Dossiê HSM

Fábrica de tintas investe em rede social de pintores

Insatisfeita com as ferramentas tradicionais de marketing, a pernambucana Iquine, terceira maior produtora de tintas do Brasil, resolveu investir na criação de uma comunidade online para conectar pintores de todo o País. Nas próximas páginas, a empresa explica como e por que decidiu lançar essa espécie de rede social, e quais os impactos já sentidos em uma indústria tradicionalmente marcada por relações analógicas entre fabricantes, prestadores de serviços e clientes.

Magaly Marinho e Socorro Macedo

Magaly Marinho é diretora de marketing e inovação da Iquine e líder do projeto Iclub....

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A transformação digital mudou a forma como setores de marketing impactam e interagem com seu público. A lógica broadcast, com uma comunicação em massa interrompida por anúncios, tem cada vez menos impacto. Clientes estão em rede, conectados, com poder de interferir – de forma global – nas escolhas e na percepção de outros consumidores. Aprofundar-se nesses clientes, antes mesmo de construir estratégias (que precisam, cada vez mais, ser customizadas às necessidades deles), é algo essencial à competitividade e ao sucesso das empresas.

Isso vale para qualquer setor. A Tintas Iquine vem apostando, desde 2021, na construção de uma comunidade online de pintores. A empresa vinha sentindo a necessidade de buscar novas formas de estar mais próximos do público, que é bombardeado por informações de todos os lados e, ao mesmo tempo, ignora cada vez mais as fórmulas de marketing tradicionais que a indústria geralmente utiliza. Para isso, a Iquine resolveu investir em uma plataforma focada em seu público prioritário, os pintores, que têm papel preponderante na jornada de compra da maioria dos clientes. Afinal, quem está pintando a casa, por exemplo, vai escutar com atenção redobrada as recomendações de seu pintor de confiança, um profissional com conhecimentos técnicos e com relacionamento estruturado com o varejo especializado, como home centers e armazéns. A ideia era extrapolar o ambiente físico nesse contexto ainda muito analógico e incorporar o digital e o social para amplificar o relacionamento, dando oportunidades para os pintores trocarem informações e aprendizado com os colegas.

## Design thinking
Os modelos tradicionais que envolvem pesquisas quantitativas – sem profundidade no cliente, uma formulação de personas desenvolvidas sem metodologia, que consideram apenas dados demográficos e geográficos – não atendiam aquilo que a empresa desejava compreender sobre os pintores. Era preciso mudar algo. Para tanto, a Iquine se uniu à consultoria LeFil para construir a plataforma por meio do design thinking.

A primeira etapa foi descobrir os interesses comuns dos pintores, de modo que a empresa pudesse se familiarizar com contextos e dinâmicas do dia a dia dos profissionais. Em seguida, nós buscamos mapear as melhores tecnologias para atender melhor as demandas necessárias dos pintores. Por fim, houve uma fase de testes de técnicas de engajamento de conteúdo e recompensas implementadas, monitorando os indicadores e fazendo revisões para novas técnicas.

A ideia era oferecer uma experiência significativa para o público, com trocas relevantes, informação e conteúdo produzido tanto pelo time técnico da empresa como por parceiros de negócios, além, é claro, dos próprios pintores. Para se aprofundar nessas pessoas, nós, da Iquine e da LeFil, recorremos ao design estratégico, com seus processos e ferramentas, a fim de construir uma nova forma de fazer marketing para os pintores.

Pelo menos cinco ferramentas de design foram aplicadas, como Matriz CSD, entrevista com profundidade com os pintores – com duração de mais de uma hora e forma semiestruturada —, mapa de afinidades, pesquisas de mercado modernas, mapa de jornada do cliente, personas desenvolvidas para representar o cluster de pintores segmentados por padrão de comportamento a partir de dados demográficos, geográficos, psicográficos e comportamentais. O processo envolveu diversas áreas da organização, como marketing, atendimento ao cliente e comercial, equipes multidisciplinares, estrategistas, marqueteiros, comunicação, design e negócios. Os pintores entrevistados podiam ou não ter relacionamento com a empresa.

