Uncategorized

A melhor ratoeira não garante o êxito; use a psicologia

Dilip Soman, especialista em inovação da Rotman School of Management, defende que a abordagem atual para novos produtos e serviços, de cima para baixo, é ineficaz; quem quiser sucesso em lançamentos tem de se pautar pelo comportamento do consumidor
Dilip Soman é titular da cadeira de estratégia da comunicação da Rotman School of Management, de Toronto, Canadá, e diretor do India Innovation Institute, da University of Toronto.

Compartilhar:

O Canada Learning Bond [CLB, espécie de Bolsa Família  canadense] registrou, em 2011, taxa de utilização entre 16% e 19%. Qual a explicação para a baixa adesão? Pensando na teoria de Ralph Waldo Emerson de que “basta inventar uma ratoeira melhor para o mundo fazer fila diante da porta do inventor”, seria a falta de divulgação. Minha pesquisa identificou, porém, outras razões, como o fato de que muitas famílias não têm conta bancária ou se sentem pouco à vontade em bancos, a dificuldade de entender o formulário e problemas de comunicação com os atendentes até por falta de domínio do idioma, no caso de quem fala outra língua. 

Os agentes comunitários se dedicaram a solucionar tais obstáculos e o índice de adesão aumentou bastante. Essa é uma das evidências de que, quando se trata de soluções inovadoras como o CLB, ou qualquer outra com fim lucrativo, as organizações continuam a falhar na construção do entendimento do processo usado pelas pessoas para adotá-las. 

O consumidor descrito pela economia clássica tem a habilidade de identificar uma ratoeira melhor sempre que vê uma, além de sempre estar disposto a pagar por ela mesmo que os benefícios só sejam percebidos no futuro. Ele não existe. as empresas precisam entender que o consumidor real é diferente. 

A economia comportamental mostra que ele é incapaz de definir preços por si, divide as coisas em termos de “ganhos” e “perdas” com base em um ponto de referência arbitrário, perde-se na inércia do status quo (o que o deixa sempre insatisfeito com perdas), recebe influência do contexto (tendendo a escolher a opção intermediária quando o contexto não lhe dá segurança), sente-se confuso com o excesso de informações, não trata o dinheiro como um bem que acaba, mas faz uma estranha contabilidade mental (há o dinheiro para divertir-se, o dinheiro para pagar contas etc.), e sofre de falta de autocontrole no consumo. 

Em suma, os consumidores não formam uma fila na porta do inovador que construiu a melhor ratoeira, como não o fizeram com o programa social canadense. a solução para isso é que as empresas lancem produtos e serviços pautadas pelo comportamento do consumidor real. assim, as inovações baseiam-se no comportamento dos consumidores desde o início, e compartilho quatro modos de fazê-lo:

**1. Articular a proposta de valor na língua do consumidor.** Já se sabe há tempos que a proposta de valor mais eficiente é aquela escrita na linguagem do consumidor e que descreve o valor criado por um produto ou serviço como ele o vivencia. no entanto, isso é frequentemente esquecido e as propostas se atêm aos diferenciais do bem em questão. são os benefícios proporcionados ao consumidor que devem ser destacados.

**2. Dominar a arquitetura da escolha do consumidor.** se as escolhas mudam conforme muda o contexto, é possível traçar o caminho inverso e criar os contextos que levam os consumidores a uma escolha específica? Para responder a isso, a economia comportamental criou o conceito “arquitetura da escolha”, com o qual as organizações ajudam os consumidores a gerenciar o vazio que existe entre sua intenção e a ação. O caso da doação de órgãos é um bom exemplo. Muitas pessoas querem doar, mas não tomam a iniciativa de fazer a inscrição; para resolver isso, alguns governos mudaram o sistema da doação, convertendo todos os cidadãos automaticamente em doadores, a menos que se manifestem em contrário. Os índices de doação aumentaram muito. 

**3. Integrar a inovação ao comportamento existente.** Os lançamentos mais inovadores acrescentam valor além e acima dos benefícios ganhos apenas pelo uso do produto, mas, para que isso aconteça, não podem exigir uma mudança de comportamento significativa. O M-Pesa [serviço de banco por celular da Vodafone no Quênia] ilustra bem o caso: provavelmente é o sistema de pagamento mais avançado do mundo, mas o pilar de seu sucesso talvez não esteja propriamente nesse avanço, e sim no fato de ter sido apoiado pelo elevado uso de celulares no Quênia. uma vez que a maioria das pessoas já tinha celular, os benefícios do M-Pesa foram claramente percebidos.

