Estratégia e Execução

No Brasil, o caminho é mais lento

Está havendo uma evolução nas relações entre consumidores e empresas, com a abertura de vários canais de comunicação, especialmente por meio das ouvidorias e das redes sociais. Mas ainda é necessário melhorar muito para que o serviço ao cliente seja estratégico no País.

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Anos atrás, explodiu uma geladeira novinha de um fabricante nacional. O problema foi levado ao ombudsman da companhia e, com a área técnica, ele conseguiu identificar uma falha no compressor de um lote inteiro do eletrodoméstico. Recomendou à fábrica que retivesse a parte do lote que ainda estava em estoque e que recolhesse os poucos produtos já distribuídos no varejo e com consumidores. O ombudsman foi acatado, os compressores foram refeitos e o fabricante – cujo nome nunca foi divulgado – não sofreu maiores consequências por uma explosão que poderia ter sido trágica em todos os sentidos. Ele teria perdido muito dinheiro e arranhado sua imagem; os compradores seriam vítimas do pior. O pior não aconteceu porque a empresa tinha uma estratégia de serviço ao cliente clara e estruturada, além de uma equipe, na ouvidoria, realmente dedicada a conhecer e resolver os problemas dele. O caso comprova que as organizações brasileiras  avançaram significativamente em sua atenção aos consumidores. Isso é observado não apenas no fato de as ouvidorias ficarem empoderadas (ou nos muitos consumidores que querem falar direto com ouvidores). O aumento das iniciativas de serviço ao cliente nas mídias sociais também revela a evolução. Só que a maioria das empresas segue bem distante do ideal. Por quê? Como mudar?

> **Nossos Canais** 
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> Segundo a pesquisa Hábitos e Comportamentos dos Usuários de Redes Sociais no Brasil, realizada pela E.life de setembro a dezembro de 2014 com  1.059 consumidores, os principais canais  de atendimento ao cliente acionados são:
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> 71,9% telefone
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> 39,4% REDES SOCIAIS
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> 31,1% SITES
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> 51,5% E-MAIL
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> E o ponto de vista das empresas? Estudo da GfK mostra que elas adotam cada vez mais as redes sociais como canal de atendimento – 87% das 219 pesquisadas tinham esse canal em 2014 – e que o chat ao vivo não emplacou – 41% no mesmo ano. Para 2015, o WhatsApp pode despontar como um canal promissor.

**A história – parte 1** 

Nas organizações brasileiras, a função de atendimento ao cliente viveu seu primeiro ponto de virada 25 anos atrás, com a publicação do Código de Defesa do Consumidor. Por conta da possibilidade concreta de punição e também de consumidores mais exigentes, ganharam destaque a ferramenta “Fale Conosco” e o Serviço de Atendimento ao Cliente (SAC), por meio dos quais as empresas passaram a ouvir o que não ouviam. 

Em teoria. O que aconteceu na prática é que as reclamações de consumidores explodiram nos órgãos de defesa de seus direitos e, em um segundo momento, nas mídias sociais. Foi quando as agências reguladoras de alguns setores passaram a exigir que as empresas tivessem ouvidores, que começaram a se disseminar. Ouvir realmente e ter autonomia para investigar e solucionar questões não resolvidas pelo SAC são as principais características das ouvidorias. Só que as reclamações continuam a crescer.

 E, pior, no topo dos rankings de reclamações dos Procons, os programas de defesa do consumidor, presentes em vários estados e municípios, estão exatamente as organizações reguladas e obrigadas a ter ouvidores. Como se explica isso? Muitas empresas contratam ouvidor somente para cumprir a determinação legal. “Acho isso constrangedor”, opina o advogado Edson Vismona, presidente-executivo da Associação Brasileira de Ouvidores/Ombudsman (ABO) e que era o Ombudsman do fabricante de eletrodomésticos da história mencionada no início desta reportagem.

 “As que avançaram significativamente foram poucas; muitas têm a ouvidoria mais como um SAC 2, se tanto, e ainda há as que têm ouvidor como um sujeito oculto, alguém que ninguém consegue acessar”, critica ele, que foi secretário da Justiça e da Defesa da Cidadania do Governo do Estado de São Paulo de 2000 a 2002. Além disso, ainda são poucas as empresas que investem na instituição de uma ouvidoria de maneira voluntária, sem serem obrigadas por lei. E a ouvidoria que atende tanto clientes externos como internos (os funcionários), tida como mais avançada, é mais rara ainda. 