Identificamos duas personas, batizadas de Carlos e Rinaldo. Elas foram construídas depois de 45 dias de estudos para entender interesses, motivações e aversões no dia a dia dos pintores. Carlos e Rinaldo representam tanto o grupo de pintores segmentados por mindset de negócios como o dos pintores formalizados e não formalizados. Essa segmentação também foi identificada a partir de métodos e ferramentas de design.

Ao final, compartilhamos todos os insights gerados, construídos em colaboração com cinco pintores, dentro da empresa. Quatro premissas foram definidas para a criação da estratégia junto aos pintores:

1. Geração de valor para os pintores, no ponto de vista profissional e pessoal.
2. Menos “textão” e mais visual. Explorar formatos de acordo com o nível de escolaridade deles.
3. Linguagem, datas e horários são importantes. É preciso entender a jornada de trabalho dos pintores
4. Recorrência e constância no projeto a ser desenvolvido.

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Assim, a Iquine elaborou o plano modelando a plataforma e suas entregas e saiu da abordagem tradicional, utilizando novos processos e ferramentas para criar algo mais conectado com as necessidades do seu público.

## Nasce o Iclub
O entendimento profundo desses pintores fez surgir o modelo atual do Iclub, uma comunidade dedicada a eles, com objetivo de conectar os pintores e oferecer conteúdos, cursos, promoções e trocas de experiências relevantes para cada microssegmento encontrado. Trata-se de um tipo de comunidade orientada de acordo com os interesses, em que os usuários estão reunidos em torno de um tema comum, trocam ideias e fazem suas contribuições e tiram dúvidas. Os membros assumem ora papel de especialistas, ora de consumidores com dúvidas sobre aplicação de produtos ou técnicas de pintura, por exemplo.

![Thumbs HSM 157 Prancheta 1 cópia 8](//images.ctfassets.net/ucp6tw9r5u7d/53BcvBLFkZKmJmZTRsn2hA/a9eb34fbf1dc1cf83bd698450e98b866/Thumbs_HSM_157_Prancheta_1_c__pia_8.png)

Além dos fóruns, o Iclub oferece também ensino, por meio de suas escolas: o Técnico é voltado à capacitação e treinamentos técnicos. Negócios é focado em temas para crescimento dos pintores como empreendedores e estratégias para seus negócios. Tendências traz conteúdos focados nas mudanças e novidades no setor de tintas e decoração. A plataforma tem ainda várias soluções de aprendizagem, como apresentações expositivas, vídeos, conteúdos, fóruns de debates, comentários e quiz. O pintor pode criar um mural próprio para compartilhar suas produções e aprendizados, o que aumenta a sensação de uma rede social criada para eles.

Toda a tecnologia, os recursos técnicos, de conhecimento e administrativos, além da gestão e monitoramento da comunidade, são um investimento da Iquine para inovação no marketing. Como retorno, a empresa consegue acompanhar sugestões sobre seus produtos, gerar mais valor para os pintores e se atualizar sobre o comportamento deles. Em breve, todas as informações – já organizadas e coletadas – contribuirão para decisões de negócios em tempo real e intervenções no mercado.

Para a gestão do projeto do Iclub, utilizamos a metodologia Scrum, ideal para se ter agilidade em projetos de inovação complexos, segmentados em ciclos chamados sprints. O primeiro sprint foi o de lançamento, dividido em quatro fases: planejamento, alfa, beta e go live. No momento alfa, o Iclub foi lançado apenas para quatro pintores do time de parceiros da Iquine, como teste para melhorias rápidas e focado na experiência do usuário e na coleta de observações e ideias. Na beta, os primeiros usuários convidaram mais pintores de forma exclusiva, totalizando 45 membros. Realizamos todas as revisões e melhorias de acesso, de conteúdo e de tecnologia. Já no go live aconteceu a abertura total da comunidade, após cinco meses de fases preliminares. Atualmente, o projeto está no seu segundo sprint, com foco maior na comunidade e criação de programa de fidelidade.

Ingredientes de marketing como mídia paga, orgânica, inbound marketing e marketing de conteúdo, por exemplo, são utilizados na estratégia do Iclub, mas são aplicados em uma lógica de marketing em rede, a fim de potencializar e gerar mais efeitos, que criem massa crítica, com mais gente utilizando a comunidade e influenciando cada vez mais pessoas.

