Como uma startup começa a existir? Há muitas respostas possíveis, mas, na visão do empreendedor serial canadense Daniel Debow, o primeiro movimento é esforçar-se ao máximo para desaprovar cada uma das ideias iniciais com base em dados, em conhecimento. Pelo menos, essa é a lição que vem dos fundadores da startup canadense Helpful, um app para envio de mensagens curtas de vídeo entre colegas de trabalho, que tem por objetivo facilitar a comunicação profissional.
Essa abordagem lembra a do machine learning, em que as máquinas vão melhorando conforme são alimentadas por dados. Ela é adotada no Creative Destruction Lab (CDL) da Rotman School, o programa de fomento a startups tecnológicas que o próprio Debow ajudou a criar em 2012. Segundo essa visão, startups não precisam apenas de experimentos; startups precisam de conhecimento.
**TENDO ROGER MARTIN COMO PROFESSOR**
“Nosso processo foi profundamente influenciado pelo pensamento de Roger Martin, ex-diretor da Rotman School of Management, bem como por Steve Blank e Eric Ries”, explica Daniel Debow.
Seguindo o conselho de Martin no livro _Jogar para vencer_, o trio começou decidindo o campo de jogo. Eles criaram um filtro inicial para suas ideias perguntando: “O que queremos conquistar?” e “Onde queremos investir nosso tempo?”. Eles sabiam, por exemplo, que não queriam criar uma fábrica de peças automotivas. “Queríamos algo que tornasse o cotidiano mais produtivo e mais fácil para o máximo de pessoas possível”, explica Debow.
Na lista inicial, estavam uma universidade com fins lucrativos mas gratuita; um serviço de manutenção de residências; uma plataforma de networking estilo LinkedIn para operários e um diretório profissional superinteligente impulsionado por inteligência artificial.
“Para cada ideia, usamos a abordagem de Martin e perguntamos: ‘Para isso ser bem-sucedido, quais quatro ou cinco coisas precisam ser verdadeiras?’”, explica Debow. A equipe trabalhou assim com cada ideia, fazendo essa pergunta e chegando ao que se tornou uma série de hipóteses – uma lista de coisas que tinham de ser verdadeiras para que a ideia seguisse adiante. “Em seguida, sob cada conceito, ranqueamos cada hipótese de ‘mais fácil de desaprovar’ até ‘mais difícil de desaprovar’. Em alguns casos, um dos ‘pontos de prova’ era muito improvável de sequer acontecer, então a ideia foi descartada.”
O foco, explica Debow, estava muito mais em “o que podemos desaprovar quanto à validade da ideia” do que em “o que podemos provar”. “Tentamos ativamente provar que estávamos errados. E se não conseguíamos – se todas as coisas que ‘tinham de ser verdadeiras’ eram realmente plausíveis – mantínhamos a ideia viva.” Para as ideias que conseguiram chegar a esse estado crítico, a equipe construiu protótipos e testou-os com pessoas para receber feedback e melhorá-las.
Por fim, prosperou a ideia do diretório profissional turbinado por inteligência artificial que permitiria a pessoas em toda a organização saber no que seus colegas estavam trabalhando e como estavam avançando, em tempo real. “Quando testamos esse protótipo, tanto usuários como CEOs nos disseram: ‘Precisamos dessa ferramenta: sigam em frente’.”
Diante disso, a equipe não fez muita pesquisa de mercado convencional. “Fomos amplamente guiados por nossa intuição sobre o que sentimos que era um problema realmente grande para muitas organizações: compartilhamento de conhecimento entre funcionários. Nós mesmos tínhamos experimentado essa dor e muita gente nos disse que sentia a mesma coisa.”
O grupo trabalhou por nove longos meses na ideia até que, de repente, algo pareceu não estar indo bem. Em vez de seguir adiante, os fundadores decidiram deixar o projeto em banho-maria por um tempo e espairecer. Eles instruíram seus funcionários a passar uma semana inteira trabalhando naquilo que quisessem.
O movimento valeu a pena. Dois funcionários trouxeram um conceito promissor, relacionado com a ideia inicial: um app de celular que permitiria aos funcionários enviar um ao outro vídeos para compartilhar informações sobre seu trabalho – um tipo de “correio de voz em vídeo”.
Nas semanas seguintes, a equipe toda começou a testar o protótipo. “Muitos de nós passávamos muito tempo longe do escritório, viajando para reuniões, e descobrimos que quando usávamos a ferramenta nos sentíamos mais próximos e mais conectados a nossos colegas. Simplesmente não sentíamos aquela dor de estarmos separados de nossa equipe.”
Sem contar que não tinham mais de escrever longos e-mails um para o outro, o que os fazia ganhar tempo e evitava interpretações erradas de tom e conteúdo. “Olhamos um para o outro uma hora e dissemos: ‘É melhor do que a ideia original’”, conta Debow.