Com ouvidoria, a lógica seria que o número de reclamações contra uma empresa diminuísse, na opinião de Denise Delboni, professora de relações trabalhistas dos cursos de administração da Escola Superior de Propaganda e Marketing de São Paulo (ESPM-SP). “Como acontece o oposto, ou a ouvidoria não funciona de modo eficaz, ou está lá só pro forma”, endossa ela. Elici Bueno, coordenadora-executiva do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), define o que torna uma ouvidoria eficaz: desempenhar um papel corretivo concreto e interferir em outras áreas da empresa para resolver os problemas e evitar que ocorram novamente. 

“A ouvidoria tem muito o que melhorar em sua atuação”, afirma. Delboni percebe que há boas ouvidorias principalmente na indústria de consumo, mas em empresas de serviços, por exemplo, essa prática ainda deixa a desejar. “As empresas até estão preocupadas com o tema, porque têm de prestar contas aos acionistas, mas precisam amadurecer bastante e em muitos aspectos; a mudança não é tão simples”, afirma. 

**A história – parte 2** 

O atendimento ao cliente está vivendo um novo ponto de virada desde que as mídias sociais passaram a ser vistas como canal de comunicação e relacionamento entre as marcas e os clientes, explica Carla Falcão, consultora que trabalha com mídias sociais com foco estratégico. “No início, as redes eram usadas só para divulgação das marcas, sem que as empresas dessem importância ao conteúdo.

 Depois, perceberam sua força como canal de relacionamento e passaram a dar atenção a gerar conteúdo relevante para que este fosse replicado”, relembra ela. Então, os consumidores se deram conta de que podiam reclamar por esses canais, o que, em um primeiro momento, provocou crises, mas a mensagem começa a ser compreendida por muitas companhias.

 “Hoje, a forma mais fácil de se fazer ouvir por uma empresa no Brasil já é chegar a seu departamento de marketing escrevendo no campo de mensagem direta de sua fanpage em uma rede social”, garante Falcão. Segundo a especialista em atendimento em mídias sociais, cerca de 90% das empresas com fanpage em redes sociais já têm um atendente dedicado a olhar isso e a encaminhar as mensagens, o que significa que o retorno é dado rapidamente. 

Quem é esse atendente? A primeira unanimidade é de que não se trata de um profissional barato; ele custa bem mais do que o atendente de um SAC, por exemplo, até porque improvisa mais e usa menos script – pode ter um, mas menos engessado. O ideal, segundo os especialistas, é ter um profissional que esteja dentro da empresa, o que lhe possibilita conhecê-la em profundidade e ter trânsito livre por todas as áreas para agilizar a solução de problemas. 

> **O caso da Luiza**
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> Enquanto, em nível mundial, o atendimento ao cliente apenas começa a entrar na agenda do cEo, uma empresa brasileira tem sua presidente a serviço do cliente desde a fundação. “no Magazine Luiza, o atendimento é a única área operacional que se reporta diretamente à presidência”, conta nicolau camargo, gerente-geral de atendimento da varejista. “Além disso, o contato com a Luiza helena Trajano está em nosso site, colocando-a ao alcance dos clientes”, completa. 
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> Luiza Helena já telefonou diretamente para muitos clientes e costuma envolver vários diretores na solução de seus casos. o fato é que o serviço ao cliente é um valor ativamente cultivado no Magazine Luiza. conforme camargo, a “regra de ouro”, presente nos crachás de todos os colaboradores – “Faça aos outros o que gostaria que fizessem a você” –, dá o tom da relação de respeito com os clientes. Tal valor é traduzido por uma política omnicanal, que utiliza todos os canais de comunicação simultaneamente. Por exemplo, uma loja física pode apoiar a solução de problemas de compras por e-commerce, e o call center dar suporte às lojas físicas; há, ainda, o atendimento por telefone 0800, e-mail, chat, Facebook, Twitter, Blog da Lu (vendedora virtual) e o app do Magazine Luiza. 
>
> A empresa também montou o comitê de clientes, com representantes de todas as áreas da companhia e liderado pela própria Luiza, que se reúne todo mês para fortalecer o atendimento e o relacionamento. “já saiu desse comitê, por exemplo, o programa ‘resgate já’, um fundo que dá autonomia para nossas 756 lojas negociarem e resolverem os problemas com os clientes de imediato. As queixas no Procon caíram com isso.” Para camargo, o serviço ao cliente só funciona mesmo porque a organização investe nas pessoas. “um funcionário de call center fica 45 dias em treinamento antes de prover o serviço final.” no treinamento, e com os líderes e pares, ele entende que “todos aqui querem aprender com os clientes”.

