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AACD se reposiciona

A instituição sem fins lucrativos que foi criada em meio à epidemia de poliomielite, doença já extinta, está se especializando em gestão de mudanças. Mudou o perfil do paciente, da criança para o adulto, e troca a prestação de serviços em escala pela pesquisa e inovação
Sandra Regina da Silva é colaboradora de HSM Management.

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Imagine que sua organização presta um serviço de saúde que é quase um monopólio no mercado, não consegue dar conta da fila de espera por atendimento em suas 14 unidades –que chegou a dez anos e se reduziu à metade, segundo estimativas– e fica se debatendo sobre como expandir o sistema com R$ 26,9 milhões para investir. 

Então, de repente, um concorrente anuncia que em dois anos criará uma rede de 64 unidades para prestar o mesmo serviço, com um orçamento total de R$ 1,5 bilhão, e, antes de completar esse prazo, já inaugurou 123 unidades. Essa é a história atual da AACD, a Associação de Assistência à Criança Deficiente, instituição que é referência em reabilitação motora, fundada no Brasil dos anos 1950, em meio a uma epidemia de paralisia infantil. A concorrência do programa Viver Sem Limites, do governo federal, apesar de bem-vinda, provoca uma transformação radical e prova que a era da mudança se aplica também ao universo das organizações sem fins lucrativos. Com a novidade, todo o planejamento e as metas, definidos no início de 2012 com foco na expansão de unidades de atendimento financiada pelas doações arrecadadas na maratona televisiva anual Teleton, ficaram ultrapassados. 

Foi preciso encurtar o intervalo usual até o planejamento seguinte, de três anos, e rediscutir o papel da AACD no Brasil. “O programa Viver Sem Limites traz uma realidade completamente diferente para o País e nos faz reler os cenários traçados e rever todo o planejamento”, confirma Regina Helena Scripilliti Velloso, presidente voluntária do conselho de administração da AACD, que está liderando esse processo. “Ocupávamos um espaço em que não havia uma política de atendimento sólida; existiam esforços isolados nos estados e municípios, mas sem coordenação nacional”, explica. “Agora, nosso papel muda.” O necessário, portanto, é reposicionar a AACD, algo nunca feito nos 64 anos da instituição. Uma decisão já foi tomada: como continua a ser a grande especialista em reabilitação do País, a AACD deixará os casos comuns, que são maioria, para concentrar-se nos de alta complexidade, inovando em tratamentos e apoio aos pacientes. 

> **Fatos e números da AACD (2013)**
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> **14 unidades**
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> Em São Paulo-SP (5), Mogi das Cruzes-SP (1), Osasco-SP (1), São José do Rio Preto-SP (1), Recife-PE (1), Uberlândia-MG (1), Poços de Caldas-MG (1), Porto Alegre-RS (1), Joinville-SC (1) e Nova Iguaçu-RJ (1) 1 HOSPITAL (SP) 
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> **76.699 produtos fabricados**
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> (órteses, próteses, coletes, meios auxiliares de locomoção e adaptações para cadeiras de rodas) nas 6 oficinas ortopédicas 
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> **2.643 colaboradores; 1.656 voluntários**
>
> **De onde vem dinheiro?** 
>
> 20%: doações de 30 mil mantenedores, entre pessoas físicas e jurídicas, diretas ou por leis de incentivo, como o Teleton (60% das doações = R$ 26,9 milhões) 30%: pagamento do SUS a tratamentos 50%: cirurgias privadas no hospital 
>
> **Investimento social – meta R$ 100 milhões/ano**

**VÁRIOS DESAFIOS ADIANTE**

O reposicionamento estratégico nunca é um processo fácil, porém é menos ainda em uma organização que perdeu recentemente seu CEO profissional e ainda não encontrou substituto, e que tem desafios cotidianos como a adequação do atendimento à política de humanização do Ministério da Saúde. E talvez seja menos ainda em uma instituição que atua em um “mercado” tão sensível. 

Um dos maiores desafios do reposicionamento da AACD será, por exemplo, o de mudar a mensagem para captar doações no Teleton, que será transmitido pelo SBT no segundo semestre. “No Teleton, nossa proposta era sempre construir mais um centro de reabilitação; agora, devemos direcionar os fundos à pesquisa e às inovações na área”, explica Regina, detalhando o reposicionamento. 

O novo argumento terá apelo para o grande público? Acredita-se que sim. Só que não basta os gestores adequarem a mensagem ao público da televisão; para reposicionar uma instituição respeitada como a AACD com a segurança necessária, é necessário entender a economia e a política envolvidas no processo, a parte jurídica, a tributária. “Temos de dar esse passo rumo à inovação, sim, mas precisamos traçar uma mudança estratégica eficaz e eficiente antes disso”, observa a presidente do conselho, a primeira mulher a ocupar esse cargo. 

“Já sabemos para onde ir, porém precisamos definir o ‘como’, e a sustentabilidade financeira é o ‘x’ dessa questão”, complementa Regina. “Por esta ser uma instituição filantrópica, o planejador não pode ter o coração gelado, é claro; o investimento social deve estar sempre em sua mente. Mas, sem termos uma estrutura financeira muito saudável, sem recursos para pagar colaboradores e contas, não vamos a lugar algum.” O paciente mudou e exige mudanças A nova estratégia, que deverá estar totalmente delineada até outubro, quando acontece o Teleton, não é o primeiro megadesafio da gestão de Regina na AACD. A instituição vem precisando adaptar-se, por exemplo, à mudança no perfil de seus pacientes nos últimos anos: se quando foi criada quase 99% dos atendidos eram crianças, hoje os adultos já respondem por cerca de 60% da fila de espera. As causas disso podem ser mais bem visualizadas em um triângulo. 

