Uncategorized

Dos líderes para as redes

A mudança da arquitetura da informação está levando a um processo de descentralização que abole o conceito de liderança
Italiano, Massimo Di Felice é sociólogo, professor livre-docente da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador do Centro de Pesquisa Internacional sobre Redes Digitais Atopos. Cofundou o Centro de Pesquisa Internacional de Teoria Social para a Sustentabilidade – Sustenibilia, da Universidade La Sapienza, de Roma, e é diretor científico do Istituto di Alti Studi Toposofia. Escreveu este texto especialmente para HSM Management.

Compartilhar:

As últimas gerações de redes digitais implementaram formas de interação inéditas, permitindo a conexão à internet não apenas de pessoas, dispositivos e dados, mas também de coisas (IoT), territórios (sistemas informativos geográficos) e biodiversidades (big data climáticos e genéticos). 

O advento de tais arquiteturas conectivas tem mudado a arquitetura da informação, a qual, mais que se basear em trocas de informações entre emissores e receptores, aproxima-se de uma composição química, feita de moléculas que, ao interagirem, conectam-se, alterando-se reciprocamente e dando vida a novos elementos. Uma vez criados, esses elementos alteram a arquitetura da rede. 

Como Lemuel Gulliver no famoso conto de Jonathan Swift, despertamos em uma paisagem desconhecida, na qual nos encontramos amarrados a redes e em contextos complexos, estranhos a nós. A inédita situação nos impõe aprender rapidamente as novas geografias conectivas e entender a complexidade das interações em redes para poder interagir com elas. 

A característica que marca a transformação das organizações nos contextos digitais é a mudança de suas ecologias – ou ecossistemas – de interação. Na era industrial, as empresas podiam gerenciar, adaptar e controlar estrategicamente sua comunicação. Agora, a comunicação deixa de ser o produto livre e independente de um sujeito-ator ou de emanar de uma estratégia institucional para se tornar a consequência do conjunto de interações atuantes no ambiente da ecologia comunicativa. 

Isso modifica as relações e o conhecimento. Na obra _Cibercultura_, Pierre Levy fala em “aspiração de construção de um laço social, que não seria fundado nem sobre ligações territoriais, nem sobre relações institucionais, nem sobre relações de poder”, como de costume. O laço se apoiaria “na reunião de pessoas em torno de centros de interesses comuns, no compartilhamento do saber, no aprendizado colaborativo, nos processos abertos de colaboração”. Ou seja, a dimensão informativa e o conhecimento substituiriam as relações hierárquicas e haveria um particular processo de descentralização. As culturas hackers, os movimentos sociais netativistas, os blockchains e a difusão de uma cultura generalizada da colaboração são provas do fenômeno. Instituições empresariais, governos e quaisquer tipos de organização já podem se beneficiar dele. 

Mas o que acontece com a figura do líder nesse novo contexto? 

Mesmo quando entendido como ente inspirador, exemplo ético e motivacional, o líder tradicional ficou inadequado para a complexidade e a imprevisibilidade do mercado transformado em ecossistemas interativos. A gestão corporativa de nossa contemporaneidade conectada não se limita mais a decisões humanas; abrange os dados, a inteligência artificial e, cada vez mais, a biosfera. 

É necessário buscar, nos oceanos de dados e de conexões, formas de administração não mais centradas em pessoas, nem mais baseadas na tomada de decisões centralizada, e construir redes e arquiteturas do conhecimento coordenadas pelas tecnologias da informação e comunicação. 

O que pode substituir a cultura do líder? A cultura das redes e da conectividade, distribuída e disseminada em diversos âmbitos e entidades. Surge um novo tipo de inteligência extra-humana, situada nas redes de pessoas e máquinas e disponível a um clique. 

Quanto às caraterísticas dessas novas organizações sem líderes, baseadas em uma governança descentralizada, em primeiro lugar devemos pensá-las não mais como estruturas institucionais, e sim como redes e tecidos distribuídos e conectados, feitos de dados e de informações e atravessados em todas as partes pelo que, até então, era considerado o mundo externo. 

Vale utilizar uma metáfora visual: na época da conectividade, a forma das organizações pode ser associada à imagem de uma água-viva, organismo que habita a água e que por ela mesma é composto. Membrana sutil e transparente, a água-viva passa a tomar continuamente formas diversas, impulsionadas pelas correntezas provocadas pelas marés, mostrando-se a nós como uma interface que conecta duas “águas”. 

