Estratégia e Execução

O BRASIL EXPONENCIAL

Sem perder tempo, startups nacionais colocam o País na trilha da nova economia

Compartilhar:

![](https://revista-hsm-public.s3.amazonaws.com/uploads/03ce1c95-38f2-476e-8ed5-e92f794e210d.jpeg)

Vitor Torres, fundador da Contabilizei

Para um mercado que se encontra hoje na posição 123 entre os melhores países para fazer negócio de acordo com o relatório “Doing Business 2017”, do Banco Mundial, ser ousado é um imperativo categórico. No Brasil, começar e manter um negócio envolve um processo burocrático demorado, caro, cheio de armadilhas e desencorajador para a maioria dos empreendedores, em qualquer que seja a área. Por isso, falar em “contabilidade” causa calafrios à maioria dos empreendedores. Além de todos os desconfortos acima, e do risco de fazer as coisas erradas, eles se ressentem da pouca transparência dos relacionamentos e de seus custos elevados. 

O empreendedor Vitor Torres sentiu na pele os problemas de serviços de contabilidade caros e com desempenho abaixo da expectativa e pensou em um serviço online simples, eficiente e escalável que pudesse entender as principais necessidades de contabilidade dos pequenos e microempresários. 

Depois de estudar o mercado e a melhor maneira de chegar ao produto final, Torres fundou, em 2013, a fintech Contabilizei, com sede em Curitiba e atuação nacional. A organização cresceu 11 vezes de 2014 para 2015 e triplicou de tamanho entre 2015 e 2016. E, se um escritório de contabilidade tradicional tem, na média nacional, 76 clientes conquistados ao longo de anos, sua startup conquistou mais de 7 mil em dois anos. E o potencial de crescimento é muito maior. 

A jovem Contabilizei é um típico exemplo de organização exponencial brasileira. “Passamos muito tempo olhando lá para fora achando que o empreendedorismo inovador era inacessível aqui dentro. Não é. Hoje já vemos nascer em todos os cantos do Brasil empresas ousadas, baseadas na inovação e que são exemplos tão disruptivos quanto os de fora”, diz com otimismo Allan Costa, investidor da Contabilizei e consultor, com mais de 20 anos de experiência em cargos diretivos do Sebrae – para ele, fazer mais do mesmo é a verdadeira causa da morte precoce da maioria dos empreendimentos. 

O empreendedor e investidor Romero Rodrigues, sócio do fundo de venture capital Redpoint e provavelmente o primeiro empreendedor exponencial brasileiro, concorda com Costa. E acrescenta que o número de empreendedores brasileiros de qualidade, com potencial de serem exponenciais, vem aumentando muito e rápido. “Cada vez mais, o empreendedor brasileiro está buscando modelos globais, alçando voos para outros mercados e fazendo isso de uma forma muito bem-sucedida”, avalia Rodrigues, ele mesmo um empreendedor exponencial, pois fundou o Buscapé, mecanismo de comparação de preços, e o vendeu por US$ 342 milhões. 

**O CASO CONTABILIZEI**

Como costuma acontecer com qualquer negócio disruptivo mundial, a Contabilizei precisou vencer a barreira da desconfiança em relação a um jeito diferente de fazer as coisas, mas no Brasil isso tem peso ainda maior. Aqui se desconfia do que funciona online: é um mercado que valoriza o olho no olho. E, em segmentos ligados à burocracia, como é o da contabilidade, o conservadorismo é ainda maior. Tanto que, quando Torres propôs a dois amigos contadores a democratização da contabilidade, tornando-a mais acessível e transparente, a resposta deles foi: “É impossível fazer isso”. 

Tendo Fabio Bacarin como sócio, Torres foi em frente. Vieram o capital-semente da Curitiba Angels e uma segunda rodada de investimento da Kaszek Ventures, um dos maiores fundos de venture capital da América Latina, liderado pelos acionistas do Mercado Livre, e hoje a Contabilizei oferece online todos os serviços contábeis obrigatórios por lei aos clientes, em processos automatizados, primando pelo atendimento rápido. 

