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A terceira via

Em novo livro, o especialista em inovação de baixo risco David Robertson detalha como isso pode ser feito passo a passo | por Eduardo Magossi

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O longa-metragem de animação Lego Batman – O Filme, que usa os populares blocos de montar Lego em sua produção, estreou mundialmente em fevereiro de 2017, inclusive no Brasil. Em seu lançamento, muitos se perguntaram: por que lançar um filme infantil quando as férias escolares já acabaram, e não em dezembro ou janeiro, próximo do período de festas natalinas, quando as crianças lotam as salas de cinema e ganham brinquedos Lego de presente?

Da perspectiva da Lego, a resposta é óbvia. A empresa não precisa de promoção para vender suas caixas de blocos de montar no Natal e nas férias escolares. No entanto, precisa de um empurrãozinho em meses nos quais a demanda é fraca, como fevereiro e março, diz David Robertson, especialista em inovação e professor da Wharton School, que lançou recentemente The Power of Little Ideas, ainda sem data de publicação no Brasil.

E, apesar de em menos de três meses o filme ter arrecadado US$ 305 milhões em bilheteria, quase quatro vezes mais que seu custo, de US$ 80 milhões, ele é apenas um produto complementar criado ao redor do carro-chefe da Lego: os blocos de montar. “Talvez eles façam menos dinheiro no filme do que fariam se o tivessem lançado durante as férias escolares, mas no geral terão mais receita com a venda dos blocos de montar”, afirma Robertson em entrevista exclusiva a HSM Management.

A criação de produtos, acessórios e serviços complementares ao produto carro-chefe de uma empresa como forma de inovação traduz o poder das pequenas ideias, ou seja, a inovação de baixo risco, como contraponto à inovação disruptiva.

![](https://revista-hsm-public.s3.amazonaws.com/uploads/c1c59c5a-3d9c-48a5-a850-d6f0c9843b67.jpeg)

**David Robertson**

• Quem é: Especialista em

 inovação, professor da Wharton School e ex-professor do IMD, na Suíça, é consultor de várias empresas dos EUA e da Europa em gestão de inovação.

• Livros: Lançou recentemente The Power of Little Ideas e é coautor de Arquitetura de TI como Estratégia Empresarial e Como a Lego Redefiniu o Conceito de Inovação e Recriou a Indústria Mundial de Brinquedos.

• Fama: É conhecido por ter trazido à tona a estratégia de inovação da Lego e apresenta um programa de rádio semanal chamado Innovation Navigation, no qual entrevista líderes inovadores. 

**DISRUPÇÃO DESASTROSA**

A experiência de Robertson com a Lego é o ponto de partida do novo livro. Nos anos 1990, com o fim da patente sobre seus blocos, a empresa começou a enfrentar a concorrência de produtos similares mais baratos e com menor custo de produção. Enquanto os novos concorrentes fabricavam seus blocos na China, a Lego fazia os dela na Dinamarca. Além disso, uma nova geração de crianças começou a trocar os blocos por brinquedos digitais.

Naquele momento, a saída encontrada pela Lego foi a diversificação para outros produtos, como brinquedos eletrônicos, parques temáticos, centros educacionais e brinquedos baseados em filmes, que não precisavam da construção – inovações disruptivas.

A iniciativa foi desastrosa, mostrando que há limites sobre o que os clientes esperam de sua empresa, como conta Robertson. A Lego estava profundamente associada a seus blocos de montar e, ao abandoná-los, afastou os consumidores.

Então, tentou outro caminho: o Bionicle, figura de ação que foi comercializada com uma série de pequenas inovações – histórias envolvendo o personagem, acessórios, livros, quadrinhos, videogames, merchandising feito pela Nike e pelo McDonald’s. Nenhuma dessas inovações foi ousada ou cara demais a ponto de colocar o produto principal em risco. A iniciativa foi um sucesso. 

Cerca de 190 milhões de unidades foram vendidas em nove anos, e a Lego se reorganizou para repetir a inovação em conjuntos de blocos de montar que passaram a contar com histórias e outros acessórios. No período de 2007 a 2015, as vendas médias da empresa aumentaram 21% ao ano e o lucro subiu 36%. Para Robertson, a Lego entendeu que o público queria os blocos de montar e inovou ao redor deles 

**UM PADRÃO**

Não foi só o caso Lego. Ao pintar sua casa na Filadélfia há alguns anos, Robertson começou a enxergar um padrão. Ele contratou o pintor Stephen para o serviço, e este lhe disse que usaria a tinta da fabricante Sherwin-Williams, não apenas porque era de alta qualidade, mas por todos os serviços que a empresa fornecia – fatores como a proximidade das lojas, o pessoal de vendas especializado em ajudar na escolha das cores e a entrega grátis de tinta no mesmo dia caso o produto acabe antes de a pintura terminar.

O mais importante, porém, é o fato de a Sherwin-Williams oferecer um planejamento detalhado de cada estágio do trabalho e dos materiais necessários. Até as latas de tinta não usadas podem ser devolvidas, e os valores totais, estornados. A fabricante não vendia apenas tinta, mas um conjunto de serviços a pequenas empresas de pintura. 

Entre 2010 e 2015, as vendas da Sherwin-Williams subiram 46% e o lucro avançou 128%. Assim como a Lego, a empresa não conseguiu isso com a melhoria de seu produto (a tinta) nem com a revolução do setor. Ela criou inovações complementares ao produto principal. Assim como a Lego, adotou uma “terceira via”. 

