhão por ano, atuando sobretudo em tecnologia da informação e economia criativa. Delas, 25% já têm atuação internacional. Com os governos estadual e municipal participando de sua governança, tem dois objetivos: aumentar a competitividade das empresas e atrair novos negócios inovadores. Para o segundo caso, o Porto possui incubadora e aceleradora próprias. Em prol da competitividade, uma série de medidas vem sendo tomada. “Temos preocupação em ter os certificados de qualidade, como a norma CMMI, que é a ISO do software, e também um programa vigoroso de formação de capital humano, com cursos de tecnologia, gestão de projetos e inglês, conforme o gap detectado em nossas pesquisas”, conta Guilherme Calheiros, diretor de inovação e competitividade do parque.
A melhoria da mão de obra é comprovada pelo aumento de pessoal das grandes empresas instaladas no Porto: na Ogilvy, de publicidade, o quadro pessoal subiu de 30 para 150 pessoas; na Accenture, de consultoria, passou de 80 a 600. Nesse ritmo, é possível que o cenário traçado pelo Porto, para 2022, se concretize mesmo, com 20 mil pessoas trabalhando no local. Se a ocupação dos imóveis é métrica de empreendedorismo, vale saber que o Porto já está avançando para o quadrilátero de Santo Amaro, fora da ilha. Algumas empresas do Porto ajudam a entendê- -lo melhor:
**Tempest Security Intelligence.** É uma das mais famosas empresas locais, de “hackers éticos”, que são referência em segurança da informação e estão se consolidando em defesa cibernética. Abriram recentemente filial no Reino Unido, para atender dois clientes muito importantes, BBC e grupo The Economist, e têm em sua carteira de clientes Serasa Experian, Itaú Unibanco, Bradesco e Embraer, entre outros. Segundo o cofundador Evandro Hora, o maior desafio é gente. “Hackers requerem um talento que nenhuma escola desenvolve, daí investirmos muito em formação interna.”
**Neurotech.** Paulo Adeodato trabalha com data mining desde 1999 e com big data e analytics desde 2004. Um dos maiores êxitos de sua Neurotech, empresa de algoritmos para tomada de decisões nos negócios, é uma solução para detecção de fraudes e riscos nos sistemas de crédito, com o uso de redes neurais –ele começou com um projeto para a Telefônica (atual Vivo) e hoje muitas das grandes empresas financeiras e de varejo são suas clientes. “Um avanço foi mudarmos nosso modelo de negócio, trocando a venda de software e de licença por um sistema de receita recorrente, baseada em participação no lucro adicional gerado pela fraude evitada.” Agora, a Neurotech, que foi adquirida pelo fundo de private equity da TMG Capital em 2013, move-se em direção a outros setores –como o agronegócio– e outros países. “Estamos negociando com a indústria de suco de uva do Vale do São Francisco e fechamos negócio com a autoridade portuária que monitora o tráfego de navios no Canadá”, diz Adeodato.
> **INVESTIDOR COM FOCO NOS EMPREENDEDORES**
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> _Ikewai cultiva pessoas, não negócios_
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> “Nosso maior concorrente por talentos empreendedores e inovadores é o emprego público.” Essa declaração, do investidor Teco Sodré, já dá uma dimensão do desafio de investir em startups no Brasil. Mas seu segundo comentário assusta mais: “Os investidores estão exaurindo nossa pequena capacidade empreendedora ao utilizar os mesmos métodos dos EUA, em que eles abraçam três projetos a cada cem apresentados; os outros 97 encruam”. Percebendo isso, Sodré e seus sócios fundaram, em 2012, uma firma de investimento diferenciada. Ela olha para o empreendedor, e não para o negócio, e se posiciona como designer de negócios. Seu princípio é selecionar empreendedores e convertê-los em líderes em até dez anos, “tempo em que talvez fracassem umas cinco vezes”, como ele diz.