É mais comum, porém, a terceirização, quando a incumbência é delegada a agências de publicidade, assessorias de imprensa e, mais recentemente, empresas de call center. A área de social media terceirizada perde em poder na empresa, mas, além de oferecer um custo mais baixo, costuma ter mais tecnologia, mais empatia com o consumidor e maior nível de cobrança de desempenho. No entanto, muitas companhias estão bem atrás nessa evolução histórica do serviço ao cliente brasileiro. Como Falcão comenta, as do setor de construção civil ainda costumam apagar comentários negativos postados. “Isso é prova mais do que suficiente de que elas não estão preparadas para estar nas redes sociais”, avalia.

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> **Dentro ou fora?** 
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> Quando o atendente de redes sociais é funcionário contratado pela empresa, ele costuma conhecê-la melhor e ter mais trânsito nas áreas que podem resolver o problema; terceirizado, pode ter mais empatia com o cliente, mais tecnologia e maior cobrança.

**4 Desafios**

Quais são os principais desafios a vencer para que as organizações brasileiras fiquem em sintonia com as tendências mundiais mais avançadas da área de serviço ao cliente? HSM Management identificou quatro nesta reportagem: diagnóstico, capacitação e monitoramento, tecnologia e governança corretos. 

**Diagnóstico** 

Sua empresa efetivamente sabe em quais circunstâncias seu serviço ao cliente é ótimo, oferecendo uma relação custo-benefício melhor para o negócio e para o consumidor, e em quais ele é péssimo? A maioria das companhias não conhece seu próprio serviço; faltam indicadores. Não há algo como um cliente oculto para que elas saibam quão difícil é chegar a alguém que possa resolver seu problema. Segundo Edson Vismona, da ABO, se fizerem um diagnóstico honesto, as empresas perceberão que o acesso à ouvidoria precisa ser bem mais facilitado. Elici Bueno, do Idec, concorda com ele: “Não há facilidade de acesso a esse agente transformador”. Por incrível que pareça, as organizações do setor público estão mais avançadas do que as do privado – ao menos, em ouvidoria. 

“Nos últimos 20 anos, percebemos que o poder público ousou muito mais”, diz Vismona. No estado de São Paulo, por exemplo, todos os órgãos executivos têm ouvidoria, formando uma rede. As empresas de economia mista e as concessionárias paulistas também são subordinadas à mesma legislação. Só em órgãos públicos do governo do estado são 257 ouvidores, de acordo com a ABO, e ainda há os que atuam em hospitais, universidades, empresas como Sabesp e concessionárias, que atenderam mais de 1 milhão de demandas em 2014.

**Capacitação e monitoramento** 

Bom seria que as empresas em geral seguissem o exemplo do investimento em treinamentos de ouvidorias de companhias como Grupo Bradesco Seguros e Algar Tech, mas não é o que acontece. “Todos os profissionais do nosso grupo são qualificados em serviço ao cliente, independentemente da função que ocupam”, explica Eugênio Velasques, diretor da Bradesco Seguros e responsável pela área de ouvidoria, criada em 2003. 

O grupo reúne 32 profissionais nessa área, mas o slogan de todos os 7,2 mil funcionários e estagiários é: “Somos todos ouvidores”. Eles devem prestar informação e tratar as demandas da ouvidoria. Para capacitar as pessoas para isso, a empresa tem a Universeg, plataforma de treinamento e atualização continuada, que totalizou no ano passado cerca de 15 mil horas de treinamento. Paralelamente, a Universeg fechou parceria com a ABO, em 2014, e implantou a certificação em ouvidoria in company, da qual todos os funcionários do grupo podem participar e que está na quinta turma. 

O caso da Algar Tech também é significativo. Em 2004, depois de registrar um crescimento de 308% em seu faturamento em relação ao ano anterior, o comitê diretivo da empresa decidiu criar sua ouvidoria. A ouvidora lúcia Farias e dois analistas, todos pós-graduados, tiveram uma imersão para conhecer a companhia, sua cultura, processos, fluxos de trabalho, produtos, serviços, clientes e fornecedores. Em seguida, receberam treinamento focado no serviço, sendo certificados pela ABO. 

