Assunto pessoal

Como ampliar a jornada de consciência de liderança

Três passos podem ser dados para lidar com as fraturas nos relacionamentos em que nos envolvemos, com inspiração nas descobertas de Otto Scharmer, do MIT
É mestra em Gênero pela London School of Economics and Political Science - LSE. Também é pós-graduada pelo Santa Barbara Institute for Consciousness Studies (Califórnia/EUA) em Cultivando Equilíbrio Emocional nas organizações e atua como especialista em Diversidade, Equidade e Inclusão há 10 anos. Lidera a Newa, empresa de impacto social que prepara organizações para um futuro mais inclusivo por meio de sensibilizações, workshops, treinamentos e consultoria de diversidade.

Compartilhar:

Como cuidar do que é importante para nós, para as pessoas com que nos relacionamos e para o planeta quando vivemos um momento com tantos desequilíbrios sociais, econômicos, políticos, ambientais e sanitários? De uma coisa não há dúvidas: como diz Albert Einstein, não é com a mesma mentalidade na qual criamos esses desequilíbrios que conseguiremos. Precisaremos desenvolver um pensamento diferente para lidar com os desafios globais que estamos enfrentando. E e fazer mudanças para dentro e para todos os lados; é preciso mudar o todo.

Neste artigo, convido o leitor a iniciar essa mudança por três passos, que formam o que chamo de “ampliação da jornada da consciência” para a liderança. Esses passos conversam com o livro *Liderar a partir do futuro que emerge*, do professor do MIT Otto Scharmer, que identifica na origem dos desequilíbrios falhas “geológicas” nos três principais relacionamentos que nós humanos temos: (1) com a natureza e o nosso planeta; (2) de uns com os outros; (3) consigo mesmo.

Scharmer nos ensina, e é importante entender, que é a fratura desses relacionamento que cria os grandes divisores observados atualmente – o ecológico, o socioeconômico e o espiritual-cultural.

__Divisor ecológico.__ De acordo com o relatório da Global Footprint Network, a humanidade necessita hoje de um planeta e meio para manter seu padrão de consumo, o que coloca a biocapacidade da Terra em grande risco. Se as tendências se mantiverem, nosso uso excessivo de recursos naturais atingirá um nível inimaginável de três planetas até 2050. É uma desconexão total entre o eu e o planeta. Como reflete Ailton Krenak no livro *Ideias para Adiar o Fim do Mundo*, “fomos nos alienando… e passamos a pensar que a Terra é uma coisa e nós, outra. Eu não percebo onde tem alguma coisa que não seja natureza. Tudo é natureza. O cosmos é natureza”.

__Divisor socioeconômico.__ A informação não é nova, mas merece ser repetida: em meio à pandemia da covid-19, os bilionários acumularam ainda mais dinheiro. De 1995 a 2021, o top 1% dos mais ricos ao redor do mundo deteve 38% do dinheiro global, enquanto os 50% mais pobres dividem apenas 2% dessa fortuna. Os dados são do estudo Desigualdade Mundial 2022, produzido pelo francês Thomas Piketty e é só um dos indicadores do abismo socioeconômico atual e do fato de se aprofundar rapidamente. Outro indicador vem do relatório E*stado da Segurança Alimentar e Nutrição no Mundo 2022*, da Organização das Nações Unidas (ONU), aponta que o número de pessoas afetadas pela fome em todo o mundo subiu para 828 milhões em 2021, uma alta de cerca de 46 milhões, desde o relatório de 2020, e de 150 milhões se contabilizarmos desde o início da pandemia de covid-19. Das pessoas que passam fome, 98% vivem em países em desenvolvimento. Há uma desconexão evidente entre o eu e o outro.

__Divisor espiritual-cultural.__ A desconexão entre o “eu e o Eu” tem como sintoma nosso (baixo) nível de felicidade e bem-estar e a alta de episódios relacionados de estafa, depressão e suicídio. Atualmente, o Brasil é considerado o país mais ansioso do mundo e o quinto mais depressivo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).

Esses três divisores são inter-relacionados. Exemplo simples: a perda de sentido da vida e do trabalho (o divisor espiritual-cultural) muitas vezes é preenchido por consumismo, o que aprofunda o divisor ecológico.

