A estratégia atual da Tesla parece clara: fazer com que milhões de pessoas conheçam seus carros elétricos, sintam-se confortáveis dirigindo-os e, dessa maneira, sejam motivados a efetivamente comprar um veículo desse tipo.
Para tanto, a empresa terá de criar uma ligação com pessoas comuns, a fim de confirmar o principal pressuposto que lastreia seu atual valor de mercado, na casa dos US$ 33 bilhões: o de que é capaz não apenas de fabricar carros elétricos de alto desempenho em longas distâncias, mas também de convencer as pessoas a embarcar nessa novidade.
Nessa rota, um dos obstáculos a vencer é o temor de muitos potenciais clientes em relação tanto à duração das baterias como à segurança do Autopilot, o sistema de condução autônoma comum aos modelos Tesla. Para a primeira tarefa, o cofundador e executivo-chefe de tecnologia da empresa, J.B. Straubel, é a principal carta na manga; ele é considerado pelos analistas o maior expert mundial em armazenamento de energia, tem alta credibilidade e talvez seja a verdadeira razão de a companhia abrir suas patentes sem medo da concorrência.
Já a segunda tarefa ficou mais desafiadora após um acidente com morte envolvendo um Model S em piloto automático e um caminhão na Flórida, Estados Unidos – caso que ainda está sendo investigado.
**ABRINDO CAMINHO**
O sucesso da Tesla depende em grande parte do lançamento, em 2017, do Model 3, que promete ser o primeiro elétrico “acessível” da marca criada por Elon Musk, CEO da empresa. Com autonomia superior a 320 quilômetros até a próxima recarga de bateria, seu preço de venda deve ser de US$ 35 mil, valor próximo ao de um sedã de luxo, como o Mercedes-Benz Classe C.
A adoção do Model 3 em grande escala estará ligada ao sistema de vendas diretas ao consumidor criado pela Tesla. A empresa optou por trocar as tradicionais concessionárias de carros por uma rede própria de pontos de contato com os clientes, para que seus especialistas possam esclarecer todas as dúvidas nas questões tecnológicas e de segurança.
Trata-se de um aspecto fundamental do modelo de negócio da Tesla, segundo o vice- -presidente para a América do Norte, Ganesh Srivats. “Sabemos que não podemos confiar nas concessionárias para divulgar nossa missão, para operar o negócio do modo como queremos e para oferecer uma grande experiência às pessoas. Somos nós que temos de estar no volante”, afirma ele.
No entanto, o sistema de vendas diretas almejado pela Tesla tem esbarrado na legislação de muitos estados norte- -americanos, o que está levando a empresa a batalhas tanto no parlamento como na Justiça. O novo mecanismo de comercialização encontra oposição ainda nos fabricantes tradicionais de automóveis. Tudo faz crer, portanto, que o resultado desse embate pode mudar fundamentalmente a forma como as pessoas compram seus carros.
**RESPOSTA À MUDANÇA**
A indústria automobilística não se caracteriza pela proximidade com o consumidor; ao contrário, ela só fez se distanciar da experiência de consumo ao longo do tempo. No entanto, cresce o número de pessoas que querem pesquisar e até mesmo comprar um novo carro pela internet. Em 2015, estudo Accenture mostrou que 75% dos participantes não descartavam fazer todo o processo de compra de um automóvel online, havendo essa possibilidade.
“Quando vai a uma concessionária, você acaba ficando com muitas dúvidas”, comenta Srivats, que era vice-presidente sênior da marca de moda de luxo britânica Burberry antes de mudar para a Tesla. “Toda a negociação e a necessidade de pechinchar podem levar o cliente a se perguntar, por exemplo, se foi enganado. Sempre fica a dúvida sobre se ele conseguiu um preço tão bom como o de outros compradores”, argumenta.
