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Tony Hsieh e um novo modelo de organização

Pós-Amazon, o CEO da Zappos está lançando um novo paradigma gerencial à frente da varejista online (que agora não é só de calçados), ao achatar a hierarquia no que chama de “holocracia”. Se recebe críticas dos céticos, que atacam a “moda hippie”, parece gerar colaboradores e clientes felizes, mais receita e mais lucros
A reportagem é de Martina Rua, colaboradora da revista Wobi.

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> **CONSELHOS DE HSIEH  PARA EMPREENDEDORES E PARA TODOS OS PROFISSIONAIS**
>
> * Defina quais são seus valores pessoais e o que quer para sua companhia.
> * Faça uma lista de pessoas que gostaria de ter por perto e de clonar por suas virtudes. Em seguida, faça uma lista de quem o incomoda. Verifique, então, as coincidências de valores entre as duas listas e leve isso em conta ao formar sua equipe.
> * Pergunte-se: “o que me apaixona tanto que eu faria por mais dez anos, mesmo sem ganhar muito?”. Sua autenticidade se espalhará por colaboradores, clientes e fornecedores.
> * Explore sempre as oportunidades, porque, em geral, as coisas não saem como planejado. É o mais adaptado que sobrevive, ensina darwin.
> * Não espere ter todas as respostas. Comece, ajuste e corrija no curso  do projeto.
>
> _Fonte: Site Zappos Insights._

Tony Hsieh –pronuncia-se “chei”– quase ignorou a mensagem do fundador da zappos, nick Swinmunr, em sua secretária eletrônica. nela, Swinmunr convidava o colega a investir em sua empresa de venda de sapatos pela internet e a ideia não pareceu tentadora: o ano era 1999 e todos queriam vender tudo na web. Só que Swinmunr foi convincente, pois sabia que as pessoas estavam comprando calçados a distância e que havia mercado para aquilo. o que nem ele nem Hsieh sabiam, contudo, é que 15 anos depois aquilo ia virar uma holocracia, conforme anunciado em 2014. 

Trata-se de um movimento de horizontalizar a hierarquia, que a zappos iniciou em 2013, eliminando a linha gerencial tradicional. Sua ideia mestra é substituir a cadeia corporativa típica por uma série de grupos autogerenciados. muitas empresas, conservadoras, receberam a iniciativa com ceticismo, como uma moda passageira não sustentável, um sonho hippie. 

Outras, contudo, estão se entusiasmando com a possibilidade de uma organização que permita que os colaboradores sejam felizes. mas talvez esse modelo não seja para qualquer um. Talvez seja preciso ter uma história como a da zappos e/ou a de seu líder, Hsieh, para arriscar-se em uma inovação em gestão dessa magnitude, com 1,5 mil funcionários.

> **+ Mudança**
>
> A Zappos está moldando um novo modelo de organização e também mudando o varejo, aos olhos dos analistas setoriais, assim como a Amazon e o ebay. Em entrevista recente à McKinsey Publications, o presidente do ebay marketplaces, devin wenig, compartilhou de modo estruturado suas ideias sobre as mudanças em curso. Eis os highlights: 
>
> • A digitalização está transformando o varejo. loja física e e-commerce não serão como hoje. 
>
> • A loja tende a usar mais tecnologia para atuar just-in-time –por exemplo, funcionando com um showroom e sendo complementada por um centro de distribuição que a abasteça. 
>
> • O e-commerce, que sempre cumpriu uma função utilitária –de prover o que o consumidor procura–, deve tornar-se também inspiracional como a loja, com a atuação de curadores. 
>
> • Todo varejo será multicanal e as habilidades dos gestores devem mudar para engajar os consumidores em todos os canais. isso exigirá aprendizados novos sobre marketing digital (uso de mídias sociais, mecanismos de busca, catálogos), design, gestão de produto etc. 
>
> • As vantagens competitivas atuais –como a variedade de ofertas, para o ebay– devem dar lugar ao uso de dados, especialmente small data, detalhes do consumidor. Será preciso ciência e arte (ou seja, tecnologia e curadoria).

