Uncategorized

O coronavírus mudará nossas atitudes em relação à morte?

As cenas da retroescavadeira abrindo sepulturas para as vítimas do novo coronavírus no cemitério da Vila Formosa em São Paulo chocam e ao mesmo tempo nos fazem refletir sobre a transitoriedade da vida.
Virginia Planet é sócia e cofundadora da House of Feelings, primeira escola de sentimentos do mundo.

Compartilhar:

A despedida prematura de amigos e familiares, o medo da contaminação e a ansiedade por não saber quando tudo irá acabar nos tornam mais vulneráveis diante desta catástrofe mundial.

A finitude da vida ganhou um significado muito maior.

Apesar dos avanços da ciência e da tecnologia e de todo o esforço global em conter o vírus, nós realmente não estávamos preparados para essa devastação mental.

Se antes a humanidade temia a morte, agora ela se dobra diante de sua impotência de não poder controlar os efeitos da separação física e psicológica.

A crise de [saúde pública](https://brasil.elpais.com/tag/salud_publica) é definida por alguns pesquisadores como um reset, uma espécie de um divisor de águas capaz de provocar mudanças profundas no comportamento das pessoas. Estudos da unidade de pesquisa comportamental da Trinity College Dublin mostram que uma crise, como essa do coronavírus, é realmente capaz de mudar os valores de toda uma sociedade.

De repente, os abraços, os beijos, a proximidade ao falar em uma conversa se tornaram proibição médica. Até mesmo um simples aperto de mão, tão comum e corriqueiro, ganhou novo significado.

Em uma entrevista ao El País, Carmen Soria, psicóloga sanitária e diretora da clínica Integra Terapia em Madri afirma que a pandemia nos ajudará a aprender a manter relacionamentos mesmo à distância e tornar isso algo positivo. “Teremos aprendido descartar quem não tem de estar em nossa vida, teremos assumido o quão vulneráveis podemos ser à mudança de hábitos e teremos ampliado nosso lazer doméstico”, disse.

Em seu artigo no The Guardian, Yuval Noah Harari levanta a questão: a pandemia atual mudará as atitudes humanas em relação à morte?

Harari é perspicaz quando fala que, enquanto a humanidade como um todo se torna cada vez mais poderosa, as pessoas ainda precisam enfrentar sua fragilidade, mesmo que a descoberta da vacina seja uma questão de tempo.

Aliás, Harari enfatiza que, no futuro, a humanidade terá todas as ferramentas necessárias para conter a Covid-19 e que os médicos saberão resolver este enigma.

Eles podem ganhar mais tempo para lidar com esta doença, mas o que fazemos com esse tempo, depende de nós.

A pergunta que fica para nós, hoje, é justamente essa: o que estamos fazendo com o tempo precioso que temos?

Será que estamos aproveitando cada momento para construir uma vida que valha a pena ou desperdiçando este tempo com distrações irrelevantes para o nosso propósito?

Estas são perguntas fundamentais se quisermos entender o significado verdadeiro de finitude.

Com atitudes simples incorporadas ao nosso dia a dia somos capazes de viver momentos com mais consciência, entre eles, o próprio luto.

Vivenciar o luto, cumprir os ritos, é uma premissa indispensável para que o ser humano consiga seguir em frente. Em tempos de pandemia do covid-19, até esse processo se torna ainda mais duro. Não se pode sequer colocar uma roupa no falecido, nem velar, nem ver e nem receber um abraço.

A verdade é que a gente se afastou muito da ideia de morte. Laura Moutinho, professora de antropologia na USP especialista em estudar sentimentos, justamente para entender como se dão as relações sociais durante e após experiências traumatizantes — como as guerras civis e o apartheid na África do Sul, diz que estamos obcecados pela ideia da imortalidade. Pelo hedonismo da felicidade, que esconde uma fragilidade enorme de pensar nas coisas mais simples da vida.

Sem dúvidas, a mudança mais visível no comportamento das pessoas tem sido a impossibilidade de ignorar o que está acontecendo no mundo. Afinal, aquela anestesia social – que evita a empatia pela dor do outro – se desfez.

Agora há um sentimento de desamparo que é nacional, uma experiência de trauma generalizado. Seja pela enorme quantidade de notícias a todo tempo ou mesmo pela tomada de consciência de que todos estamos juntos no mesmo barco, a ameaça da Covid-19 bate à porta de todos.

Não temos a resposta ainda para o que virá pela frente, mas sabemos que precisamos redobrar os cuidados com a saúde da nossa mente e das pessoas que nos cercam.

Pelo bem da humanidade, o esforço coletivo e a empatia surgirão como as armas mais eficientes para a nossa sobrevivência.

Compartilhar:

Artigos relacionados

Organização

Saúde psicossocial é inclusão

Quando 84% dos profissionais com deficiência relatam saúde mental afetada no trabalho, a nova NR-1 chega para transformar obrigação legal em oportunidade estratégica. Inclusão real nunca foi tão urgente

Tecnologias exponenciais
As redes sociais prometeram revolucionar a forma como nos conectamos, mas, décadas depois, é justo perguntar: elas realmente nos aproximaram ou nos afastaram?

Marcel Nobre

7 min de leitura
ESG
Quanto menos entenderem que DEI não é cota e oportunidades de enriquecer a complexidade das demandas atuais, melhor seu negócio se sustentará nos desenhos de futuros que estão aparencendo.

Rafael Ferrari

0 min de leitura
Inovação
De 'fofoca positiva' à batom inteligente: SXSW 2025 revela tendências globais que esbarram na realidade brasileira - enquanto 59% rejeitam fofocas no trabalho, 70% seguem creators e 37% exigem flexibilidade para permanecer em empregos. Inovar será traduzir, não copiar

Ligia Mello

6 min de leitura
Inovação
O impacto de seu trabalho vai além da pesquisa fundamental. Oliveira já fundou duas startups de biotecnologia que utilizam a tecnologia de organoides para desenvolvimento de medicamentos, colocando o Brasil no mapa da inovação neurotecnológica global.

Marcel Nobre

5 min de leitura
Empreendedorismo
SXSW 2025 começou sem IA, mas com uma mensagem poderosa: no futuro, a conexão humana será tão essencial quanto a tecnologia

Marcone Siqueira

4 min de leitura
ESG
Precisamos, quando se celebra o Dia Internacional das Mulheres, falar sobre organizações e lideranças feministas

Marcelo Santos

4 min de leitura
Inovação
O evento de inovação mais esperado do ano já empolga os arredores com tendências que moldarão o futuro dos negócios e da sociedade. Confira as apostas de Camilo Barros, CRO da B.Partners, para as principais movimentações do evento.

Camilo Barros

4 min de leitura
Tecnologias exponenciais
A inteligência artificial não está substituindo líderes – está redefinindo o que os torna indispensáveis. Habilidades técnicas já não bastam; o futuro pertence a quem sabe integrar estratégia, inovação e humanização. Você está preparado para essa revolução?

Marcelo Murilo

8 min de leitura
ESG
Eficiência, inovação e equilíbrio regulatório serão determinantes para a sustentabilidade e expansão da saúde suplementar no Brasil em 2025.

Paulo Bittencourt

5 min de leitura