Esses três divisores nos levam a refletir sobre de que forma queremos operar nesse mundo, não? Esse é, na verdade, o maior desafio dos líderes da atualidade e isso obviamente passa por uma reflexão profunda sobre o pensamento econômico predominante. Como fazer?
Os três passos

Para romper com a lógica atual é preciso que as lideranças “descolonizem” a narrativa dominante. Três passos ajudam nisso, a saber:

1. __Relacionar-se melhor consigo mesmo (EU-EU).__ O autoconhecimento nos leva a uma reflexão profunda sobre o resgate da nossa história, a clareza sobre os nossos valores e sobre qual forma queremos operar no mundo, qual é o legado que quero deixar para essas e as próximas gerações? Eu não tenho dúvidas que a revolução se dará pelo resgate do afeto nas nossas relações.

O que nos faz felizes? Por 82 anos, pesquisadores da Harvard University, nos Estados Unidos, têm procurado essa resposta, é a pesquisa mais longa da história feita até o momento. O Study of Adult Development começou em 1938, acompanhando 700 rapazes por toda a vida, monitorando seu estado mental, físico e emocional. A descoberta fundamental, foi que o importante para nos mantermos felizes e saudáveis ao longo da vida, é a qualidade dos nossos relacionamentos.

Para isso acontecer, precisamos olhar para o nosso mundo interno, olhar a fundo para as nossas emoções, investigar a nossa base de dados emocional, termos maior consciência emocional, criarmos intimidade com o silêncio {veja texto abaixo}.

“Psp” vs. Silêncio

Thích Nhất Hanh, monge budista, escritor e ativista dos direitos humanos, chama a atenção para os riscos da rádio sempre ligada nas nossas mentes, a “Pensando Sem Parar”:

“A condição básica para sermos capazes de escutar o chamado da beleza — e responder a ele — é o silêncio. Se não temos silêncio dentro de nós mesmos — se nossas mentes e corpos estão repletos de barulho —, não somos capazes de ouvir o chamado da beleza. Existe uma rádio sempre ligada em nossa mente, a que eu chamo de “Estação PSP: Pensando Sem Parar”. Nossa mente vive repleta de ruídos, por isso não somos capazes de ouvir o chamado da vida, o chamado do amor. Nosso coração nos chama, mas não o escutamos. Não temos tempo para escutá-lo.”

É impossível exercermos uma liderança humana se estamos anestesiados de nossas emoções e de nosso corpo. Isso significa que as pausas, a qualidade do nosso sono, alimentação balanceada, prática de atividades físicas, o cultivo de uma mente saudável livre das aflições mentais é a chave para sermos líderes mais amorosos e compassivos.

Ainda é necessário reconhecer que o individual também é político e o político também é individual. Ser político é, na essência, promover o bem-estar de outras pessoas, não importa quem. Isso significa que nossas escolhas são sempre políticas porque podemos beneficiar ou prejudicar pessoas e a sociedade. O que você consome? Quais roupas veste? Qual é a origem do alimento que você consome? É pensar em ações intencionais diariamente desde que levantamos da cama.

Por fim, esse passo implica entendermos qual é nossa posição social nesse mundo, quão privilegiados somos por estar ocupando o lugar atual. Importante: deve-se romper a bolha em que vivemos, o que ocorre a partir do encontro com pessoas que estão nas margens.

2. __Relacionar-se melhor com os outros (EU-OUTRO).__ Depois da minha mudança interna, eu tenho de passar a desenvolver uma maior qualidade nas minhas relações, o que requer uma escuta ativa e cuidadosa de todos os stakeholders.

Estamos vivendo uma disputa de narrativas, quem está certo e errado, quem possui a informação verdadeira e quem não. Nisso, a aceitação da diversidade está perdendo campo; o desenvolvimento de competências como empatia e compaixão fica mais necessário do que nunca. O fundador da Comunicação Não Violenta (CNV), Marshall Rosenberg, elenca quatro atitudes que podemos tomar para sair do modo automático com que reagimos aos outros e nos expressamos com eles: (1) separar o que de fato aconteceu em uma situação das avaliações que fazemos sobre ela, (2) lembrar que não há sentimentos bons ou ruins em si, mas que sentimentos são apenas mensageiros das nossas necessidades humanas universais; (3) questionar a necessidade por trás de uma reação alheia – por exemplo, se uma pessoa se sente triste quando está sozinha, a causa é a necessidade de conexão, apoio e afeto – (4) fazer pedidos sobre como gostaríamos de atender a nossas necessidades; ao pedirmos, damos ao outro a oportunidade de colaborar no que é importante para nós.

