Fora do tempo e do espaço, talvez fosse improvável imaginar qualquer linha que me ligasse a Ada Lovelace. Mais improvável ainda seria incluir, nesse mesmo traço, o CESAR, centro de inovação nascido no Recife e a caminho de completar três décadas. Ada viveu em uma Londres de velas e vapor, em 1815. Eu nasci mais de um século depois, em outra geografia, outra linguagem. E ainda assim, há um fio.
Sou engenheiro eletrônico por formação, diploma datado de 1987, pela Universidade Federal de Pernambuco. Meu ofício, por muito tempo, foi feito de cálculos e circuitos, do pensamento técnico herdado da engenharia. Era um mundo com margens bem definidas, onde o que não era exato parecia não caber. Mas a vida, essa tecnologia mais antiga, é feita de desvios.
Foi no CESAR, hoje mais completo centro de inovação e conhecimento do Brasil, que meu caminho começou a dobrar. Cruzou com o dos designers, e com eles aprendi a olhar. Aprendi que forma também é função, que empatia não é ruído, é código. Minha rigidez se dissolveu em colaboração, meu raciocínio se reprogramou. A lógica cedeu espaço à escuta.
Mas, antes de revisitar a história do CESAR, voltemos a Ada. Uma mulher jovem cuja formação familiar a aproximou das letras rimadas. Mulher em um tempo que não previa mulheres assim. Filha do poeta britânico Lord Byron (sim, aquele que é símbolo do Romantismo, autor do poema Don Juan, escrito no século XIX), Ada trazia as palavras no DNA, mas seguiu outro caminho.
Por incentivo da mãe, estudou matemática. A futura condessa de Lovelace cresceu com uma mente inquieta, moldada pela lógica e pelo lúdico. Entre compromissos da corte, um jantar a levou a conhecer Charles Babbage, o cientista que falava de engrenagens como quem recitava versos. Ele criou uma máquina para resolver equações polinomiais: a difference engine, e despertou a curiosidade de Ada.
Segundo o historiador britânico Richard Holmes, os dois habitavam a Age of Wonder, aquela era de espanto em que a ciência ainda era encantamento.
Foi esse espanto que levou Ada a trilhar o caminho entre arte e ciência. Quando Menabrea descreveu, em francês, a máquina calculadora de Babbage, Ada não se limitou a traduzir o conteúdo, inseriu ali suas “notas do tradutor”, que acabariam sendo mais relevantes do que o texto original.
E, no encontro entre arte e tecnologia, havia o que talvez se possa chamar de inovação, uma palavra tão repetida nos tempos atuais e, ainda assim, tão adequada ao contexto aqui narrado. Inovação é uma palavra que não cansa, nem seu significado.
É essa sinergia que sigo buscando, desde quando, no início dos anos 2000, conheci os designers que mencionei alguns parágrafos acima. Na minha busca pelo inovador, muitas vezes recorri a Ada para reforçar meus argumentos: “Não acredito que meu pai tenha sido (ou pudesse ter sido) um poeta como eu serei uma analista, pois comigo os dois vão juntos indissoluvelmente”, ela dizia.
A inovação não se desenvolve em uma única perspectiva. John Maeda, em uma palestra do TED, falou sobre a importância da união entre arte, tecnologia e design na formação de líderes mais criativos. Com uma trajetória que combina engenharia, ciência da computação e design, Maeda defende que a arte é eficaz justamente por ser enigmática: ela nos ajuda a questionar certezas, a explorar o desconhecido e a fazer perguntas melhores.
Essa visão integradora ecoa um alerta feito décadas antes. No ensaio “The Two Cultures”, publicado na revista New Statesman na década de 1950, o físico e romancista C.P. Snow lamentava a cisão entre as ciências e as humanidades. Para ele, essa separação limita nossa capacidade de compreender o mundo e de resolver os grandes desafios da sociedade. Era preciso construir pontes e entre laboratórios e bibliotecas, entre engenheiros e poetas.
O mesmo pensamento está na base do CESAR. Sediado no Recife, o centro de inovação foi criado em 1996, unindo referências do movimento cultural Manguebeat com a pesquisa acadêmica e as necessidades do mercado. Ali, o rigor técnico encontrou a inquietação criativa. E eu, engenheiro de formação, reencontrei o espanto (não no sentido assustador, mas aquele mesmo da Age of Wonder).
Ao longo dos anos, ocupei diferentes funções dentro da instituição, uma das mais relevantes do ecossistema do Porto Digital. Minha posição atual, como CEO, ampliou responsabilidades e exigiu um olhar mais estratégico. Mas estratégia não dispensa ideação, certo?
Inovação só acontece em ambientes que acolhem a ambiguidade, que toleram o inacabado, o impreciso e que estimulam o diálogo entre diferentes saberes. É nesse território fértil que artistas, designers, matemáticos, físicos e engenheiros industriais conseguem, juntos, construir soluções verdadeiramente transformadoras.
Tal como Ada, que ousou cruzar domínios e lançar as bases do que viria a ser a computação moderna, o CESAR tem sido, por meio dos mais de 1400 colaboradores, centelha para interseções. Seja no desenvolvimento de soluções robustas e escaláveis, no impulsionamento tecnológico de startups ou na formação de novos talentos pela CESAR School, o centro é um ponto de encontro constante entre pensamento técnico e sensibilidade criativa.
Encerro este artigo fazendo um convite para que você também inove ao escrever nas entrelinhas do tecnológico e do artístico.
Referências
https://www.nationalgeographicbrasil.com/ciencia/2023/10/a-primeira-mulher-programadora-da-historia-previu-a-existencia-da-inteligencia-artificial