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> Esse relacionamento investidor-empreendedor começa com um programa de residência de três meses, em que o empreendedor explora os negócios atuais da Ikewai e escolhe fazer uma imersão remunerada em um deles, podendo tornar-se sócio; seguem-se três anos de experiência em operação e muito estudo. “Assim, as pessoas mudam seu padrão mental e podem desenhar modelos de negócio inovadores. O empreendedor brasileiro tem uma boa ideia, mas espera gerar receita de modo óbvio e pouco viável”, explica Sodré. Quando parte para um novo negócio, o empreendedor o inicia usando a rede Ikewai: atua em escritório emprestado, com CNPJ de parceiro, e só se lança depois de ter compromissos comerciais fechados. O processo constrói a fundamental visão de longo prazo e testa a alma empreendedora. “Muitos desistem só de ter de ficar seis meses trabalhando em outra cidade.” Uma curiosidade é que empreendedores de 30 a 40 anos lidam melhor com isso que os jovens.
**Joy Street.** Criadora de uma plataforma de games educativos [veja quadro na página 54] e dirigida por Fred Vasconcellos, considera seu maior desafio a forma de vender inovação a governos, que ainda não sabem comprá-la; governos são seu principal cliente, no mundo inteiro. A empresa ficou animada com os resultados de sua 1ª Olimpíada de Jogos Digitais e Educação (OJE), em 2010 –a percepção dos professores em relação à evolução e ao engajamento dos alunos foi muito positiva. E está ampliando seu mercado. Conquistou novos clientes governamentais, com os estados do Rio de Janeiro e do Acre; entrou na arena das ONGs, quando, em 2013, lançou a Plinx com os institutos Natura e Ayrton Senna e a Fundação Telefônica; e agora planeja abordar escolas privadas e governos estrangeiros, com EUA e Chile na mira.
**Serttel.** Nascida em 1988, oferece soluções para mobilidade, segurança e comodidade em ambientes urbanos e vem crescendo tanto que já virou um grupo de três empresas. É famosa no Brasil por seu serviço de bike sharing, e seus mais de 2 mil colaboradores estão espalhados por várias capitais. A internacionalização já começou; a Serttel acaba de abrir a primeira unidade fora do Brasil, em Buenos Aires. Produz aplicativos diversos, para emitir tíquetes de zona azul, pagar pedágios eletrônicos e estacionamentos de shopping, faz controle de semáforos e, neste ano, lançará o compartilhamento de carros, inicialmente em Pernambuco.
> **LAGOS AZUIS NOS OCEANOS VERMELHOS**
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> o objetivo é Inovar solucionando ineficiências da cadeia produtiva
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> Por que inovações como o Google não nascem no Brasil? Um produto parecido foi incubado no C.E.S.A.R: o buscador (chamava-se Radix). A principal explicação é que produtos de ruptura precisam de muito capital investidor enquanto se educa o mercado para consumi-los e não há tanto capital disponível no Brasil, razão pela qual todos os clusters de inovação do País têm uma maioria de empreendedores atuando no segmento B2B. “Em vez de investir em oceanos azuis, concorrendo em níveis de atenção com empreendedores que têm mais capital, miramos lagos azuis dentro dos oceanos corporativos vermelhos”, explica o investidor Teco Sodré, da Ikewai. O tamanho da economia brasileira –entre oitava e nona do mundo– garante que a inovação para reverter ineficiências das empresas seja um grande lago azul. O desafio é o de abordar essas empresas, pouco acostumadas a lidar com startups ou com um centro de inovação como o C.E.S.A.R, e conseguir vender a ideia de uma inovação mais avançada. Eduardo Peixoto, do C.E.S.A.R, lamenta que as inovações de horizonte 1 ainda sejam a maioria da demanda. As inovações são classificadas pelos horizontes 1, 2 e 3: (1) a inovação é incremental, baseada em tecnologia madura e em um mercado já conhecido; (2) o grau de inovação é moderado, com uso de tecnologia existente e dirigida a um mercado real, mas ambos não necessariamente dominados pela empresa; (3) a inovação é radical, baseada em tecnologia emergente usada de modo experimental e/ou em mercado não existente. “Queríamos nosso portfólio de 30%, 30% e 40%, respectivamente, mas é preciso mudar a mentalidade; a nova versão da Lei de Informática pode mudá-la, se passar a avaliar o impacto gerado pelo uso do incentivo.”