3. __Relacionar-se melhor com o sistema como um todo (EU-NATUREZA).__ As organizações devem fazer uma verdadeira revolução na forma como impactam a sociedade de maneira mais consciente, o que vai desde olhar como usam recursos naturais e descartam os resíduos do seu processo industrial até seu consumo de água e o tipo de energia utilizada, passando por como tratam colaboradores e toda a cadeia produtiva, o respeito aos direitos humanos e a prática de transparência. Para isso é necessário desenvolver uma nova mentalidade das lideranças alinhada às práticas da nova economia, tratando concorrentes não como inimigos, e sim como colaboradores potenciais, já que o foco de todos é o impacto na sociedade. Isso também requer uma cultura centrada em pessoas, em suas necessidades e emoções e, sobretudo, líderes que praticam a vulnerabilidade e reconhecem suas limitações, sendo transparentes com clientes, colaboradores e toda a sua cadeia.

Precisamos de líderes que usem seu poder para transformar o mundo.

__Leia também: [Como colecionar resultados](https://www.revistahsm.com.br/post/como-colecionar-resultados)__

Artigo publicado na HSM Management nº 156.

Compartilhar:

Artigos relacionados

Calendário

Não, o ano ainda não acabou!

Em meio à letargia de fim de ano, um chamado à consciência: os últimos dias de 2024 são uma oportunidade valiosa de ressignificar trajetórias e construir propósito.

Gestão de Pessoas
Conheça o conceito de Inteligência Cultural e compreenda os três pilares que vão te ajudar a trazer clareza e compreensão para sua comunicação interpessoal (e talvez internacional)

Angelina Bejgrowicz

4 min de leitura
Liderança
Entenda como construir um ambiente organizacional que prioriza segurança psicológica, engajamento e o desenvolvimento genuíno das equipes.

Athila Machado

6 min de leitura
Empreendedorismo
Após a pandemia, a Geração Z que ingressa no mercado de trabalho aderiu ao movimento do "quiet quitting", realizando apenas o mínimo necessário em seus empregos por falta de satisfação. Pesquisa da Mckinsey mostra que 25% da Geração Z se sentiram mais ansiosos no trabalho, quase o dobro das gerações anteriores. Ambientes tóxicos, falta de reconhecimento e não se sentirem valorizados são alguns dos principais motivos.

Samir Iásbeck

4 min de leitura
Empreendedorismo
Otimizar processos para gerar empregos de melhor qualidade e remuneração, desenvolver produtos e serviços acessíveis para a população de baixa renda e investir em tecnologias disruptivas que possibilitem a criação de novos modelos de negócios inclusivos são peças-chave nessa remontagem da sociedade no mundo

Hilton Menezes

4 min de leitura
Finanças
Em um mercado cada vez mais competitivo, a inovação se destaca como fator crucial para o crescimento empresarial. Porém, transformar ideias inovadoras em realidade requer compreender as principais fontes de fomento disponíveis no Brasil, como BNDES, FINEP e Embrapii, além de adotar uma abordagem estratégica na elaboração de projetos robustos.

Eline Casalosa

4 min de leitura
Empreendedorismo
A importância de uma cultura organizacional forte para atingir uma transformação de visão e valores reais dentro de uma empresa

Renata Baccarat

4 min de leitura
Tecnologias exponenciais
Em meio aos mitos sobre IA no RH, empresas que proíbem seu uso enfrentam um paradoxo: funcionários já utilizam ferramentas como ChatGPT por conta própria. Casos práticos mostram que, quando bem implementada, a tecnologia revoluciona desde o onboarding até a gestão de performance.

Harold Schultz

3 min de leitura
Gestão de Pessoas
Diferente da avaliação anual tradicional, o modelo de feedback contínuo permite um fluxo constante de comunicação entre líderes e colaboradores, fortalecendo o aprendizado, o alinhamento de metas e a resposta rápida a mudanças.

Maria Augusta Orofino

3 min de leitura
Tecnologias exponenciais
A Inteligência Artificial, impulsionada pelo uso massivo e acessível, avança exponencialmente, destacando-se como uma ferramenta inclusiva e transformadora para o futuro da gestão de pessoas e dos negócios

Marcelo Nóbrega

4 min de leitura
Liderança
Ao promover autonomia e resultados, líderes se fortalecem, reduzindo estresse e superando o paternalismo para desenvolver equipes mais alinhadas, realizadas e eficazes.

Rubens Pimentel

3 min de leitura