A Iquine apostou em réguas de relacionamento automatizadas e personalizadas por e-mail, SMS e WhatsApp para o momento de cada pintor na plataforma, comunicação para os mais e os menos engajados e os que mais influenciam a rede, por exemplo. A aplicação de melhorias estruturais na plataforma do Iclub foi outro ponto importante para a facilitação do acesso, com o objetivo de manter o engajamento dos pintores. Insights para aperfeiçoamento da comunidade eram colhidos diariamente, buscando deixar a experiência do pintor mais fácil.

As estratégias do Iclub não se limitam apenas ao mundo digital. Elas são executadas em três dimensões – física, digital e social – de modo complementar e não excludente. No mundo físico, a Iquine realiza, por ano, em torno de 400 encontros presenciais junto com seus parceiros do varejo e aproveita a oportunidade para divulgar o Iclub e ativar as redes desses parceiros. Na ocasião, são ofertados conteúdos que se conectam com o Iclub por meio de um QR code, em que os pintores podem na mesma hora acessar a plataforma e começar a fazer parte dela.

## Pintor: o protagonista da comunidade
Em menos de um ano, a comunidade do Iclub conquistou mais de 5 mil pintores. As estratégias de captação renderam uma alta taxa de conversão. Uma atração que gerou engajamento importante: 85% dos conteúdos postados no Iclub foram criados pelos próprios pintores, organicamente, a partir do seu engajamento com outros pintores.

“Para mim, o Iclub tem proporcionado conhecimento, aprendizado e muitas técnicas de pintura”, disse o profissional Milton Toschi, do @pintorempreendedor_1. “Posso ver trabalhos de outros pintores do Brasil. O Iclub veio em uma ótima hora, com oportunidades de crescimento profissional.” Já o pintor Gabriel Alves acredita que o Iclub foi uma inovação para a área. “É um local onde nós, pintores, nos sentimos à vontade para debater vários assuntos de decoração e pintura. Além disso podemos conhecer novos colegas de profissão, postar trabalhos e fazer cursos”, disse.

## Os ganhos para a empresa
Terceira maior indústria de tintas no Brasil, sendo a maior no País com capital 100% brasileiro, a Iquine possui cerca de 800 colaboradores, que contribuem na formulação e na venda de mais de 250 produtos. São duas fábricas, uma em Pernambuco e outra no Ceará, que somam mais de 130 mil metros quadrados e produzem 220 milhões de litros por ano. A Iquine tem mais de 20 mil clientes ativos no Brasil e está presente em 40% dos lares do Nordeste, onde é líder do setor. No território nacional, a empresa possui 11% de market share nacional.
Nesses dois anos de Iclub, a iniciativa já trouxe alguns números positivos para a empresa:

– Relacionamento e proximidade com mais de 3 mil pintores de todo Brasil.
– Redução no investimento em custo de aquisição e manutenção do marketing em 44%, se comparado com estratégias tradicionais de marketing.
– Insights recorrentes sobre produtos da empresa.

## Desafios e aprendizados
Ao escolher uma estratégia de comunidades, um dos desafios é tentar compreender os contratos sociais, as ações e as reações dos seus membros. Isso pode estar explícito ou implícito, mas, de qualquer forma, precisa ser entendido pela organização para que se construa uma base de confiança, um quesito importante na governança da comunidade e na construção de um marketing em rede.

Entre os aprendizados do projeto, estão pontos que precisam ser refletidos pela organização:

### Poder e transparência
A empresa está preparada para abrir mão do controle do que as pessoas vão falar? Se você respondeu “não”, esse caminho não é para sua organização. Precisa existir uma cultura, ou líderes, que tenham ciência de que esse controle não vai estar na mão apenas da empresa. A organização não é mais o centro, mas uma orquestradora de redes. Ela precisa entender como desenhar e articulá-las em prol do negócio.
Propósito Por que as pessoas vão querer participar da comunidade? Crie um espaço que seja relevante e de interesse para as pessoas. Mas isso você só saberá ao lado de especialistas. No nosso caso, os pintores.