**O desafio do engajamento**

Para engajar clientes e formar uma comunidade, contra o conservadorismo e a desconfiança, ele usou um senhor apelo difícil: a empresa cobra o valor mínimo mensal de R$ 49,90 para empresas optantes do Simples Nacional e de R$ 99,90 para as que têm lucro presumido, enquanto os escritórios de contabilidade tradicionais cobram em média R$ 700 e ainda 13º salário. Tudo incluído, a economia chega a ser de 90%. A Contabilizei calcula já ter gerado uma economia acumulada de R$ 25 milhões para seus clientes, pois “muitas dessas microempresas nos contam que conseguiram contratar o primeiro colaborador porque a economia que geraram conosco permitiu isso”, conta Torres, orgulhoso. Com esses números e com a facilidade de lidar com a plataforma, não tem como os clientes não ficarem engajados. 

![](https://revista-hsm-public.s3.amazonaws.com/uploads/127c32ee-91c7-48d2-9484-8871691ad2c1.jpeg)

Xisto Alves, da JetBog

Do lado dos funcionários, também há engajamento. A equipe aumentou de 34 pessoas para mais de 80 somente em 2016. “Nossas pessoas entendem nosso propósito, a mudança que estamos fazendo e o impacto que elas têm no cotidiano de milhares de empreendedores. Quando uma equipe entende e valoriza isso, fica pensando sempre em como melhorar o trabalho, e a motivação do dia a dia é totalmente diferente das companhias tradicionais”, celebra Torres. 

**Dashboard e autonomia**

Com um crescimento tão forte nos primeiros anos de operação, o desafio para a Contabilizei agora é continuar a se expandir mantendo a qualidade do serviço. O campo é enorme: são 6 milhões de pequenas e microempresas no Brasil. Para gerenciar o crescimento, a startup utiliza um método de gestão típico do Vale do Silício, o OKR, com periodicidade trimestral, destacando objetivos comuns e também desmembrados em áreas e indivíduos. 

Segundo Torres, o horizonte de três meses é especialmente funcional no ambiente disruptivo brasileiro. “Nosso plano de médio e longo prazos é definido trimestralmente, porque de outra maneira perderíamos o caminho correto a seguir”, analisa. 

A Contabilizei também sabe que seu crescimento continuado depende de sua capacidade de se mover rápido. Por isso, eliminou níveis e se organizou em equipes multidisciplinares responsáveis por produtos, com autonomia para tomar as decisões do dia a dia. “Isso nos permite ser muito mais rápidos que qualquer outra empresa tradicional”, acredita Torres. 

O dashboard e a autonomia também são fundamentais para a Contabilizei lidar com o ineditismo de toda organização exponencial: quando se faz algo que nunca foi feito, não existe manual. “A gente vai entendendo o que o cliente quer e vai se ajustando a isso, o que inclui descobrir o tempo todo quais novas tecnologias nos permitem entregar mais para ele”, diz Torres. Ele não pode parar de fazer isso inclusive porque já surgiram concorrentes no mercado, como a Agilize. 

![](https://revista-hsm-public.s3.amazonaws.com/uploads/aefbed9a-28d4-42f5-bc6c-95b6603a0d24.jpeg)

Equipes das startups exponenciais JetBov e Contabilize

**O CASO JETBOV**

A JetBov, de Santa Catarina, é um dos exemplos de agritechs exponenciais. Ela oferece um aplicativo para o setor da pecuária, que ainda patina em termos de gestão, apesar do gigantismo. Foi para ajudar os pequenos e médios produtores a gerir o rebanho que Xisto Alves, diretor- -executivo da JetBov, desenvolveu seu aplicativo, mirando um mercado que movimentou R$ 500 bilhões em 2015, tem o maior rebanho comercial do mundo, com 215 milhões de cabeças de gado, e conta com cerca de 95% dos negócios tocados por pequenos e médios produtores, representando 2 milhões de pecuaristas no Brasil. 

Lançado em fevereiro de 2016, o aplicativo oferece desde uma versão grátis limitada para degustação até planos que começam em R$ 49,90 e vão até R$ 159,90. Em poucos meses de mercado e contando com seis meses de aceleração em parceria com a Ace, a JetBov cresce na média de 30% ao mês (maio a outubro), já tem clientes no Brasil e em outros países da América Latina e chegará a milhares de usuários no início de 2017. 

