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Aprenda a Financiar P&D com Hollywood

Para inovações radicais no longo prazo, as empresas poderiam começar a imitar o modelo de financiamento das produções cinematográficas; conheça uma adaptação para a indústria farmacêutica, por exemplo
São professores, respectivamente, da MIT Sloan School of Management e da Harvard Business School, ambas sediadas na Grande Boston, nos Estados Unidos.

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Setores de atividade baseados no conhecimento científico, como a biotecnologia, oferecem, ao mesmo tempo, alto potencial de crescimento e elevados níveis de risco. O retorno sobre os investimentos, quando vem, pode demorar muitos anos para se materializar.

Diante da pressão por resultados financeiros de curto prazo, mesmo as grandes e bem-sucedidas corporações têm encontrado dificuldades crescentes para justificar investimentos de longo prazo em pesquisa e desenvolvimento (P&D). O entrave é especialmente significativo em áreas de pesquisa intensiva, como a própria biotecnologia. 

Nesse cenário desafiador para o financiamento de P&D, um caminho possível é o da governança centrada em projetos, talvez uma forma mais eficiente de estruturar a inovação mais radical e de longo prazo. Afinal de contas, um projeto é a unidade natural quando se trata de inovação. 

Como colocar essa mudança em prática, porém?

Para começar, é preciso enfrentar a questão dos custos fixos administrativos (overhead). Em vez de adquirir instalações e equipamentos, os projetos podem contratar os recursos necessários; em vez de recrutar profissionais da área científica e de gestão, sem um período preestabelecido, é possível contar com pessoas para projetos específicos ou para algumas fases de um mesmo projeto; e, por fim, em vez de permitirem que as empresas transfiram o capital de um projeto para outro, os investidores podem escolher o projeto em que querem colocar seu dinheiro, com o entendimento de que só terão retorno caso a iniciativa seja bem-sucedida. 

**O MODELO DO CINEMA: PFO**

O modelo “organização focada em projeto” (ou PFO, na sigla em inglês), que estamos propondo, já existe na vida real – na indústria cinematográfica.

Os estúdios verticalmente integrados de Hollywood são coisa do passado e deram lugar a projetos por filme, que se tornaram a unidade de organização essencial do setor. Esses projetos cinematográficos são estruturados como entidades independentes, tanto do ponto de vista operacional como do legal. 

Os recursos-chave para a produção de cada filme – financeiros e humanos – provêm de fontes distintas e estão vinculados especificamente a cada iniciativa. Os projetos não são entidades permanentes; eles existem até que cessem as obrigações contratuais, incluindo o retorno para os investidores e os pagamentos residuais da equipe criativa. 

Uma vez distribuído o filme, a entidade criada para produzi-lo desaparece – resta apenas o mecanismo legal de transferência de pagamento durante a vida da obra, que, nesta era da informação, é essencialmente infinita.

**RELAÇÃO ENTRE CINEMA E CIÊNCIA**

Os projetos cinematográficos são semelhantes a iniciativas no campo biofarmacêutico de muitas e importantes maneiras. 

Em primeiro lugar, eles se aproximam por conta do alto índice de fracasso, definido aqui como um ganho final menor do que o custo de produção. 

Em segundo, os filmes também têm um longo período de desenvolvimento, como ocorre no processo que leva a um novo medicamento. 

Em terceiro, da mesma forma que os medicamentos, os projetos cinematográficos costumam ser financiados por grandes organizações, como Paramount, Twentieth Century Fox e Warner, mas também podem ser viabilizados de modo independente, como comprovam os festivais dedicados a esse tipo de produção. 

Diante de tantas semelhanças, acreditamos que o modelo PFO funcionaria no setor biofarmacêutico. Mas como? 

Antes de tudo, cada projeto teria de contar com o equivalente à figura do produtor no cinema. Seria um pesquisador que acreditasse no conceito de uma nova droga e estivesse trabalhando no desenvolvimento desse conceito em um remédio a ser aprovado pelas autoridades. 

No entanto, em vez de procurar um só investidor ou uma empresa farmacêutica, o inovador levaria sua ideia a um “estúdio de inovação”, que poderia ser formado por empreendedores em conjunto com um fundo de investimento ou com um consórcio de investidores, e teria de contar com laboratório bem equipado. 

Se o projeto recebesse sinal verde do estúdio, a iniciativa montaria sua estrutura nas instalações dele. Boa parte das operações do projeto seria terceirizada – por exemplo, estudos toxicológicos, avaliação e teste. 