**SEM PENSAMENTO BINÁRIO**

Em The Power of Little Ideas, a expressão “terceira via” descreve uma nova estratégia de inovação que vai além do que Robertson chama de “pensamento binário”, aquele que oscila entre melhorar os produtos existentes e provocar uma disrupção revolucionária para atingir novos mercados com novas tecnologias. Em vez desses extremos, a terceira via consiste em inovar ao redor dos produtos existentes, criando produtos complementares que aumentem seu valor, “o que é diferente do que a maioria faz e pode ser muito poderoso se feito corretamente”, nas palavras do especialista.

Robertson confirma que “terceira via” é sinônimo de inovação de baixo risco, uma vez que, ao construir um conjunto de inovações complementares a seu produto principal, a empresa torna mais valioso esse produto, que já possui um mercado formado e cujo cliente já é conhecido. “Reduz-se o risco embutido em criar um mercado e lidar com um cliente desconhecido”, explica o professor da Wharton.

E, se algumas dessas inovações complementares exigem investimentos, outras podem se tornar novas fontes de renda desde o início, diversificando, assim, o risco. O que acontece se um desses complementos não funcionar? “A perda não é tão expressiva”, comenta Robertson. Se o produto principal não se valorizar como previsto, isso também não é um grande problema, porque se ganha dinheiro com seus complementos.

**APPLE E DISNEY**

Há muitos modos de analisar os casos de sucesso da Apple e da Disney, mas Robertson enxerga ambos como exemplares na adoção da terceira via. Em 2001, quando Steve Jobs começou a criar o iTunes, o iPod e as lojas físicas da Apple, ele os fez complementares, para impulsionar as vendas de seu carro-chefe, o computador iMac. “Jobs viu que as pessoas enfrentavam problemas com a crescente digitalização de sua vida e que precisavam de algo para organizá-la. Ele acreditou que a Apple poderia fazer isso.”

Na apresentação que fez em 2001, Jobs desenhou um iMac cercado por todos os seus dispositivos complementares, que dariam aos proprietários de iMacs uma experiência mais valiosa.

Ele contestou radicalmente a visão de que a Apple havia sido disruptiva ao criar o iTunes e vender música digital. Segundo ele, gravadoras como a EMI e a Sony já tinham tentado vender música digital, sem sucesso. “O que a Apple tentou fazer foi organizar as músicas dos usuários do iMac, para elevar as vendas do iMac”, disse. 

Apenas quando todo o sistema estava em operação e com força financeira é que a Apple expandiu sua linha de produtos, e o iTunes virou uma série separada de produtos que hoje gera sete vezes mais receita que os computadores. Até quando a Apple desenvolveu o iPhone o processo foi guiado pelos usuários da tela grande do iMac.

A gigante de mídia Disney também fez terceira via. Desde o início, não produzia apenas filmes de animação, mas oferecia produtos derivados deles, como o Clube do Mickey, os parques temáticos e um programa de televisão. 

Hoje, com produções de grande sucesso de bilheteria, como Frozen, a empresa chega a ganhar mais dinheiro com os produtos e serviços complementares do que com o próprio filme. Para Robertson, o grupo fundado por Walt Disney é um grande exemplo de como é importante ter em mente qual é seu produto principal, qual é o centro rodeado pelas inovações.

“Durante algum tempo, a Disney se esqueceu da regra de nunca dar mais atenção às inovações complementares do que ao produto central, e as coisas saíram um pouco dos trilhos, mas depois ela se lembrou e tudo voltou ao normal”, analisa o especialista. 

**A proposta de pensar dentro da caixa**

A inovação de baixo risco tem mais de uma forma. Que o diga o brasileiro Thiago Oliveira, que, depois de criar uma minipotência logística com esse tipo de estratégia, a IS Log & Service, prepara-se para repetir a dose no segmento financeiro. Oliveira, que começou a vida profissional como office-boy, lançou no ano passado o livro Pense Dentro da Caixa, com base na crença de que as pessoas andam tão ocupadas em reinventar a roda que se esquecem do básico. Oliveira viu uma oportunidade de inovar na empresa em que atuava como office-boy, propondo fazer uma entrega diária de documentos para os clientes, em vez das duas de praxe, o que reduziria os riscos de roubos e extravios e aumentaria a eficiência em tempo e em recursos. Teve sua sugestão rejeitada pelo empregador e resolveu montar o próprio negócio com essa prática. Deu tão certo que, 15 anos mais tarde, a IS Log & Service prevê faturar cerca de R$ 60 milhões em 2017 e acaba de ser vendida para um fundo norte-americano. Oliveira atacou processos em vez de criar produtos complementares, mas seu pensamento dentro da caixa compartilha com a terceira via de Robertson o foco em aproveitar mercados conhecidos. O teste mesmo será em 2018, quando ele levará sua inovação de baixo risco para um mercado totalmente diferente, o de câmbio. As oportunidades de melhorias de processo, no entanto, são equivalentes, em sua opinião. “Precisamos saber inovar com o que temos.”

**NO BRASIL**

Empresas de mercados emergentes como o Brasil, que lutam com dificuldades financeiras e com uma recessão, podem ter mais sucesso ao optar pela terceira via para inovar, admite Robertson. Ele aconselha que essas empresas desenvolvam a capacidade de fazer parcerias com outras companhias para conseguir entregar um portfólio completo de inovações mantendo os custos baixos.

“Muitas das organizações que eu descrevo no livro optaram pela terceira via justamente por seus recursos financeiros limitados – não tinham como criar produtos sozinhas e buscaram parceiros para desenvolver itens complementares que agregassem valor a seus produtos”, compara.

Seja como for, segundo Robertson, investir em uma série de pequenas inovações ainda “pode levar a grandes oportunidades no futuro”.

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