Artigo

Literatura pauta inovação

A ficção científica não fala só de tecnologia, mas também de conceitos que nos ajudam a entender as DINâmicas sociais
Professor nos cursos de Jogos Digitais e de Jornalismo da PUC-SP, traduziu dezenas de livros, entre os quais Laranja Mecânica e Belas Maldições. Como escritor, publicou entre outros Os Dias da Peste e BACK IN THE USSR (finalista do Prêmio Jabuti 2020).

Compartilhar:

Algum tempo atrás, meu ex-instrutor Neil Gaiman (autor de Deuses americanos e Good omens) me contou a seguinte história: quando esteve na China para um grande evento de ficção científica, encontrou-se com o ministro da ciência local e matou uma curiosidade. Por que agora estavam tão interessados no tema, depois de décadas em que o Partido Comunista Chinês proibiu a leitura e a escrita de obras do gênero?

O ministro explicou que, em uma pesquisa com cientistas, o governo descobriu que quase todos haviam lido ficção científica na juventude, e que foi isso o que despertou neles o amor pela ciência e pela tecnologia. Essas leituras deveriam ser estimuladas. Hoje, a China possui o segundo maior mercado do mundo, atrás somente dos EUA: em 2013, foram 400 mil títulos e US$ 8 bi de receita.
Nenhum gênero literário fala tanto de inovação quanto a ficção científica. E inovação não se restringe aos aspectos tecnológicos: ciências como sociologia, psicologia e administração estão na base de muitos livros de ficção científica, clássicos e contemporâneos. A seguir, alguns exemplos.

__Fundação__, trilogia de Isaac Asimov. A história de um think tank no futuro distante encarregado de preservar a cultura e a civilização humanas após a derrocada do Império Galáctico foi escrita com base no livro Declínio e queda do Império Romano, de Edward Gibbon. O livro gira em torno de Hari Seldon, criador da psico-história, que prevê grandes mudanças no curso da história e se prepara séculos antes, orientando os sucessores com mensagens pré-gravadas. Fundação mostra como planejamento pode mudar até o curso da História.

__2001, uma Odisseia no Espaço__, de Arthur C. Clarke. Esse clássico merece ser lido por várias razões, e uma pouco comentada é o embate entre homem e máquina. O astronauta Dave Bowman usa seu raciocínio e sua imaginação para encontrar maneiras de superar a inteligência artificial HAL 9000, que surta e começa a matar os tripulantes da nave espacial Discovery.

__Duna__, de Frank Herbert. Houve quem comparasse a história do jovem Paul Atreides – perdido num planeta inóspito e contando apenas com a ajuda de beduínos futuristas, os Fremen, para reconquistar o mundo que é o centro econômico da galáxia – com Lawrence da Arábia. É uma comparação válida: assim como T. E. Lawrence, tenente inglês que na Primeira Guerra Mundial conseguiu reunir várias tribos árabes para ajudar os Aliados a vencerem os alemães, Paul convence os Fremen de que sua luta poderá beneficiá-los, ao contrário dos invasores Harkonnen, conhecidos pela sua crueldade sem limites. Se existe um clássico na FC sobre liderança, é Duna.

__Nova York 2140__, de Kim Stanley Robinson. Robinson é um dos autores contemporâneos mais importantes, em qualquer gênero. Aqui, ele faz uma extrapolação com base nos dados sobre aquecimento global para mostrar uma cidade de Nova York semialagada depois do derretimento das calotas polares. Ao invés de escrever um livro-catástrofe, Robinson mostra o que aconteceria depois da inundação: uma cidade onde seus habitantes aprenderam a utilizar os recursos disponíveis e os princípios de autogestão para conviver nos andares mais altos de uma cidade que acaba virando uma espécie de nova Veneza (com vaporettos e tudo).

__O problema dos três corpos__, de Cixin Liu. Cixin Liu é considerado o Arthur C. Clarke chinês. Uma de suas histórias, Terra à deriva, virou filme e bateu recorde de bilheteria em seu país. Neste livro, ele cria uma trama de primeiro contato com extraterrestres que pode levar a humanidade às estrelas – ou à autodestruição. Os heróis da história são cientistas, e não militares, como em tantos filmes americanos, e isso faz toda a diferença.

__A mão esquerda da escuridão__, de Ursula K. Le Guin (Ed. Aleph). O terráqueo Genly Ai é enviado para o planeta Gethen para convencer seus habitantes a se juntar à comunidade galáctica. Só que os gethenianos são ambissexuais, sem sexo predeterminado (mudam de gênero de tempos em tempos), e o livro narra a dificuldade que Genly Ai tem em lidar com pessoas tão diferentes, especialmente quando percebe que está atraído por uma delas. Em tempos de intolerância, esse é um clássico necessário.