Foi em resposta a essas mudanças que a Tesla estruturou seu sistema de vendas com base em diferentes pontos de contato, como uma rede [veja quadro o lado]. Sua loja de pouco menos de 4 mil m2 nas vizinhanças de Red Hook, no Brooklyn, em Nova York, por exemplo, ostentava apenas dois carros na área de vendas quando visitada pela reportagem: um Model S vermelho e um Model X branco.
**EFEITO DE REDE**
Veja como a Tesla chega aos potenciais clientes por meio de um conjunto de recursos que se complementam:
**SHOWROOMS**
A Tesla conta com dezenas de showrooms nos Estados Unidos, que possibilitam aos consumidores conhecer os carros, fazer test drives, personalizar seu modelo e, por fim, comprar o carro de seus sonhos. Alguns desses locais também oferecem serviços de manutenção e reparo.
**GALERIAS**
As galerias da Tesla parecem showrooms, com uma diferença importante: as pessoas não podem finalizar a compra do veículo lá. Os especialistas da empresa acompanham os interessados em test drives, mas, quando o assunto migra para preço e condições de pagamento, eles os direcionam para o website ou para o atendimento com representantes por telefone.
**LOJAS “POP-UP”**
A Tesla criou contêineres móveis que funcionam como lojas e podem ser transportados para áreas de alto poder aquisitivo dos EUA, como Santa Barbara e Hamptons, com o objetivo de apresentar os modelos da empresa a consumidores que são, na prática, potenciais clientes.
**WEBSITE**
O coração da estratégia das vendas diretas ao consumidor é o endereço de web teslamotors.com. Lá o usuário pode desde agendar um test drive em um dos showrooms da empresa até fazer a compra do carro.
**LOJAS DE DEPARTAMENTOS**
Em junho, a Tesla abriu seu primeiro ponto de venda do tipo “stop and shop” (pare e compre) na loja de departamentos Nordstrom, em um shopping center de Los Angeles.
Na loja, os clientes vivenciam um processo de compra bastante transparente. Para começar, um grande display touch screen permite visualizar a rede (em expansão) de estações de recarga de energia da Tesla. O mesmo terminal possibilita que cada cliente personalize seu automóvel, decidindo sobre características básicas, como o tamanho da bateria, e até escolhendo acessórios especiais, como um sistema que filtra o ar no interior do carro. A compra pode ser finalizada na loja ou mais tarde, em casa, por meio do website da empresa.
“Gostamos da ideia de controlar o processo inteiro”, destaca Srivats. “Isso cria um fluxo de informação constante entre os clientes e as áreas de design e manufatura.”
Embora o sistema da Tesla ainda encontre barreiras legais em alguns estados norte- -americanos, já está influenciando outras empresas automobilísticas. A GM, por exemplo, começou a transformar parte das concessionárias de seu Cadillac em showrooms sem estoque que oferecem aos clientes a experiência da realidade virtual.
“A Tesla está dizendo aos consumidores que o intermediário é uma etapa desnecessária no processo de compra de um carro e que a indústria pode lhe oferecer serviços tão bons como os das concessionárias”, analisa John O’Dell, especialista no setor e ex-editor do site Edmunds.com.
O fato, porém, é que, para concretizar ao menos parte das quase 400 mil encomendas do Model 3 já feitas, a Tesla precisará montar algum tipo de rede física de lojas. Um dos caminhos possíveis são as parcerias fora das fronteiras do setor automobilístico; em junho deste ano, por exemplo, a empresa inaugurou um ponto de venda em uma loja de departamentos. Outro é encontrar soluções mais radicais, como antecipa Srivats, sem dar detalhes: “Estamos jogando pela janela o que havia sobre vendas de carros e começando do zero”. Qualquer que seja o plano, deve sacudir o setor.
**Você aplica quando…**
… utiliza a mesma estratégia de vendas diretas para aproximar-se de seus consumidores e com uma rede de pontos de contato.
…. joga pela janela o conhecimento existente sobre vendas em seu setor e começa tudo do zero.