Sustentabilidade

A Maior Americana do Brasil

Saiba como a Cargill, gigante do agronegócio, triplicou seu faturamento no País em dez anos, com foco em inovação e outras medidas

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**Vale a leitura porque…**

… dona de marcas fortes do setor de alimentos, como o óleo Liza, o azeite Gallo, o achocolatado Ovomaltine e o atomatado Pomarola, a multinacional norte-americana Cargill teve crescimento impressionante no Brasil nos últimos dez anos.

… isso não se deveu só às vantagens competitivas naturais que o País oferece a uma empresa que quer ser a líder global em alimentos; é atribuído principalmente ao tripé inovação, relacionamentos (com os colaboradores) e eficiência operacional, como mostra este estudo de caso.

O presidente da filial brasileira do grupo Cargill, Luiz Pretti, não esconde o orgulho quando conta a um interlocutor que a subsidiária sob seu comando é a maior companhia norte-americana em operação no Brasil, além do principal investimento da matriz fora dos Estados Unidos. E, em geral, o interlocutor fica realmente surpreso. 

Em 2015, as vendas da Cargill em território nacional superaram os R$ 32 bilhões e o lucro foi de R$ 415,7 milhões. E mais: de 2006 para cá, a receita quase triplicou. A empresa é diversificada e tem como principal atividade o processamento de grãos, sobretudo soja – é famosa sua marca de óleo Liza. Dadas as margens baixas, a que deve seu êxito? 

Pretti e seus executivos o atribuem à inovação e aos fortes relacionamentos com os talentos internos. Estes, por sua vez, são nutridos por posicionamentos que agradam especialmente aos stakeholders – a transparência em relação a resultados e a responsabilidade socioambiental. 

Olhando de fora, o economista e consultor Miguel Ângelo Arab acrescenta um quarto fator ao conjunto. Ele crê que a capacidade de controlar a operação e fazer ajustes finos constantes pesam a favor da Cargill Brasil. 

William MacMillan, um dos principais acionistas do conglomerado e artífice da instalação da empresa no Brasil, em 1965, dizia que o clima e o sol abundante podiam fazer do País um dos mais importantes competidores mundiais no agronegócio, e, de fato, no ano passado, o Brasil produziu 200 milhões de toneladas de grãos. Mas MacMillan veio celebrar o cinquentenário da companhia no País e pôde perceber que o êxito se deve também aos fatores detalhados a seguir.

**INOVAÇÃO**

Há 30 anos, os laboratórios locais da Cargill já desenvolviam um óleo de cozinha que não exala cheiro nem produz fumaça quando usado em frituras. O ímpeto inovador continuou. Mais recentemente, foi a vez dos ingredientes dos iogurtes do tipo grego, por exemplo.

Em 2011, os sete laboratórios de P&D da Cargill foram reunidos no Centro de Inovação para a América Latina, em Campinas (SP). Trata-se de um polo de pesquisa e desenvolvimento que, nas palavras de Pretti, “fomenta grandes ideias” e “integra o trabalho entre as unidades de negócios de ingredientes alimentícios da América Latina”.

O Centro de Inovação passou a ser o local certo para desenvolver protótipos, criar ingredientes e testá-los – seus laboratórios podem realizar cerca de 15 estudos por mês. É muito frequentado pelos clientes da empresa, que o visitam para conhecer produtos e soluções para as indústrias de alimentos e bebidas.

Longe de se fechar, o Centro de Inovação faz parcerias com universidades, organizações não governamentais (ONGs), institutos de pesquisa e estudantes da América Latina. Em 2015, 244 projetos foram desenvolvidos ali.

**RELACIONAMENTOS**

Para cumprir o objetivo de ser líder global em alimentos, a Cargill investe em seus colaboradores, dando-lhes muito treinamento no Brasil.

Fernanda Veleda ingressou na empresa em 2011, como trainee, e hoje exerce o cargo de supervisora de marketing. No último ano, participou do primeiro módulo da Academia de Liderança de Alto Desempenho da Cargill, que visa preparar os colaboradores que assumiram recentemente cargos de gestão, capacitando-os no papel de líderes para que desenvolvam seus times, com competências técnicas e comportamentais, e oferecendo base teórica para uso prático

“Já pude comprovar que os treinamentos fazem com que os momentos de dificuldade sejam minimizados e contornados.” Ela continua: “Com um bom embasamento técnico, consigo, por exemplo, defender melhor uma ideia, o que é muito valorizado aqui”.