“Sempre fazemos cursos de aperfeiçoamento e de atualização sobre as leis que regem relacionamento e consumo”, conta Farias, cuja equipe não atende apenas às demandas de clientes, mas também às de fornecedores e funcionários da Algar Tech, tendo uma visão abrangente dos problemas. Seria interessante que qualquer profissional do atendimento pudesse ter ao menos noções do que um ouvidor aprende, em vez de só decorar scripts. 

Por exemplo, os 49 ouvidores contratados pela AES Eletropaulo estudam regulamentação de ouvidoria; ética, mediação e solução de conflitos em ouvidoria; direitos e defesa dos consumidores nos âmbitos público e privado; comunicação; e, no aspecto próprio do negócio, condições gerais de fornecimento de energia elétrica. Para garantir o conhecimento do negócio, muito importante, a NET recruta ouvidores entre os colaboradores de outras áreas.

> **O que faz um ouvidor**
>
> No BraSil, é a figura Mais Próxima do CCO
>
> É a voz do consumidor dentro da empresa.
>
> Tem autonomia para avaliar qualquer questão de modo imparcial e, se for justa e verdadeira, encaminhar sua resolução. 
>
> possui poder de persuasão e instrumentos precisos de ação estratégica na empresa (poder de decisão sobre outras áreas ele ainda não costuma ter).
>
> É independente e tem trânsito livre para  fazer recomendações para as áreas envolvidas em um caso. 
>
> Reporta-se à alta gestão – se não ao CEO, ao menos ao vice-presidente operacional.  Só assim esse profissional consegue fazer um trabalho com resultado mais efetivo.
>
> Tem foco no coletivo, mas também  atende a interesses individuais.
>
> Atua em sinergia com todos os  canais de comunicação da empresa, incluindo as redes sociais

De mãos dadas com a capacitação precisa andar o monitoramento de desempenho, com métricas claras, que possa premiar o bom atendimento e punir, de algum modo, o ruim. No caso de call centers terceirizados, isso é feito por meio de SlA (acordo de nível de serviço, na sigla em inglês), com métricas como a do retorno a uma manifestação de consumidor em no máximo dez horas.

 Além de a ouvidoria investigar as iniciativas de atendentes próprios e terceirizados, não faltam mecanismos para monitorar o serviço, segundo o especialista Claiton Galdino, da Cliente Amigo, como as pesquisas de cliente oculto, de satisfação, de pós-vendas etc. No entanto, as avaliações nem sempre são feitas na frequência desejável e, quando são, o resultado não necessariamente é acompanhado de uma ação corretiva, como apurou HSM Management. 

**Tecnologia** 

Ter o sistema tecnológico correto com o objetivo de aumentar a qualidade do serviço ao cliente, e não de reduzir custos, é um grande desafio. Onde se veem avanços tech nesse sentido? Em primeiro lugar, nos autosserviços que têm sido implantados sobretudo no setor bancário. 

> **O caso da Mercedes** 
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> Eleita a empresa do ano de 2014 pelo Prêmio consumidor Moderno de Excelência em Serviços ao cliente, a subsidiária brasileira da montadora alemã Mercedes-Benz, fabricante de carros de luxo, caminhões, ônibus e utilitários, é um caso inspirador de serviço ao cliente. Seu ecossistema para a área  lhe permite prestar bastante atenção a tudo o que é postado na web. 
>
> Também disponibiliza  não somente chat online,  como chat para deficientes, central de atendimento 0800  e ouvidoria – sem ter a obrigação legal de fazê-lo. Mais que isso, a Mercedes-Benz criou um programa, intitulado  “A voz do cliente”, para reforçar o posicionamento de empresa centrada no cliente. o objetivo é dar ao consumidor acesso às áreas internas da montadora e estreitar seu contato com elas, por meio dos canais de comunicação. A central de relacionamento com o cliente (crc), que organiza esse programa, é composta por cinco áreas:
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>  • captação de clientes, 
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> • acionamento de serviços (acompanha ocorrências do atendimento assistencial a veículos em pane, por exemplo), • internet e redes sociais,
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> • ações de relacionamento com o cliente (responsável pelo Welcome call, ou chamada de boas-vindas, que contata todos os clientes que adquirem novos produtos) e 
>
> • ouvidoria. o crc se reporta ao cEo, tem cerca de 130 colaboradores e atende em média a 30 mil demandas por mês.