> **TOM SAWYER ENTENDEU**
>
>
> O livro As Aventuras de Tom Sawyer, de Mark Twain, ilustra a incapacidade de avaliar do consumidor, não detectada pelos economistas: o protagonista recebe, como punição, a tarefa de pintar a cerca da escola em um dia de calor. Em vez de reclamar, ele mostra alegria ao executar a missão, diz aos amigos que a experiência é ótima e os convida a pintar também, desde que paguem para isso –estes aceitam. Muitos consumidores de hoje são como os amigos de Sawyer: incapazes de definir o preço de um produto ou serviço quando não há padrão estabelecido. por isso, toda inovação deve basear-se no comportamento das pessoas.

**4. Desenvolver as inovações de baixo para cima.** Considerando a complexidade do comportamento humano e a importância do contexto, fica óbvio: as melhores inovações sempre são as desenvolvidas pelas comunidades que as utilizarão.

Compartilhar:

Artigos relacionados

Organização

A difícil arte de premiar sem capitular

Desde Alfred Nobel, o ato de reconhecer os feitos dos seres humanos não é uma tarefa trivial, mas quando bem-feita costuma resultar em ganho reputacional para que premia e para quem é premiado

ESG
Adotar o 'Best Before' no Brasil pode reduzir o desperdício de alimentos, mas demanda conscientização e mudanças na cadeia logística para funcionar

Lucas Infante

4 min de leitura
Tecnologias exponenciais
No SXSW 2025, a robótica ganhou destaque como tecnologia transformadora, com aplicações que vão da saúde e criatividade à exploração espacial, mas ainda enfrenta desafios de escalabilidade e adaptação ao mundo real.

Renate Fuchs

6 min de leitura
Inovação
No SXSW 2025, Flavio Pripas, General Partner da Staged Ventures, reflete sobre IA como ferramenta para conexões humanas, inovação responsável e um futuro de abundância tecnológica.

Flávio Pripas

5 min de leitura
ESG
Home office + algoritmos = epidemia de solidão? Pesquisa Hibou revela que 57% dos brasileiros produzem mais em times multidisciplinares - no SXSW, Harvard e Deloitte apontam o caminho: reconexão intencional (5-3-1) e curiosidade vulnerável como antídotos para a atrofia social pós-Covid

Ligia Mello

6 min de leitura
Empreendedorismo
Em um mundo de incertezas, os conselhos de administração precisam ser estratégicos, transparentes e ágeis, atuando em parceria com CEOs para enfrentar desafios como ESG, governança de dados e dilemas éticos da IA

Sérgio Simões

6 min de leitura
Tecnologias exponenciais
Os cuidados necessários para o uso de IA vão muito além de dados e cada vez mais iremos precisar entender o real uso destas ferramentas para nos ajudar, e não dificultar nossa vida.

Eduardo Freire

7 min de leitura
Liderança
A Inteligência Artificial está transformando o mercado de trabalho, mas em vez de substituir humanos, deve ser vista como uma aliada que amplia competências e libera tempo para atividades criativas e estratégicas, valorizando a inteligência única do ser humano.

Jussara Dutra

4 min de leitura
Gestão de Pessoas
A história familiar molda silenciosamente as decisões dos líderes, influenciando desde a comunicação até a gestão de conflitos. Reconhecer esses padrões é essencial para criar lideranças mais conscientes e organizações mais saudáveis.

Vanda Lohn

5 min de leitura
Empreendedorismo
Afinal, o SXSW é um evento de quem vai, mas também de quem se permite aprender com ele de qualquer lugar do mundo – e, mais importante, transformar esses insights em ações que realmente façam sentido aqui no Brasil.

Dilma Campos

6 min de leitura
Uncategorized
O futuro das experiências de marca está na fusão entre nostalgia e inovação: 78% dos brasileiros têm memórias afetivas com campanhas (Bombril, Parmalat, Coca-Cola), mas resistem à IA (62% desconfiam) - o desafio é equilibrar personalização tecnológica com emoções coletivas que criam laços duradouros

Dilma Campos

7 min de leitura