**Silicon Reef.** Com experiência em projetos de circuitos integrados digitais para empresas, está partindo para a estratégia de chips próprios: seu chip EH01 será lançado em 2014, para otimizar a colheita e o condicionamento de energia solar. Sua aposta no mercado de energy harvesting é alta; este deve movimentar US$ 4,4 bilhões anuais no mundo já em 2019.
As portas internacionais já se abriram para a SR quando venceu uma competição de inovação patrocinada pela Intel em 2009 e chamou a atenção do fundo de VC norte-americano Draper Fisher Jurvetson. “Eles nos classificaram como empresa com alto potencial de investimento”, conta seu sócio e fundador Tiago Lins. A ambição de expansão é naturalmente mundial. Seu P&D, que ainda constitui 70% da atividade da empresa, vem contando com apoio de dinheiro público, por meio do fundo Criatec (do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES), da agência Finep e do CNPq, entre outros.
**SODET.biz.** Tendo o design thinking como diferencial, desenha e executa estratégias digitais de dois a cinco anos para as empresas se relacionarem com seus consumidores e clientes, que podem se concretizar na forma de novos produtos digitais, canais de relacionamento com o consumidor ou mesmo novos negócios. Ela atende segmentos de varejo, beleza e bem- -estar, financeiro, indústria automobilística e educação, mas planeja estender sua atuação nacional por meio da conquista de contas diferentes. A internacionalização será o passo seguinte, seja por meio de projetos pioneiros para grandes multinacionais já clientes da empresa, seja com parceiros estratégicos de mercado. “Temos de ir ao mundo antes de o mundo vir a nós”, diz Bruno Encarnação, um de seus fundadores.
**D’Accord.** Uma das raras empresas da ilha que atuam tanto B2B como B2C, tem produtos voltados para a educação que relacionam música e TI, como o material didático digital Turma do Som (livro, animações e jogos), usado por mais de 5 mil alunos de diversos estados brasileiros, e a plataforma Livro Educacional Digital (LED), adotada pelas três maiores editoras do País para produzir e distribuir livros digitais interativos entre computadores e tablets de alunos e professores. “Aprendemos que a empresa que quer inovar no Brasil tem dois grandes desafios: montar uma ótima equipe de P&D e se estruturar em marketing e vendas. Nós conseguimos o primeiro e investimos para melhorar o segundo”, diz Américo Amorim, diretor- -executivo da D’Accord.
**Ubee.** Primeira rede de publicidade mobile baseada em tecnologias de localização indoor do mundo, teve sua tecnologia apontada pela Microsoft como a quarta mais precisa do planeta: com um erro na faixa de 2 metros, ela permite saber exatamente o ambiente onde o usuário está e ainda consegue identificar andares em prédios, diferentemente do GPS. A Ubee, fundada em 2013, surgiu de um projeto de faculdade de André Ferraz e já conta com 15 colaboradores. “Nossa solução foi ao mercado há apenas dois meses e já registra mais de 1 bilhão de impressões de anúncios por mês; continuaremos focados no mercado brasileiro por enquanto”, diz Ferraz.
> **DESIGN MANDA**
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> Um hospital encomendou ao C.E.S.A.R o desenvolvimento de um novo aparelho de radiologia portátil e a área de design, como de costume, deu início ao processo, voltado para o usuário, em quatro fases: (1) pesquisa no local de uso –em profundidade e contextual, com observação; (2) ideação, com brainstorming e o chamado “placestorming” (troca de ideias no local de uso); (3) protótipo em papel com teste, cujo objetivo é errar o mais rápido possível; e (4) protótipo digital testado pelos usuários, que são observados por horas. Na pesquisa, os designers descobriram que, no aparelho existente, a automação era ineficaz, pelo fato de o painel ser complexo demais para os técnicos (20 opções de uso). O C.E.S.A.R desenvolveu uma máquina com dois botões: um de subir e descer, outro de definir tempo de exposição/ intensidade da radiação. E, com os dados, propôs e emplacou um segundo projeto.