Willian Ramos, analista de marketing, que, como Veleda, começou como trainee, em 2013, conta que os treinamentos da Cargill são grandes propulsores de carreiras também porque, além de teoria, costumam incluir mentoria e liderança de um projeto relevante para o negócio. “Isso proporciona desenvolvimento e exposição para o profissional e nos deixa mais confiantes, dispostos a arriscar”, diz.

Com investimento anual de R$ 7,5 milhões em capacitação e desenvolvimento (dado de 2015), a empresa tem várias ações no front:

• Programa de Incentivo à Educação – Fornece aos que apresentam bom desempenho um percentual de subsídio nos estudos. Inclui auxílio para o pagamento de cursos técnicos, graduação, pós-graduação, MBA e cursos de idiomas.

• E-learning – Os colaboradores recebem cursos comportamentais (como de gestão do tempo e gestão de conflitos), técnicos (elaboração de projetos, planejamento de relacionamento com clientes etc.), marketing etc.

• Bolsas e ajudas de custo – Em 2014, 185 funcionários receberam bolsa para cursos técnicos, graduação, pós e MBA e 89 para curso corporativo de idiomas online.

• Academia de Liderança – Programa voltado para a formação gerencial, que inclui cursos na matriz em Minneapolis (EUA). Uma vez ao ano, os líderes se reúnem para analisar o desempenho dos talentos e dar um direcionamento em suas carreiras no ano seguinte. Eles discutem também sucessões.

**AVALIAÇÃO DO MERCADO E DA ACADEMIA**

**A empresa cresceu o dobro da média do PIB**

A pedido de HSM Management, a subsidiária brasileira da Cargill foi analisada pelo economista e consultor Miguel Ângelo Arab e por Angela Fleury, diretora da escola de negócios da HSM Educação Executiva e pesquisadora da área de gestão. 

Arab focou a evolução dos resultados financeiros da Cargill Brasil nos dez últimos exercícios – 2006 a 2015. Em relação ao faturamento, que passou de R$ 12 bilhões para R$ 32 bilhões, o crescimento em termos nominais foi de 11,5% em média ao ano. “Trata-se de um desempenho realmente relevante”, afirma o economista. Ele explica: “No mesmo período, a média da inflação ficou em 6,2%. Ou seja, o crescimento da receita operacional líquida da Cargill aqui, em termos reais (descontada a inflação), foi de 5% ao ano, em média”. O número fica mais expressivo quando comparado com o comportamento do Produto Interno Bruto (PIB), que se expandiu, em média, 2,6% no mesmo período.

Também causa impacto a saída rápida do prejuízo de quase R$ 220 milhões em 2006. A empresa ficou no vermelho em R$ 141 milhões em 2007, permaneceu com resultado negativo, de R$ 383 milhões, em 2008 e, no ano seguinte, voltou ao lucro e ficou no azul dali em diante. “É muito relevante a situação da Cargill de passar de três anos de prejuízo para uma série de lucros a partir de 2009, bastante razoáveis diante das receitas. Quer dizer que a empresa fez uma reestruturação de processos que deu resultado”, afirma Arab. 

Apesar de a companhia atuar em vários segmentos, um de seus principais negócios é o de commodities agrícolas, que, embora propicie boas oportunidades de rentabilidade, não se caracteriza por margens de lucro elevadas, como se verifica em segmentos de produtos industriais, por exemplo. Uma organização com esse perfil precisa, portanto, conseguir ganhar em termos de escala de produção e eficiência de processos, e a Cargill consegue. 

Arab acrescenta que a subsidiária brasileira também possui uma boa posição em relação à margem Ebitda: “Em 2015, essa margem foi de 4,8%, com viés crescente de recuperação, o que é muito razoável para o setor em que a empresa atua”. O percentual Ebitda é um indicador utilizado para avaliar o lucro obtido sobre a receita referente apenas ao negócio, descontando qualquer ganho financeiro. 

O economista considera especialmente positivo o fato de a Cargill Brasil divulgar seus dados financeiros publicamente, mesmo não sendo uma companhia de capital aberto. Grandes competidores mundiais deveriam sempre atuar com as chamadas melhores práticas de governança, que passam por transparência nas informações para o mercado e para a sociedade em geral, mas isso nem sempre acontece, em especial quando suas ações não são negociadas no mercado. “Mesmo sem ter capital aberto, uma companhia como a Cargill tem uma gama de setores que gravitam em torno dela e, por conseguinte, diversos stakeholders que a acompanham”, explica Arab. 