Como explica a presidente do conselho da AACD, de um lado, as crianças da instituição cresceram, e os processos de inclusão e os cuidados da reabilitação a que se submetem prolongam sua expectativa de vida. De outro, cresceu o número de vítimas de acidente de trânsito, de violência, de problemas de diabetes que acabam sofrendo amputações, de acidente vascular cerebral. No terceiro lado, o controle pré-natal diminuiu o número de bebês que nascem com deficiência. Assim, todas as unidades da AACD reestruturam-se para também atender adultos. A mudança não é pouca. 

Não deve acontecer apenas com papéis e procedimentos –o Sistema Único de Saúde (SUS) pagava apenas por crianças tratadas– ou com o tamanho dos equipamentos e a técnica dos profissionais. “Reabilitar adultos é muito mais demorado, complicado e oneroso”, comenta Regina. “É preciso pensar em um ciclo maior de inclusão social desse paciente, seja adulto ou criança.” O ciclo de inclusão do portador de deficiência não se refere somente a capacitá-lo à inclusão no mercado de trabalho, mas ao lazer, à vida cotidiana com a casa e a família adaptadas, e isso passou a ser uma das metas da AACD, segundo sua presidente. 

Uma das iniciativas da instituição, por exemplo, visa capacitar a família a ser sustentável com um portador de deficiência em casa. Pais e cônjuges de pacientes que passam horas, duas ou três vezes por semana, nas unidades, acompanhando quem faz terapia, aprendem a desenvolver uma atividade econômica em casa. “Mostramos possibilidades de geração de renda, como a do microempreendedor individual”, comenta Regina 

Para isso, estão sendo seladas parcerias com empresas, como a feita com a Bombril, que montará na sede paulistana da AACD um centro de formação de cuidadoras do lar que possam prestar serviços. E não é só. Com a mudança do perfil do paciente, a instituição está ainda mais convencida de ter de atuar a favor de políticas públicas que criem melhores condições de mobilidade, lazer e empregabilidade para os portadores de deficiência. 

> **REGINA VELLOSO,**
>
> _A primeira mulher na presidência do conselho de administração_
>
> Claire Underwood, uma das personagens centrais da premiada websérie House of Cards, vivida pela atriz Robin Wright, está colocando os holofotes em um perfil ainda pouco conhecido: o da executiva de uma organização filantrópica que gerencia como se esta tivesse fins lucrativos. 
>
> Se a personagem não fosse uma caricatura da nova realidade das ONGs, poderia refletir Regina Helena Scripilliti Velloso, que atua há quase dois anos como presidente voluntária do conselho de administração da AACD, a primeira mulher à frente da entidade. Também vice-presidente do heliporto Helipark Manutenção Aeronáutica e membro do conselho de família da Votorantim, e tendo como hobby pilotar helicópteros, Regina conta como foi implantada a nova governança da AACD, nos moldes de uma gestão empresarial. 
>
> **Quando veio a nova governança?** Há três anos, com a entrada do primeiro CEO e superintendente-geral contratado pela AACD, mesma época em que iniciamos a profissionalização da instituição, que, antes, dependia de diretores voluntários. 
>
> **O planejamento é empresarial?** Sim, é definido pelo CEO e submetido à avaliação do conselho, que se reúne mensalmente. As metas são definidas também pela equipe de superintendência. 
>
> **Por que profissionalizar?** Porque a AACD cresceu demais, com as divisões de educação, esportes, pesquisa, hospital, e está em um momento de consolidação. 
>
> **Quão sofisticado é o conselho?** Está sempre evoluindo. Uma das novidades está nos comitês, que dão suporte para o CEO no dia a dia: financeiro, de gestão, de comunicação e de auditoria.

**LINHAS DE PESQUISA** 

A mudança de posicionamento exige da AACD novos investimentos em educação e em pesquisa e desenvolvimento, com o objetivo de gerar uma nova visão e agregar tecnologia à reabilitação. Já há três linhas de pesquisa de impacto na organização, as quais devem ser incrementadas: 

• Pesquisa de medicamentos biossimilares, dirigidos a osteoartrite e doenças musculoesqueléticas, que tem à frente o reumatologista e pesquisador Morton Scheinberg, também conselheiro da instituição. 

• Pesquisa de células-tronco não embrionárias para criar possibilidades de reabilitação, desenvolvida pela professora Mayana Zatz. Inclui o primeiro laboratório de terapia celular e o primeiro banco público de cordões umbilicais do País, matéria-prima para obtenção das células-tronco. 

• Pesquisa sobre a interface cérebro-máquina, para que paraplégicos possam voltar a andar, liderada pelo cientista Miguel Nicolelis. 

**UMA NOVA FRONTEIRA**

“A reabilitação será sempre nosso core business e, com a inovação, será abordada em um nível cada vez mais complexo. Mas, quando vemos o centro de reabilitação de adultos cheio de jovens, sabemos que temos de agir bem além disso”, diz Regina. Em suma, a tradicional instituição quer agora estabelecer uma inovadora fronteira no que diz respeito a reabilitação motora.

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