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**UNIVERSIDADE E CAPITAL**
Quanto aos outros dois elementos do sexteto fundamental a um cluster bem-sucedido, a universidade foi e é bastante presente na ilha: professores da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) continuam a ser membros-chave do C.E.S.A.R e muitos dos empreendedores vistos no Porto Digital saem de seu centro de informática. No quesito “capital de risco”, o cenário está longe do ideal, mas tem melhorado: se já há cerca de 20 investidores atuantes, ante três há dois anos–, depende- -se bastante do governo ainda: o maior destaque é o fundo Criatec, ligado ao BNDES, e a agência Finep, por exemplo, faria muita falta. A boa notícia é que um investidor diferente como a Ikewai, que se define como business designer [veja quadro na página 51], encontrou espaço.
Ela tem oito empresas em seu portfólio, que, juntas, faturam R$ 50 milhões ao ano, conforme o sócio Teco Sodré, e a ambiciosa meta de, até 2030, ter 20 empresas, faturando R$ 50 milhões cada uma. Em sua agenda estão os setores de lixo urbano, infraestrutura em geral e educação, como revela Sodré, que chega a atuar como CEO de algumas empresas quando necessário.
> **O curioso caso da Joy Street**
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> _A indústria de games, B2C por natureza, vira B2B e ataca “custo brasil” escalável_
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> O Brasil perdeu a guerra da educação na sala de aula. Essa foi a premissa da qual os fundadores da Joy Street partiram em 2009 e, com pensamento orientado pelo design, venderam ao governo de Pernambuco, em 2010, uma plataforma de games de rede social: a 1ª Olimpíada de Jogos Digitais e Educação (OJE). O projeto envolveu 60 mil alunos do ensino médio das escolas estaduais durante o ano escolar inteiro e durou três anos. Nessa “gincana de internet”, era preciso desvendar enigmas, como o do instrumento de uma famosa banda local que desapareceu. “Para resolvê-lo, os estudantes competiam interpretando texto, pesquisando, usando matemática”, explica Guilherme Cavalcanti, que atuou na Joy Street entre 2009 e 2013 e agora enfrenta outro desafio, como é praxe no Recife. E criou-se um sistema que habilitava o “professor autor” a criar aulas gamificadas (e receber bônus). O desafio foi imenso para a equipe da Joy Street, com 25 pessoas entre pedagogos, designers e engenheiros; tiveram de superar obstáculos como falhas de energia elétrica e de internet, computadores desatualizados. Mas o aprendizado também foi grande, como o de detectar as dificuldades de cada turma e adaptar o jogo para lidar com elas.
**FUTURO MAIS “SEXY”**
O futuro do cluster do Recife, como em outros clusters, ainda está ligado ao governo –seja pelo capital que financia P&D, seja pela Lei de Informática, cuja renovação ainda é crucial para as empresas investirem em inovação. Mas no planejamento dos próximos 25 anos que o C.E.S.A.R vem fazendo, liderado por Fábio Silva, seu diretor-presidente, a linha mestra é contribuir para mudar esse quadro.
“Não temos nenhuma indústria realmente inovadora e nossas empresas inovadoras são poucas”, no diagnóstico de Silva. O plano do C.E.S.A.R é gerar inovações em maior quantidade e diversidade para influir em uma estratégia nacional. Isso significa, por exemplo, que abraçará a inovação “sexy”, montando uma área para desenvolver tecnologias novas –“hoje trabalhamos com tecnologias que apareceram faz 25 anos”, diz Silva–, e trará estrangeiros para seus cursos promovendo a troca de conhecimentos. Tal futuro parece começar a acontecer, pois o C.E.S.A.R acaba de abrir uma unidade em Manaus (AM) –é a biologia que está na mira?