__História da sua vida e outros contos__, de Ted Chiang. O conto-título foi levado aos cinemas com o nome A chegada. Assim como o livro de Cixin Liu, a protagonista não é militar (militares nem aparecem no conto, aliás), e sim uma tradutora, a única capaz de interpretar a linguagem aparentemente indecifrável dos alienígenas.

__Sonhos de Einstein__, de Alan Lightman. O autor, que é físico, conta nesse romance uma história fictícia envolvendo o jovem Albert Einstein, que ainda está começando a elaborar a teoria da relatividade, alternando capítulos com 30 sonhos que mostram diferentes maneiras de se ver o tempo. Poético e intenso, é também um poderoso antídoto contra bloqueios criativos.

__A parábola do semeador__, de Octavia E. Butler. Butler conta a história de Lauren Olamina, uma mulher que lidera um grupo de refugiados dentro dos Estados Unidos após um colapso climático e uma guerra civil provocada por um presidente cujo slogan é Make America Great Again. Detalhe: o livro foi publicado em 1993. Olamina é uma líder nata, com resiliência inspiradora, e percorre o país com sua caravana em busca de uma vida melhor.

__The ministry for the future__, de Kim Stanley Robinson. Abro uma exceção e coloco mais um livro de Robinson nessa lista, por um ótimo motivo. Na obra, publicada em 2020, ele faz um trabalho impecável extrapolando não para o século 22, como no outro livro indicado, mas para duas décadas no futuro, e o quadro climático que ele pinta é devastador. Entra em cena o Ministério do Futuro, órgão extraoficial da ONU para pensar alternativas para a sobrevivência da espécie humana.

Compartilhar:

Artigos relacionados

Relacionamentos geram resultados

Em tempos de alta performance e tecnologia, o verdadeiro diferencial está na empatia: um ativo invisível que transforma vínculos em resultados.

Inovação & estratégia, Tecnologia & inteligencia artificial
2 de outubro de 2025
Na indústria automotiva, a IA Generativa não é mais tendência - é o motor da próxima revolução em eficiência, personalização e experiência do cliente.

Lorena França - Hub Mobilidade do Learning Village

3 minutos min de leitura
Cultura organizacional, Gestão de pessoas & arquitetura de trabalho, Inovação & estratégia
1º de outubro de 2025
No mundo pós-IA, profissionais 50+ são mais que relevantes - são pontes vivas entre gerações, capazes de transformar conhecimento em vantagem competitiva.

Cris Sabbag - COO da Talento Sênior

4 minutos min de leitura
Inovação
30 de setembro
O Brasil tem talento reconhecido no design - mas sem políticas públicas e apoio estratégico, seguimos premiando ideias sem transformar setores.

Rodrigo Magnago

6 minutos min de leitura
Liderança
29 de setembro de 2025
No topo da liderança, o maior desafio pode ser a solidão - e a resposta está na força do aprendizado entre pares.

Rubens Pimentel - CEO da Trajeto Desenvolvimento Empresarial

4 minutos min de leitura
ESG, Empreendedorismo
29 de setembro de 2025
No Dia Internacional de Conscientização sobre Perdas e Desperdício de Alimentos, conheça negócios de impacto que estão transformando excedentes em soluções reais - gerando valor econômico, social e ambiental.

Priscila Socoloski CEO da Connecting Food e Lucas Infante, CEO da Food To Save

2 minutos min de leitura
Cultura organizacional
25 de setembro de 2025
Transformar uma organização exige mais do que mudar processos - é preciso decifrar os símbolos, narrativas e relações que sustentam sua cultura.

Manoel Pimentel

10 minutos min de leitura
Uncategorized
25 de setembro de 2025
Feedback não é um discurso final - é uma construção contínua que exige escuta, contexto e vínculo para gerar evolução real.

Jacqueline Resch e Vivian Cristina Rio Stella

4 minutos min de leitura
Tecnologia & inteligencia artificial
24 de setembro de 2025
A IA na educação já é realidade - e seu verdadeiro valor surge quando é usada com intencionalidade para transformar práticas pedagógicas e ampliar o potencial de aprendizagem.

Rafael Ferreira Mello - Pesquisador Sênior no CESAR

5 minutos min de leitura
Inovação
23 de setembro de 2025
Em um mercado onde donos centralizam decisões de P&D sem métricas críveis e diretores ignoram o design como ferramenta estratégica, Leme revela o paradoxo que trava nosso potencial: executivos querem inovar, mas faltam-lhes os frameworks mínimos para transformar criatividade em riqueza. Sua fala é um alerta para quem acredita que prêmios de design são conquistas isoladas – na verdade, eles são sintomas de ecossistemas maduros de inovação, nos quais o Brasil ainda patina.

Rodrigo Magnago

5 min de leitura
Inovação & estratégia, Liderança
22 de setembro de 2025
Engajar grandes líderes começa pela experiência: não é sobre o que sua marca oferece, mas sobre como ela faz cada cliente se sentir - com propósito, valor e conexão real.

Bruno Padredi - CEP da B2B Match

3 minutos min de leitura