Agora, as marés e os mares são formados pelos dados. Agora, somos oceano. Precisamos aprender com as águas-vivas e, em vez de lutar contra a baleia, como fez o capitão Ahab de Melville, nos tornar o rastro dela no oceano. Sem líder.

Compartilhar:

Artigos relacionados

Liderança na gestão do mundo híbrido

Este modelo que nasceu da necessidade na pandemia agora impulsiona o engajamento, reduz custos e redefine a gestão. Para líderes, o desafio é alinhar flexibilidade, cultura organizacional e performance em um mercado cada vez mais dinâmico.

Data economy: Como a inteligência estratégica redefine a competitividade no século XXI

Na era digital, os dados emergem como o ativo mais estratégico, capaz de direcionar decisões, impulsionar inovações e assegurar vantagem competitiva. Transformar esse vasto volume de informações em valor concreto exige infraestrutura robusta, segurança aprimorada e governança ética, elementos essenciais para fortalecer a confiança e a sustentabilidade nos negócios.

China

O Legado do Progresso

A celebração dos 120 anos de Deng Xiaoping destaca como suas reformas revolucionaram a China, transformando-a em uma potência global e marcando uma era de crescimento econômico, inovação e avanços sociais sem precedentes.

Empreendedorismo
Trazer os homens para a discussão, investir em ações mais intencionais e implementar a licença-paternidade estendida obrigatória são boas possibilidades.

Renata Baccarat

4 min de leitura
Uncategorized
Apesar de ser uma ferramenta essencial para o desenvolvimento de colaboradores, o Plano de Desenvolvimento Individual (PDI) vem sendo negligenciado por empresas no Brasil. Pesquisa da Mereo mostra que apenas 60% das companhias avaliadas possuem PDIs cadastrados, com queda no engajamento de 2022 para 2023.

Ivan Cruz

4 min de leitura
Tecnologias exponenciais
A inteligência artificial (IA) está revolucionando o mundo dos negócios, mas seu avanço rápido exige uma discussão sobre regulamentação. Enquanto a Europa avança com regras para garantir benefícios éticos, os EUA priorizam a liberdade econômica. No Brasil, startups e empresas se mobilizam para aproveitar as vantagens competitivas da IA, mas aguardam um marco legal claro.

Edmee Moreira

4 min de leitura
ESG
A gestão de riscos psicossociais ganha espaço nos conselhos, impulsionada por perdas estimadas em US$ 3 trilhões ao ano. No Brasil, a atualização da NR1 exige que empresas avaliem e gerenciem sistematicamente esses riscos. Essa mudança reflete o reconhecimento de que funcionários saudáveis são mais produtivos, com estudos mostrando retornos de até R$ 4 para cada R$ 1 investido

Ana Carolina Peuker

4 min de leitura
Gestão de Pessoas
Conheça o conceito de Inteligência Cultural e compreenda os três pilares que vão te ajudar a trazer clareza e compreensão para sua comunicação interpessoal (e talvez internacional)

Angelina Bejgrowicz

4 min de leitura
Liderança
Entenda como construir um ambiente organizacional que prioriza segurança psicológica, engajamento e o desenvolvimento genuíno das equipes.

Athila Machado

6 min de leitura
Empreendedorismo
Após a pandemia, a Geração Z que ingressa no mercado de trabalho aderiu ao movimento do "quiet quitting", realizando apenas o mínimo necessário em seus empregos por falta de satisfação. Pesquisa da Mckinsey mostra que 25% da Geração Z se sentiram mais ansiosos no trabalho, quase o dobro das gerações anteriores. Ambientes tóxicos, falta de reconhecimento e não se sentirem valorizados são alguns dos principais motivos.

Samir Iásbeck

4 min de leitura
Empreendedorismo
Otimizar processos para gerar empregos de melhor qualidade e remuneração, desenvolver produtos e serviços acessíveis para a população de baixa renda e investir em tecnologias disruptivas que possibilitem a criação de novos modelos de negócios inclusivos são peças-chave nessa remontagem da sociedade no mundo

Hilton Menezes

4 min de leitura
Finanças
Em um mercado cada vez mais competitivo, a inovação se destaca como fator crucial para o crescimento empresarial. Porém, transformar ideias inovadoras em realidade requer compreender as principais fontes de fomento disponíveis no Brasil, como BNDES, FINEP e Embrapii, além de adotar uma abordagem estratégica na elaboração de projetos robustos.

Eline Casalosa

4 min de leitura
Empreendedorismo
A importância de uma cultura organizacional forte para atingir uma transformação de visão e valores reais dentro de uma empresa

Renata Baccarat

4 min de leitura