A internet faz com que cada usuário seja um hub que conecta pessoas, ideias, produtos, tecnologias, filosofias e modos de ser e de se comportar. Quando cada um dos 7,8 bilhões de habitantes da Terra pode ser visto, potencialmente, como um processo de geração de dados sem fim, isso pode ajudar a humanidade a tomar decisões melhores. Mas, para concretizar essa possibilidade, há um problema: como transformar – de modo eficaz, eficiente e confiável – esses dados em informações realmente úteis?
Hoje se fala com muita naturalidade de dados no meio empresarial, como se o problema acima fosse tranquilamente solucionável com a tecnologia computacional adequada. Não é. Como escreveu o romeno Mihnea Moldoveanu em artigo publicado na HSM Management nº 100, ainda que consigamos dobrar a capacidade de armazenamento e processamento de dados a cada 18 ou 24 meses, seguindo a lógica da Lei de Moore (e não é certeza que essa lei se mantenha indefinidamente), isso será insuficiente para o volume impensável de dados com que estamos lidando. Na verdade, é o contrário: mais tecnologia pode fazer o problema piorar. É fácil de entender o porquê: quando as entradas de dados aumentam, não significa que o número de operações requeridas para convertê-las em informações úteis aumente na mesma proporção – não é um aumento linear; as operações necessárias “mega-aumentam”, no neologismo escolhido por Moldoveanu. O que precisamos, segundo ele, é recorrer à engenhosidade humana.
## O que ele disse em 2013
O que é “engenhosidade” em relação a grandes volumes dados? Ser engenhoso é ser capaz de conceber um modo de as operações citadas serem sequenciadas. Trata-se, portanto, de escrever os algoritmos (sequências de instruções bem definidas) e acionar a heurística (um procedimento simplificador que quebra problemas mais complexos em outros de mais fácil resolução, a fim de encontrar soluções viáveis, mesmo que imperfeitas). É a engenhosidade que nos tem permitido otimizar fábricas, calcular interações essenciais entre genes ou explorar as variações por minuto do preço da ação da Apple. A engenhosidade tanto dá forma a um problema como encontra maneiras de solucioná-lo, explica Moldoveanu.
Por que é importante esse artigo do professor da Rotman School? Por duas razões. É um alerta sobre a crença na tecnologia como resolvedora de tudo e também desdiz o que acreditava Gordon Moore – que o limite mecânico dos dispositivos tecnológicos limita nossa capacidade de solucionar problemas. A tecnologia nem resolve tudo, nem limita a solução. O artigo introduz o Efeito Engenhosidade ao lado da tão citada Lei de Moore, segundo o qual nossa capacidade média de solucionar problemas dobra a cada seis meses. Juntando lei e efeito, vemos que nós, humanos, podemos solucionar, usando a tecnologia existente, problemas maiores do que normalmente conseguiríamos.
Então, Moldoveanu convoca os gestores para serem engenhosos – ou seja, capazes de pensar algoritmos e de praticarem a heurística – neste mundo data-driven e lista as principais capacidades que devem desenvolver para isso:
– Modelagem: para interagir com grandes dados, é preciso entender o processo que os produz. A famosa declaração do Google, de que “num mundo em que a informação é grátis e abundante, os modelos não são necessários”, está muito errada. Sem o modelo do processo que gera os dados, não há como saber o que é relevante e o que não é. Porém, precisamos de mais do que modelos para o fenômeno em questão. Também são necessários modelos para os problemas que os grandes dados alimentam ali. (Sim, ele fala de modelos matemáticos.)
– Codificação/programação: as grandes massas de dados são estranhas à maior parte dos graduandos em administração de empresas porque residem num lugar que não conseguem acessar: no cyberespaço, codificados por protocolos e linguagens estranhas. Não surpreende que cursos de introdução à inteligência artificial e à programação de computador, em plataformas de e-learning como iTunes, Coursera, edX e Udacity, tenham tanta demanda.
– Percepção: toda informação tem de ser construída, materializada; dizemos que precisamos percebê-la. A ciência da percepção transforma qualidade em quantidade; traduz intuições e sentimentos em dados observáveis, mensuráveis. Mas tal ciência ainda está em sua infância.
## O que dizemos hoje
Parte da provocação que Moldoveanu fez oito anos atrás foi enfrentada. A sociedade presta muito mais atenção aos algoritmos do que antes, seja pelo risco de haver vieses inconscientes contidos ali – um algoritmo que discrimina negros e mulheres, por exemplo –, seja pela suposta intenção manipulativa discutida no docudrama “O dilema das redes”, ou pela crescente importância deles na estratégia de empresas digitalmente transformadas.
Porém, o artigo segue atual por três razões principais: (1) ainda há um pensamento mágico de que a tecnologia resolverá tudo; (2) o algoritmo é apenas uma parte da engenhosidade requerida, falta a conscientização sobre a heurística; e (3) os gestores ainda não estão desenvolvendo, não em massa, as capacidades de engenhosidade – e sua capacidade matemática, que está na raiz de tudo.
Há um conceito no qual o artigo não toca, mas que permeia tudo o que é proposto ali: o pensamento integrador (ou integrativo), metodologia para resolver os chamados “wicked problems” que integra intuição, razão e imaginação. A engenhosidade para lidar com o big data é parte dessa abordagem. Moldoveanu sabe, porque é um especialista no assunto, bem como é a instituição à qual ele pertence, a Rotman School of Management, ligada à University of Toronto, no Canadá.