Empresas de grande porte também têm registrado a história do relacionamento do cliente com a marca por meio de um sistema que integra todas as manifestações dele, seja em postagens nas redes sociais, por e-mail, em atendimentos realizados por telefone etc. Assim, em um próximo contato, o atendente tem acesso a esse histórico e pode, se bem preparado, atender o cliente muito melhor. Ainda há os sistemas que distribuem as demandas dos clientes com mais eficiência. Foi o que fez a AES Eletropaulo ao detectar que cerca de 75% dos atendimentos da ouvidoria não deveriam estar lá. A solução veio com o sistema Nova URA (Unidade de Resposta Audível), em 2013: quando o consumidor liga para a ouvidoria, é, conforme seu histórico de contatos, transferido automaticamente para o call center. Em 2014, 43% das chamadas dirigidas à ouvidoria da AES Eletropaulo foram transferidas, via URA, para o call center da companhia. Porém, nesse caso, o foco parece continuar principalmente na eficiência para a empresa. E nas mídias sociais? Ali ainda está quase tudo por fazer. Conforme Falcão, é preciso identificar as melhores ferramentas, como aplicá-las, como deixar o cliente mais satisfeito e até mesmo qual é o profissional ideal e de qual área para ser responsável por essa comunicação. “Estamos em um momento de aprendizado”, explica.

**Governança**

 Não há no Brasil um executivo-chefe do cliente (CCO), como tem surgido nos Estados Unidos [veja página 50], mas o ouvidor é o mais próximo disso, especialmente quando está ligado ao dirigente máximo da companhia ou ao conselho de administração, como ocorre na Algar Tech. “Isso é necessário porque, se a reclamação é procedente e não for resolvida, vai virar processo contra a empresa e ficar mais caro”, justifica a ouvidora Farias. A ouvidoria da Algar Tech já recebeu 19,6 mil manifestações (reclamações, denúncias, críticas, dúvidas) nos dez anos de existência, das quais 80% eram procedentes e só três foram à Justiça. 

Na Bradesco Seguros, a ouvidoria também se reporta ao comitê diretor e, na NET, dirige-se diretamente ao presidente. Mas não se pode dizer que esse é o padrão da governança do atendimento ao cliente no Brasil; não há padrão. Por exemplo, na AES Eletropaulo, o ouvidor se reporta ao departamento comercial, mas é empoderado a participar das reuniões com as áreas gestoras de processos. Conforme a empresa, os atendentes de mídias sociais se reportam ao departamento de marketing, ao de comunicação, ao de relações públicas etc. 

O ideal continua a ser a ligação direta com a presidência ou o conselho para reforçar o empoderamento da área, transmitindo a mensagem, a todos da organização, do valor estratégico dela – não só para evitar o desgaste gerado por uma reclamação, como também para melhorar os processos da empresa, aprendendo com aquele erro. A vida real, contudo, está longe de ser assim, segundo a ABO. “Já ouvi gestor dizer que o ouvidor só lhe traz problemas. É preciso entender que o ouvidor é um termômetro que mede a intensidade de problemas já existentes; é preciso querer saber o grau dessa febre e tratá-la, ou ela corroerá a organização”, diz Vismona.

Cliente no Centro A empresa centrada no cliente ainda parece ser um passo maior do que a perna para a maioria das organizações brasileiras. No entanto, fica cada vez mais evidente que é um passo necessário. O sucesso de uma empresa como a Uber, que desbanca a concorrência com um serviço indolor, confirma a necessidade. Quem não melhorar seu serviço será ameaçado. A boa notícia é que várias empresas já enxergam isso, assim como percebem o teor estratégico, se não de todo o serviço ao cliente, ao menos da ouvidoria. 

“No Grupo Bradesco Seguros, a ouvidoria é um canal estratégico de relacionamento e nos faz aprimorar processos e identificar oportunidades”, diz Velasques. “Nossos relatórios viram estratégias adequadas ao consumidor e às tendências da sociedade”, garante Vera Rennó, diretora de ouvidoria da NET, departamento criado em 2002, que tem 40 profissionais atuando em processos, estratégia e relatórios, e 500 atendentes, que cuidam de 0,78% das demandas que chegam ao SAC. O fato é que a ineficiência do SAC é cada vez menos tolerada. “O consumidor se cansou de repetir sua história várias vezes para, no final, não resolver nada”, resume Falcão. O SAC, como o conhecemos, estará em extinção? Talvez não, mas o serviço ao cliente tem de ser repensado no Brasil, ainda que o caminho seja lento.

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