**A HISTÓRIA DE HSIEH**

Hsieh não acredita haver uma única maneira correta de fazer as coisas. Já disse mais de uma vez que o dinheiro que os jovens investem em estudar em faculdades de administração de empresas tradicionais, que ensinam fórmulas de gestão tradicionais, poderia ter melhor destino se financiasse o sonho empreendedor deles. Hsieh prefere uma formação de gestor que seja construída pouco a pouco, com tutoria dos pares. Tudo isso faz sentido para o Ceo da zappos. Com menos de 20 anos, ele se lançou a criar um projeto para ganhar muito dinheiro, a linkexchange, que vendeu em 1998 para a microsoft, por US$ 265 milhões. “Já não era divertido”, justifica ele. “A cultura da empresa se perdeu quando não havia mais gente conhecida para contratar e começamos a selecionar currículos sem conseguir detectar os candidatos que se ajustariam a nossa cultura. Um dia, notei que estava difícil levantar da cama para ir até minha própria empresa”, recorda. a operação se deu em pleno boom da internet e, com tanto dinheiro, Hsieh tornou-se investidor e montou a Venture Frogs, firma de capital de risco. ele podia explorar aquilo de que mais gostasse. mas não gostou de uma coisa: os projetos em que potencialmente investiria eram sonhos de outros. e Hsieh queria perseguir os próprios sonhos.

**A HISTÓRIA DA ZAPPOS**

A Zappos não foi só mais um investimento para Hsieh; parecia ser dele desde o início. Com o aval do fundador, o jovem empreendedor pôs ali toda a sua energia, além de boa parte de seu capital. em 1999, o modelo zappos consistia em oferecer grande seleção de calçados e eram os fabricantes que faziam as entregas, no método conhecido como drop shipping. isso evitava grande estrutura de estoques e logística. Só que muitas marcas não tinham capacidade para atender aos pedidos com eficiência, o que afetava negativamente a imagem da zappos, e, em 2003, a empresa adotou um modelo híbrido: gerar 25% de suas receitas com drop shipping e 75% com estoque próprio, obtido com o capital de Hsieh e com várias rodadas de funding. 

Assim, a Zappos controlaria a experiência do cliente, sua pedra angular. Pouco tempo depois, o empreendedor fez a pergunta-chave: “Queremos continuar vendendo sapatos ou vamos construir uma marca que se diferencie por oferecer a melhor experiência de serviço que um cliente possa ter, que nos permita expandir para qualquer outro produto?”. Foi quando decidiu abandonar definitivamente o drop shipping, apesar de este trazer dinheiro fácil e rápido. 

Hoje, grande parte do negócio se baseia na atenção aos clientes, desde a “equipe de fidelização de clientes” (o call center), que precisou ser contratada na hospitaleira las Vegas, porque não havia na cidade de origem da empresa, San Francisco, pessoas tão dispostas a cumprir essa tarefa com paixão. outra decisão ousada da zappos foi destinar a verba normalmente reservada a marketing e publicidade à melhoria de serviços, apostando que os clientes passariam a fazer a propaganda da empresa se fossem bem servidos. deu certo: os resultados foram excelentes. em 2009, o faturamento da zappos já tinha atingido US$ 100 milhões, o que a colocou na mira da amazon, a gigante varejista online de Jeff Bezos. 

A proposta consistia em uma operação de troca de ações avaliada em US$ 1,2 bilhão e no compromisso de manter a marca e a cultura zappos independentes. o grupo de diretores mudou, claro, e Hsieh passou a voar para Seattle em vez de para San Francisco, para a reunião trimestral, podendo contar com o conselho de especialistas da amazon. e o fato é que, dois anos mais tarde, segundo a revista Fortune, a receita da zappos já dobrara. Sua variedade de produtos também vem aumentando mês a mês, já incluindo produtos para o lar, cosméticos e vestuário. Continua valendo a máxima de Hsieh: o que importa é o serviço e não o produto que se oferece.

**O SERVIÇO (E O CALL CENTER)**

Como já é de conhecimento público, o call center da zappos é diferente em quase tudo: ali não há scripts a seguir, e a conversa telefônica com o cliente não tem limite de duração. o objetivo é estabelecer um bom relacionamento com esse cliente e, para isso, já houve até uma chamada telefônica de dez horas de duração. os colaboradores do call center são treinados para ajudar o consumidor a encontrar o que ele busca, de qualquer maneira, e isso inclui recomendar sites da concorrência se não houver um produto, o que os deixa muito à vontade. 

O ritmo de construção de relacionamentos é alucinante ali: processam-se entre 4 mil e 10 mil e-mails e chamadas telefônicas por dia. A prova de que os profissionais querem estabelecer relacionamento é a lista de espera para trabalhar no call center da zappos, que chega a seis meses. Também é a prova de que querem expressar sua singularidade, o que é permitido na cultura inclusiva da empresa. “Contratamos as pessoas com base em valores, não em idade, etnia ou aparência. 

