Os cenários desenhados para as instituições educacionais durante e após o período da suspensão das atividades presenciais por conta da pandemia da Covid-19 não são muito animadores.
Os impactos negativos econômicos se abatem sobre escolas e instituições de educação superior, sejam estas públicas ou privadas. As que dependem de mensalidades veem-se diante de famílias e estudantes com menor renda ou afetados pelo desemprego. Os impactos fiscais com a desaceleração da economia reduzem as possibilidades de financiamento público nos âmbitos Federal, estadual e municipal.
A pandemia impôs o distanciamento social a cerca de 1,4 bilhão de estudantes e 63 milhões de professores em todo o mundo, que ficaram impedidos de frequentar os espaços físicos das escolas e instituições de educação superior. No Brasil, são mais de 55 milhões de alunos que ficaram privados das atividades presenciais, da Educação Infantil à Pós-Graduação.
Problemas encontrados para realizar as atividades acadêmicas
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Trata-se de uma situação inédita pela escala alcançada e a velocidade com que os fatos se desdobraram. As medidas tomadas para tentar diminuir o prejuízo dos estudantes escancaram uma série de problemas no segmento educacional, já percebidos antes da pandemia.
Foi preciso reorganizar as atividades acadêmicas e muitas instituições tentaram migrar para o ensino remoto emergencial, diante da possibilidade de longa duração da suspensão das atividades escolares presenciais por conta da pandemia da Covid-19. Nem todas conseguiram.
Há um aumento da evasão e da inadimplência, com notícias alarmantes sobre centenas de instituições educacionais sob o risco de fecharem as portas devido ao estrangulamento do fluxo de caixa e dificuldades com endividamento. Alunos de escolas públicas são os que correm o maior risco de terem o ano perdido, seja pela falta de acesso ou pelas dificuldades inerentes a uma mudança desse porte em tão pouco tempo.
Veio à tona a desigualdade do acesso às Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC). Em 2019, eram 20 milhões de domicílios brasileiros que não tinham acesso à Internet, 28% do total. Além disso, dos que tinham acesso, 58% acessaram a Internet somente pelo celular – muitas vezes por planos que não contemplam largura de banda adequada para assistir a uma videoaula, por exemplo.
Essa precariedade se agrava na população mais empobrecida e coincide com os extratos sociais onde é mais crítica a chamada Crise de Aprendizagem, a constatação de que muitos dos alunos chegam ao final de sua jornada na escola e na Educação Superior com profundos déficits em relação ao que deveriam ter aprendido.
Aula remota é diferente de EAD
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O regime emergencial de aulas remotas ora adotado por várias instituições educacionais e sistemas de ensino é algo muito diferente de um programa de Educação a Distância (EAD) de boa qualidade.
Há 25 anos de pesquisa e desenvolvimento da EAD online que demonstram que a aprendizagem por esses meios requer um trabalho cooperativo, desenvolvido por equipes que incluem professores, designers instrucionais, desenvolvedores, bibliotecários e, muitas vezes, ex-alunos e stakeholders externos, tais como empregadores.
Portanto, o que o Brasil e mais 190 países vivenciam na pandemia é uma situação emergencial, onde as respostas são as possíveis, ainda que longe do ideal. Num esforço que pode ser considerado de caráter humanitário, milhares de escolas brasileiras lutam bravamente para manterem a oferta de atividades a distância para crianças, adolescentes e jovens nesse período de distanciamento social.
Como fazer uma EAD de qualidade
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Em nenhum país do mundo há programas de EAD aplicados para crianças da Educação Infantil ou das séries iniciais do Ensino Fundamental. As TIC são crescentemente adotadas pelas escolas junto a essas faixas etárias de uma maneira complementar ao presencial, para enriquecer as relações de ensino-aprendizagem e promover a alfabetização digital.
Um programa de EAD de boa qualidade exige que os docentes sejam previamente capacitados para atuarem de forma competente nesse novo universo. Alunos e professores precisam contar com suporte técnico e administrativo adequados. A concepção dos currículos e dos materiais didáticos deve levar em consideração as características intrínsecas ao modelo pedagógico adotado.
Por exemplo, é preciso definir qual a frequência, duração e objetivos das atividades síncronas a distância – quando professor e aluno estão em comunicação simultânea, por videoconferência, texto ou áudio.
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Figura 1: O continuum da Educação a Distância
O tamanho da turma acompanhada e a carga horária atribuída ao docente para esse trabalho na EAD são aspectos a serem levados em conta. Pois a abrangência e a profundidade que caracterizam a mediação que se estabelece pelo diálogo humano são as pedras de toque que vão indicar o maior ou menor desempenho da aprendizagem. É nessa variável que a escola se diferencia de um mecanismo virtual de busca, de uma editora ou de uma emissora de televisão.
Uma das características da EAD é a perda da privacidade do espaço da sala de aula. Alguns docentes consideram que a liberdade acadêmica é comprometida quando as atividades que desenvolvem com seus alunos são expostas nos meios digitais. Na prática, o que se observa é que os bons professores tornam-se ainda mais admirados quando contam com o suporte adequado e se dedicam com criatividade à realização de cursos não presenciais.
As formas de entrega do conteúdo e os meios disponíveis para a interação entre professores e alunos são recursos da maior importância. Apesar do louvável esforço de gestores, professores e corpo administrativo, talvez esses sejam os aspectos mais preocupantes do momento atual do regime emergencial de aulas remotas. Um problema que não é exclusivo das escolas brasileiras.
A capacitação prévia do corpo docente é fundamental para atuar competentemente nesse novo mundo. O planejamento das atividades, a concepção de novas formas de avaliação, a produção e disponibilização organizada de objetos de aprendizagem se somam à mediação que privilegie a participação mais colaborativa e menos centrada nas aulas expositivas.
Estratégias para a transformação digital na educação
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Os sistemas educacionais permanecerão expostos e vulneráveis, se pensamos em simplesmente reverter ao que fazíamos antes da crise da escola vazia ou se nos basearmos diretamente no que estamos emergencialmente praticando.
Uma oportunidade que a pandemia trouxe foi acelerar a mudança de larga escala necessária na educação. Há um desalinhamento gritante entre a formação oferecida pelas instituições educacionais, a regulação governamental para o setor, as demandas das organizações e o perfil dos estudantes – sejam os da “Geração Internet” ou os adultos da população economicamente ativa que precisam continuar a estudar por toda a vida.
A transformação digital é exigida para adequação à chamada Sociedade da Informação, marcada pela aceleração da cultura propiciada pela globalização e o uso intensivo de tecnologia, tanto na automação de processos produtivos quanto nas relações que as pessoas estabelecem no universo digital. As máquinas e softwares são parceiros cada vez mais presentes em todas as atividades produtivas, como ilustrado pela figura 2.
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Figura 2. Cenários para o trabalho pareado: Níveis de automação
O modelo linear de educação, emprego e carreira não será mais suficiente no futuro, exigindo novas combinações de competências, habilidades, experiências e colaboração de instituições educacionais e organizações.
É bom rever Mintzberg (2001, p.121)*, que já alertava que de vez em quando há uma descontinuidade realmente significativa no ambiente, quando tudo o que é importante parece mudar de uma só vez, cabendo aos gestores administrar dentro de uma determinada orientação estratégica na maior parte do tempo e ainda identificar a transformação que realmente importa – isso é a essência da administração estratégica.
*MINTZBERG, H.; QUINN, J. B. O processo de estratégia, 3ª ed. Porto Alegre: Bookman, 2001.