Sobre o primeiro aspecto, a variedade de programas educacionais que a companhia oferece a seus 10 mil funcionários é relevante. “Os colaboradores de hoje, especialmente os mais jovens, são focados em progredir na carreira e, se essa oportunidade não lhes é dada aberta e frequentemente, é muito difícil engajá-los para que contribuam para a inovação ou para aumentar a eficiência”, diz Fleury. 

E, se a transparência causa a admiração dos stakeholders em geral – “uma diferenciação bem-vinda no panorama das multinacionais que atuam no Brasil” –, as ações ecossociais falam alto ao coração, especialmente dos funcionários. “Ninguém mais se orgulha de trabalhar para uma organização que só visa o lucro. Como os colaboradores podem ser voluntários nas iniciativas da Fundação Cargill nas 19 comunidades onde ela opera, isso lhes materializa rapidamente a preocupação socioambiental da companhia.” Para Fleury, a Política para as Florestas, lançada pela companhia – segundo a qual o desmatamento em toda a cadeia de produção agrícola deve cair pela metade até 2020 e acabar até 2030 –, também deve atuar como motivador especial para os funcionários brasileiros.

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**TRANSPARÊNCIA E RESPONSABILIDADE**

O que motiva os colaboradores e toda a cadeia de valor é a transparência da empresa, que revela todos os seus dados sem ter obrigação de fazê-lo [veja quadro na página ao lado], e, talvez ainda mais fortemente, sua responsabilidade e suas ações ecossociais.

É rara a transparência em relação aos números, como a que permitiu divulgá-los neste estudo de caso, tanto em empresas de capital fechado como em filiais de multinacionais, e a Cargill se encaixa nos dois grupos. Embora se espere uma governança transparente das organizações globais de primeira linha, o costume é que sejam abertas apenas nos resultados mundiais.

Na Cargill, a transparência é tratada como uma via de mão dupla – se ela é transparente, pode exigir o mesmo de seus stakeholders. Os colaboradores têm de seguir um código de conduta – se perderem dinheiro seguindo-o, serão perdoados e retreinados; se ganharem dinheiro desrespeitando- -o, correrão um grande risco de serem dispensados.

No caso dos fornecedores, a Cargill começa por ser bastante seletiva. E não apenas exige que se comprometam com o “Código de Conduta de Fornecedores”, como busca inspirar neles práticas éticas e realiza um monitoramento constante, sempre reavaliando os principais.

Dinis Mota, diretor-geral da Plastipak do Brasil, uma das fornecedoras da Cargill, considera bem completo o sistema de seleção e monitoramento dos parceiros de sua cliente e diz que traz “transparência e foco ao relacionamento”. Paulo Derevtsoff Júnior, gerente nacional de vendas de equipamentos de proteção individual da 3M do Brasil, outra fornecedora, acha que o código torna o relacionamento comercial também mais produtivo, porque um sabe ao certo o que esperar do outro.

Para suas ações ecossociais, a Cargill Brasil conta com um comitê de sustentabilidade, que responde pela evolução dos compromissos da empresa na área. O comitê apontou nove temas materiais para o desenvolvimento sustentável da organização – uso do solo, boas práticas agrícolas, água, saúde e segurança, conformidade em saúde e segurança, energia, comunidades, mudanças climáticas e fornecedores – e cada um deles ganhou planos de ação para melhorar a atuação e o desempenho da companhia.

Para preservar a água, por exemplo, a Cargill investiu, em 2010, na promoção do descarte ambientalmente correto do óleo de cozinha usado, articulando parcerias com redes de supermercados, empresas e ONGs para a implantação de pontos de coleta de óleo residual em diversos estados brasileiros – 1 litro de óleo pode contaminar até 25 mil litros de água. Só em 2015, foram coletados 430 mil litros de óleo e gordura vegetal usados, o que representa um crescimento de 64% em relação ao volume coletado no ano anterior.

**OPERAÇÃO**

A Cargill é, acima de tudo, boa de operação, segundo Arab. “Na escala em que a empresa atua, pequenos ajustes são extremamente importantes para a eficiência final. Como as margens de lucro não são altas, ela precisa ter controles muito bem aplicados; qualquer deslize pode significar perda de rentabilidade”, diz o economista.

Sem isso, as vantagens naturais que o País oferece a quem atua no setor de commodities agrícolas não levariam ao sucesso, porque são contrabalançadas pelo chamado custo Brasil, principalmente na área de logística, que tem grande impacto no preço do transporte de grãos.

Uma explicação para essa operação afiada é a autonomia da equipe de gestão local, que facilita a adaptação aos acontecimentos externos. O tempo de Brasil – 51 anos – também ajuda a se adaptar melhor aos vaivéns político-econômicos.

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