Isso aconteceria de maneira semelhante à da produção de um filme, que recorre a uma rede que inclui fornecedores de figurinos, iluminação, locações e assim por diante. A ideia é que a terceirização de tudo o que for possível mantenha o projeto com a “leveza” necessária. 

A maior parte dos participantes do projeto também seria terceirizada ou composta de consultores, para tocar tarefas específicas ou determinadas fases da iniciativa. 

Os únicos profissionais em tempo integral seriam, provavelmente, o diretor do projeto e os integrantes de uma pequena equipe essencial, que ocuparia uma posição privilegiada para quaisquer ganhos futuros. Profissionais com experiência comprovada teriam a responsabilidade de direcionar os recursos de modo eficiente para o projeto, como acontece na indústria cinematográfica, negociando bônus e comissões, por exemplo. 

Os estúdios de inovação seriam responsáveis por prover a quantia necessária para o financiamento do projeto e também por supervisioná-lo, com base em marcos de realização. (Estúdios de inovação como a Dreamworks, de Steven Spielberg, contam com profissionais empreendedores capacitados a fazer essa supervisão.) 

O acordo entre as partes especificaria exatamente quais os direitos do estúdio em relação ao projeto – entre eles, o de retirar o financiamento. 

A inovação por meio do modelo PFO traz vários benefícios. Para os investidores, é a diferença entre ter um portfólio com diversas opções e ter uma opção preferencial em um portfólio; dessa maneira, eles podem diversificar suas ações em múltiplos projetos. Para os produtores, o PFO oferece uma alternativa para manter os custos fixos em um patamar mínimo, apenas com a equipe central internamente. 

A comparação com a indústria do entretenimento sugere também que os inovadores devem ser excelentes empreendedores para serem plenamente recompensados por seu talento. Eles podem se dedicar ao importante processo de inovação sabendo que terão retorno proporcional. 

**COMO O CINEMA BRASILEIRO FAZ**

A lógica de financiamento de Hollywood citada pelos especialistas de Boston tem similaridades com o que ocorre no Brasil, nos ditos “filmes comerciais”. O que mais se assemelha são os fundos de investimento, implantados no cinema brasileiro em meados dos anos 2000. Existem dois tipos de fundos: os Funcines, fundos privados parcialmente lastreados por recursos públicos, e o Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), um fundo federal de programação específica (os recursos não podem ser utilizados para outros fins que não aqueles para os quais o fundo foi criado). 

Tais fundos investem em diferentes filmes, “projeto a projeto”, tendo uma participação nas receitas proporcional ao investimento versus o total do orçamento. No caso do FSA, essa participação é fixa (se o FSA investe 50% do orçamento, tem uma participação de 40% nas receitas até a recuperação integral do investimento). No caso dos Funcines, a alíquota é negociável dentro de limites definidos em lei (máximo de 1,5 para 1 até a recuperação de 50% do investimento). Qualquer empresa ou pessoa física pode ser acionista dos Funcines, participando dos resultados obtidos pela carteira de filmes escolhida pelos gestores. 

O filme não pertence aos investidores; eles são apenas sócios em seus resultados, por tempo limitado. A gestão e a propriedade dos projetos são da companhia produtora. 

Como no modelo norte-americano apresentado, é raro um filme brasileiro ser financiado por uma única fonte. O financiamento em geral contempla o investimento de um distribuidor – um estúdio como Disney, Fox, Sony, Paramount, Universal e Warner ou um independente brasileiro como Paris Filmes e Downtown. Estes podem investir nos custos de produção e/ou de distribuição, recuperando o investimento na etapa dos lucros ou da receita líquida (descontados 40% a 55% das salas de cinema, impostos, comissões e gastos com lançamento), chegando à receita líquida (RLP) a compartilhar entre os sócios. Canais de TV aberta e paga também são investidores frequentes. Há ainda empresas privadas que financiam filmes diretamente utilizando leis de incentivo, com uma participação nas receitas, ou comprando ações de merchandising. 

Nos principais filmes recentes, cerca de 80% do financiamento veio de distribuidores, canais de TV e fundos. Eles dividem entre si os riscos dos projetos e cada um dilui os próprios riscos ao investir em projetos de diferentes produtoras. Funciona. 

**Por PAULO BOCCATO,** produtor de cinema e TV, sócio-fundador e diretor-comercial da Glaz, uma das principais produtoras audiovisuais do Brasil, responsável pela maior bilheteria dos cinemas brasileiros em 2015, Loucas pra Casar. 