**A supercredibilidade**

Onde o empreendedor exponencial Alves foi buscar credibilidade para lançar seu aplicativo? Formado em administração e com pós-graduação em engenharia de software e em planejamento e gerenciamento estratégico, ele gerenciou as fazendas da família na serra catarinense e também tem dez anos de experiência prestando consultoria e fazendo melhorias para clientes na área. 

![](https://revista-hsm-public.s3.amazonaws.com/uploads/6238edd6-1c33-4569-9aa1-f228c32aceea.jpeg)

Contemplando os processos de cria, recria e engorda e toda a gestão necessária do dia a dia, o app da JetBov substitui o “caderno de campo” do produtor, armazenando toda a informação na nuvem e coletando dados mesmo sem conexão à internet no momento (o acesso, remoto, pode ser feito de qualquer lugar e por qualquer pessoa da equipe). 

A informação inclui gráficos e relatórios dos indicadores da fazenda e do rebanho, que são comparados com indicadores de mercado e de outras fazendas do mesmo porte que usam o sistema. 

**Pensamento em larga escala**

Como os grandes empreendedores exponenciais dos Estados Unidos, Alves tem um pensamento em larga escala. Faz sentido: a oportunidade de crescimento exponencial é realmente imensa. Apesar de o Brasil ser um dos maiores produtores de carne bovina, a maioria das empresas pecuaristas atua como há 40 anos, especialmente as familiares. Resultado: para cada boi vivo, os EUA conseguem extrair 129 quilos de carne ao ano, enquanto o Brasil extrai apenas 46. Imagine se seu caderno de campo der, a um valor baixo, o caminho das pedras para a produtividade chegar perto do índice norte-americano? 

**UM EMPURRÃO NO FENÔMENO**

O que pode disseminar ainda mais o modelo exponencial no Brasil? Na visão de Romero Rodrigues, a maior aproximação entre empresas maduras e startups seria crucial para a criação de mais organizações exponenciais no País. “Quando usam e validam os serviços das startups, as corporações as fazem gerar receitas e atrair mais clientes; assim, estas chamam mais a atenção de investidores e podem contratar mais gente talentosa, que, por sua vez, cria novas funcionalidades para o produto – e a ‘profecia autorrealizável’ vai acontecendo.” 

![](https://revista-hsm-public.s3.amazonaws.com/uploads/198092da-cda9-4513-8d46-3a305de58f2d.jpeg)

Acima, os investidores exponenciais Romero Rodrigues (à esquerda) e Allan Costa

Empresas como Microsoft, Banco Votorantim, Qualcomm Ventures, Monsanto e outras já estão fazendo esse papel. Elas se juntaram em um fundo de investimento, chamado Fundo BR Startups, que lançou no fim de 2016 um programa de aceleração para fintechs brasileiras com pelo menos dois sócios e faturamento anual entre R$ 120 mil e R$ 10 milhões. As escolhidas contarão com investimentos de R$ 250 mil a R$ 1,5 milhão cada uma, além de mentoria das empresas ligadas ao fundo e benefícios estratégicos. 

Para Franklin Luzes Jr., diretor da Microsoft Ventures, muitas empresas estabelecidas já entendem que as grandes inovações disruptivas virão de pequenas que desafiam o status quo. “E é nosso apoio a essas startups disruptivas que porá o Brasil no radar mundial de inovação”, aposta. Romero Rodrigues comemora: “É a primeira vez que vemos grandes querendo fazer negócios com empresas pequenas sem se preocupar tanto com os riscos”. 

Oportunidades não faltam. O mercado brasileiro é tão grande e cheio de lacunas que há espaço até para startups que atuem só localmente, nas áreas de finanças, saúde, agricultura e logística, por exemplo.

Compartilhar:

Artigos relacionados

Segredos para um bom processo de discovery

Com a evolução da agenda de transformação digital e a adoção de metodologias ágeis, as empresas se viram frente ao desafio de gerar ideias, explorar

Sim, a antropologia é “as a service”

Como o ferramental dessa ciência se bem aplicado e conectado em momentos decisivos de projetos transforma o resultado de jornadas do consumidor e clientes, passando por lançamento de produtos ou até de calibragem de público-alvo.

Sua empresa pratica o carewashing?

Uma empresa contrata uma palestra de gerenciamento de tempo para melhorar o bem-estar das pessoas. Durante o workshop, os participantes recebem um e-mail da liderança