### Conteúdo
Qual será sua oferta? O desafio aqui é a manutenção dos conteúdos de forma constante, perene, o que requer investimento, também, em diversos formatos. Os usuários precisam estar na comunidade e, idealmente, produzir conteúdo, interagir com o que outros produzem. Para isso fluir, não vale ficar falando apenas do seu produto e o que você deseja passar. Não é broadcast, mas socialcast. Lembre-se: a publicidade não é o fator principal. A tentação de querer vender é grande e você sofrerá muita influência dos executivos que ainda precisam compreender que a venda é uma consequência.

### Tecnologia
Que ferramentas você irá utilizar? Elas suportam o crescimento da comunidade e já foram testadas? Esse foi um desafio para a Iquine, que precisa oferecer uma experiência melhor para os pintores, mais acessível e simples para todos. Busque parceiros com experiência, que invistam em tecnologia e que estejam aptos a criar melhorias para você.

### Participantes
Como fazer crescer a massa crítica com pessoas cada vez mais interessadas na troca de valor com a comunidade? É preciso investir em ampla divulgação de forma segmentada, mas, principalmente, deve-se ativar outras redes em toda a sua cadeia de valor. No caso do Iclub, os grupos de Facebook e WhatsApp ajudaram a trazer mais pintores, assim como as próprias redes de contatos de outros pintores e parceiros.

### Interação
Ofereça suporte e atendimento ao cliente, escute e sempre tenha respostas às perguntas. Solucione problemas e forneça assistência personalizada. Isso ajudará a construir confiança. Tenha uma equipe com gestor de comunidades e monitoramento dedicados ao projeto, de modo que prestem todo o suporte necessário ao projeto.

### Engajamento
Como os participantes podem ser mais ativos, ampliando para a criação e o desenvolvimento das comunidades junto com a empresa? No nosso caso, os pintores, a todo momento, estão sugerindo melhorias, sejam de produtos, sejam sobre a plataforma ou até mesmo sobre processos da empresa. Sua organização está aberta a isso? Estimule a participação ativa dos membros da comunidade. Além disso, crie oportunidades para que os membros se conectem e interajam entre si, dentro e fora da plataforma, em encontros presenciais. No Iclub, como em qualquer rede social, eles podem produzir conteúdo e comentar no de outros participantes. Mas os pintores também são convidados a produzir conteúdo junto com a Iquine. Além disso, participam de eventos presenciais assinados pelo Iclub em feiras do setor e promovidos pela empresa.

### Segurança e privacidade
Que mecanismos na plataforma promoverão a privacidade e a segurança das pessoas? É importante envolver o jurídico, ficar atento à LGPD e acompanhar a plataforma tecnológica e como ela está estruturada para garantir isso. Seu parceiro está de acordo com as exigência da LGPD, por exemplo?

### Investimento
Comunidades requerem recursos, criar produtos, ter colaboradores envolvidos, investimento em tecnologia. Não é tão simples quanto parece e não significa apenas abrir um canal e deixar as pessoas falarem. É uma jornada dura e que requer tempo para ter resultados, mas que será perene e recorrente quando estiver implementada. O aproveitamento e os ganhos para as marcas é enorme.

### Experimentação
Você precisa estar aberto à inovação e às mudanças de rota. Aquilo que foi planejado pode mudar. Importante deixar isso alinhado com a direção antes de tudo, porque o erro vai fazer parte do aprendizado, e o retorno não vem com apenas um ano de projeto.

Uma nova era do marketing já está aqui entre nós. Precisamos construir estratégias e operar o marketing de maneiras mais inovadoras. Não podemos mais utilizar fórmulas tradicionais e históricas, que, na prática, são mais centradas nas organizações e no produto, com relativamente pouca profundidade nas pessoas e nas suas necessidades. Precisamos de um marketing que se dedique a descobrir, criar, despertar e satisfazer as necessidades das pessoas como clientes. A mudança tem que acontecer agora, e só vai conseguir chegar lá quem desenhar o seu futuro hoje, sem se inspirar no passado.

__Leia também: [O desafio das várias experiências de trabalho híbrido](https://www.revistahsm.com.br/post/o-desafio-das-varias-experiencias-de-trabalho-hibrido)__

Artigo publicado na HSM Management nº 157.

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