**COMO FAZER FUNCIONAR**

A reorganização com o estúdio de inovação é importante, mas o principal desafio para fazer com que o PFO dê certo é ter dois elementos:

**1.** Plataforma padronizada de desenvolvimento.

**2.** Mercado suficientemente funcional para a etapa de “prova de conceito”. 

**1. Plataforma padronizada.** Na indústria farmacêutica, o termo “plataforma” é amplamente utilizado para descrever um conjunto de tecnologias relacionadas que as empresas usam para criar seus remédios. 

Em outros setores, a palavra tem um significado diferente. Refere-se a uma organização situada no ponto central de uma rede de compradores, vendedores e usuários. A Amazon, por exemplo, é uma plataforma que oferece os elementos de criação de valor (como infraestrutura) que permitem a compradores e vendedores encontrar-se e realizar transações com padrões, eficientemente. 

No processo de desenvolvimento farmacêutico, a plataforma poderia ser mais como a Amazon, porém acaba sendo só uma terceirização desordenada. Dezenas de empresas oferecem seus serviços, como os estudos toxicológicos, só que cada uma tende a seguir uma abordagem diferente, além de protocolos e padrões próprios. 

O que se vê é que, quando um projeto biofarmacêutico é terceirizado, o dono do projeto e o parceiro precisam percorrer juntos a curva de aprendizado. 

Pior: os incentivos dos dois lados geralmente não estão alinhados. A empresa farmacêutica, por exemplo, às vezes possui programas internos que competem diretamente com o parceiro externo. Ou acontece de o terceirizado não resolver o problema para o qual foi contratado por ter o próprio programa de registros. 

Falta uma plataforma padronizada, com uma organização central, que possa acelerar o desenvolvimento dos remédios e reduzir custos. 

Uma das razões pelas quais o modelo PFO funciona tão bem na indústria cinematográfica reside no fato de os produtores serem a organização central no controle da plataforma de desenvolvimento, ainda que terceirizem muitas funções. 

É claro também que nenhum setor é idêntico a outro e, portanto, a plataforma de desenvolvimento de Hollywood pode ficar bem diferente quando adaptada às empresas farmacêuticas (ou outra indústria), mas a inspiração é válida. 

**2. Mercado funcional na etapa da prova de conceito.** O modelo PFO também traz a ideia de que o valor de uma “prova de conceito” bem-sucedida na área farmacêutica pode ser capturado com a venda do ativo para uma grande empresa. 

No caso das farmas, o comprador assumiria os testes da chamada fase III do desenvolvimento do remédio, cuidando do processo de aprovação junto às autoridades governamentais e das etapas de marketing e distribuição. 

Muitas empresas já adquirem projetos da etapa da prova de conceito atualmente, por meio de vários tipos de acordos de licenciamento e desenvolvimento, mas esse processo costuma ser muito pesado: negociações e aprovações internas sem-fim, avaliações subjetivas e assimetria de informações são alguns dos entraves à tomada de decisões. O processo como um todo não lembra em nada um mercado eficiente. 

**PARA MUDANÇAS EM VELOCIDADE**

O modelo PFO pode alavancar a atividade de P&D na indústria biofarmacêutica ao possibilitar maior diversificação de riscos, alocação de recursos mais dinâmica e maior alinhamento de incentivos. 

Não se espera que ele substitua completamente o papel do capital de risco nas pesquisas ou mesmo os investimentos das farmas tradicionais, naturalmente, nem se acredita haver uma fórmula única para financiar a inovação. Apenas ocorre que, em setores caracterizados por mudanças constantes e em grande velocidade, um processo baseado em projetos oferece vantagens significativas. 

É hora de o setor farmacêutico realizar as mudanças institucionais e o aprimoramento estrutural necessários para aproveitar os benefícios do PFO em favor de suas atividades de P&D. 

**Você aplica quando…**

… decide gerenciar sua inovação como uma organização focada em projeto (PFO), como Hollywood faz para filmes.

… identifica um “estúdio de inovação” que possa coordená-la e levantar o capital necessário para tocá-la.

… contribui para a construção de uma plataforma de desenvolvimento padronizada no setor.

… colabora para a criação de um mercado eficiente onde se possa gerar valor com o protótipo final de uma inovação (a fase III da prova de conceito, no caso da indústria farmacêutica).

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