Se têm vocação para o serviço e são humildes, é muito provável que se encaixem em nossa cultura”, explica Hsieh. Uma vez aprovada no concorrido processo seletivo do call center, a pessoa recebe a oferta de US$ 2 mil para que desista do emprego. Se aceita, não era quem estavam necessitando. Para a empresa, sai mais barato que resolver problemas futuros. os colaboradores da zappos também gostam de contar com argumentos em que acreditam para convencer os clientes a comprar da companhia. entre eles, já conhecidos, estão a política de devolução de 365 dias a partir da data da compra e a possibilidade de pedir dezenas de sapatos, prová-los e devolver os que não quiserem –sem ônus algum. 

> **A TAL FELICIDADE  PARA TODOS**
>
> Tony hsieh descreve as quatro variáveis que, a seu ver, tornam felizes os indivíduos quando trabalham: 
>
> • perceber que têm controle; 
>
> • notar que progridem; 
>
> • poder estabelecer relacionamentos profundos; 
>
> • sentir que são parte de algo maior que eles (nesse caso, entra o projeto de revitalização do centro velho de Las Vegas).
>
>  Ele ainda observa que é crucial ser leal a si mesmo e integrar vida profissional e pessoal.

**HOLOCRACIA**

Das histórias de Hsieh e da zappos à holocracia foi um pulo e, mesmo assim, esse tipo de ‘“desestrutura” demorou para começar a funcionar na empresa; o pontapé inicial da implementação aconteceu em abril de 2013, com 10% dos funcionários, e estava prevista para ser completada no final de 2014. a holocracia incentiva o protagonismo absoluto de cada colaborador em sua área de influência e, ao mesmo tempo, elimina a burocracia e a rigidez da companhia, blindando-a em relação ao crescimento. ainda que precise de gestores convencionais como mediadores, o sistema tem como um de seus objetivos o surgimento de novos líderes. 

**EXPANSÃO E MARCA**

O sucesso da cultura zappos, especialmente na inovação em contratação de pessoas, levou Hsieh a criar uma nova empresa, a delivering Happiness, dedicada a coaching, motivação e concretização da importância da felicidade no trabalho e na vida. isso aconteceu a partir de um best-seller publicado em 2010, Satisfação Garantida: no Caminho do Lucro e da Paixão, que ele apresentou como uma turnê musical, em um grande ônibus decorado à moda da zappos. a zappos não virou só uma nova empresa e um livro. ela também é um perfil de Twitter –na verdade, o próprio Hsieh é um perfil, com quase 3 milhões de seguidores no  microblog, no qual divide o dia a dia da empresa e suas ideias. Também é um perfil no Facebook. a página da zappos no FB é distinta das corporativas em geral, com troca constante e mensagens espontâneas entre clientes e colaboradores. “as empresas se tornam mais transparentes com as redes sociais, queiram ou não. muitos gestores se assustam, mas, para nós, isso é genial”, garante o empreendedor. Quando lhe perguntam sobre o futuro, Hsieh responde que se imagina trabalhando na zappos pelos próximos dez anos, embora não saiba como será depois disso. “Preciso sempre sentir que estou criando algo, para não me entediar. Por ora, continuar construindo uma marca em torno do melhor serviço ao cliente faz mais sentido do que dar vida a uma nova ideia”, avisa.

**PIONEIRISMO E MODELO**

Pesquisadores de gestão como Jim Collins e dave logan, cada um a sua maneira, descobriram que as empresas de maior sucesso, não importa a que setor de atividade pertençam, têm dois ingredientes fundamentais que as diferenciam de outras: 

• Uma cultura corporativa muito forte e 

• Uma visão com propósito superior ao de fazer dinheiro ou ser a número um do mercado. 

Esse é o caso da zappos, que primeiro se tornou uma fonte de inspiração e de recursos na contratação de pessoal e agora parece que pode fazer o mesmo com seu modelo gerencial. de acordo com Florencia Castleton, gerente de recursos humanos para a região sul da américa latina da empresa química dow, que foi aprender com a varejista in loco em um dos cursos que ela oferece (como benchmarking estruturado), “a zappos tem uma política de rH muito diferente, na qual os valores não apenas são vividos por todos, como também foram construídos por todos, sem imposições de cima”. 

Para a executiva da dow, algo assim consegue gerar grande compromisso e cultura sólida nas empresas. o vago conceito de “criar felicidade” no trabalho é algo que se materializa de modo significativo na zappos, segundo ela, e está inspirando cada vez mais empresas a considerá-la um modelo a seguir. 

A executiva ainda destaca que o fato de a humildade ser um dos principais valores da organização também a torna um modelo. ainda não se sabe o impacto que a holocracia, um movimento ainda mais avançado, terá sobre as empresas ou mesmo sobre o setor varejista. o que é inegável é que isso alimenta a capacidade da zappos de inovar continuamente, como ela fez há pouco de novo, ao testar assistentes pessoais digitais móveis, o Askzappos.

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