**PIVOTANDO**
O trio então decidiu pivotar e mudar de foco. E não foi tudo só baseado em instinto: com base em pesquisas anteriores, eles sabiam que o envolvimento dos funcionários é um grande calcanhar-de-aquiles nas organizações atuais: segundo a Gallup, 70% dos funcionários não estão realmente envolvidos com seu trabalho. Vários outros dados incentivaram a decisão: acredita-se que o conteúdo de vídeo representará 75% do tráfego de dados global por celular em 2020; em 2022, funcionários por celular representarão 42% da força de trabalho global; e todos os dias as pessoas enviam milhões de mensagens de vídeo por Snapchat, Instagram e Facetime.
**SAIBA MAIS SOBRE A HELPFUL**
O nome para a empresa é simples e fácil de lembrar: Helpful (útil, em português). Em alguns sentidos, lembra a startup brasileira Samba Tech, fundada em 2004 e que hoje já é a maior plataforma de vídeo da América Latina, pois se dedica à comunicação em vídeo no meio corporativo. Também lembra o Skype e os hangouts do Google. Mas, diferentemente da Samba Tech, Helpful é um aplicativo de celular, e não se limita a vídeo; usa a inteligência artifi cial, em especial em machine learning, para transformar arquivos de áudio em texto. E diferentemente de Skype e Google, funciona de modo assíncrono.
Por que vídeo? O teórico da comunicação Marshall McLuhan bem disse: “o meio é a mensagem”, e o empreendedor Daniel Debow acredita que isso vale para a Helpful. “O que McLuhan quis dizer é que a forma como uma mídia se integra a qualquer mensagem que transmite infl uencia como a mensagem é percebida. Se você quer engajar pessoas, precisa usar uma mídia atraente, autêntica e humana.” Mensagens de vídeo – com sua habilidade de transmitir um signifi cado mais profundo por meio da expressão facial, linguagem corporal, tom de voz e infl exão – podem melhorar signifi cativamente o aspecto mais importante de empresas bem-sucedidas: relações com e entre funcionários.
Foi criada por Daniel Debow, empreendedor que foi um dos fundadores da Workbrain, empresa vendida por US$ 227 milhões para a norte-americana Infor Global Solutions, pelo matemático Farhan Thawar, que já atuou na Microsoft e na Celestica, e por David Pardy, também físico e matemático.
Disponível nas lojas da Apple e Google Play desde o começo de 2017, a Helpful já é utilizada por grandes companhias aéreas, bancos, redes de supermercado, agências de publicidades e empresas de tecnologia, além de, é claro, muitas startups. A equipe continua melhorando suas características, funcionalidade e interface de usuário.
Até hoje, a maior parte da atividade do usuário e do desenvolvimento de apps em mensagens de vídeo ocorre no ambiente do consumidor fi nal, mas a equipe acreditava profundamente que o mundo empreendedor viria em seguida. Muitos locais de trabalho já estavam usando Skype e hangouts do Google, sim, mas esse app seria diferente. Essas ferramentas são o que é conhecido como “comunicação sincrônica”: você precisa estar ali, no seu computador ou dispositivo, ao mesmo tempo em que as pessoas com as quais está se comunicando. Já o app Helpful seria “assíncrono”, para que os usuários pudessem enviar mensagens de vídeo curtas a qualquer hora do dia para seus colegas. “Observamos todos esses pontos de prova – e soubemos que ‘isso aconteceria no trabalho’ porque toda organização precisa de ferramentas que fomentem uma comunicação mais humana e efi caz”, explica Debow.
Ao longo do caminho, os fundadores da Helpful trabalharam com o Creative Destruction Lab. Pelo CDL, os líderes da startup conseguiram se associar a grandes cientistas e pesquisadores de grandes empresas e instituições. Os insights que os fundadores da Helpful ganharam sobre a inteligência artifi cial permitiram o desenvolvimento da capacidade de reconhecimento de voz em seu app, que transcreve mensagens de vídeo, um recurso que eles consideram um diferencial importante entre seu produto e os outros existentes no mercado.
“Há momentos em que você quer enviar uma mensagem expressiva a alguém, mas essa pessoa não pode escutar o áudio na hora. Se você precisa digitar a mensagem, isso é trabalho extra; então, nos perguntamos: ‘Poderíamos usar avanços do machine learning para digitar pelas pessoas?’. Descobrimos que sim”, afi rma o sócio FarhanThawar.
**UMA EMPRESA NADA TÍPICA**
A experiência com o machine learning pode ser transposta para o próprio mundo das startups, confi rma Debow. Em suas palavras, “uma startup não é uma empresa típica; parece mais uma máquina de aprendizado”.