A despedida prematura de amigos e familiares, o medo da contaminação e a ansiedade por não saber quando tudo irá acabar nos tornam mais vulneráveis diante desta catástrofe mundial.
A finitude da vida ganhou um significado muito maior.
Apesar dos avanços da ciência e da tecnologia e de todo o esforço global em conter o vírus, nós realmente não estávamos preparados para essa devastação mental.
Se antes a humanidade temia a morte, agora ela se dobra diante de sua impotência de não poder controlar os efeitos da separação física e psicológica.
A crise de [saúde pública](https://brasil.elpais.com/tag/salud_publica) é definida por alguns pesquisadores como um reset, uma espécie de um divisor de águas capaz de provocar mudanças profundas no comportamento das pessoas. Estudos da unidade de pesquisa comportamental da Trinity College Dublin mostram que uma crise, como essa do coronavírus, é realmente capaz de mudar os valores de toda uma sociedade.
De repente, os abraços, os beijos, a proximidade ao falar em uma conversa se tornaram proibição médica. Até mesmo um simples aperto de mão, tão comum e corriqueiro, ganhou novo significado.
Em uma entrevista ao El País, Carmen Soria, psicóloga sanitária e diretora da clínica Integra Terapia em Madri afirma que a pandemia nos ajudará a aprender a manter relacionamentos mesmo à distância e tornar isso algo positivo. “Teremos aprendido descartar quem não tem de estar em nossa vida, teremos assumido o quão vulneráveis podemos ser à mudança de hábitos e teremos ampliado nosso lazer doméstico”, disse.
Em seu artigo no The Guardian, Yuval Noah Harari levanta a questão: a pandemia atual mudará as atitudes humanas em relação à morte?
Harari é perspicaz quando fala que, enquanto a humanidade como um todo se torna cada vez mais poderosa, as pessoas ainda precisam enfrentar sua fragilidade, mesmo que a descoberta da vacina seja uma questão de tempo.
Aliás, Harari enfatiza que, no futuro, a humanidade terá todas as ferramentas necessárias para conter a Covid-19 e que os médicos saberão resolver este enigma.
Eles podem ganhar mais tempo para lidar com esta doença, mas o que fazemos com esse tempo, depende de nós.
A pergunta que fica para nós, hoje, é justamente essa: o que estamos fazendo com o tempo precioso que temos?
Será que estamos aproveitando cada momento para construir uma vida que valha a pena ou desperdiçando este tempo com distrações irrelevantes para o nosso propósito?
Estas são perguntas fundamentais se quisermos entender o significado verdadeiro de finitude.
Com atitudes simples incorporadas ao nosso dia a dia somos capazes de viver momentos com mais consciência, entre eles, o próprio luto.
Vivenciar o luto, cumprir os ritos, é uma premissa indispensável para que o ser humano consiga seguir em frente. Em tempos de pandemia do covid-19, até esse processo se torna ainda mais duro. Não se pode sequer colocar uma roupa no falecido, nem velar, nem ver e nem receber um abraço.
A verdade é que a gente se afastou muito da ideia de morte. Laura Moutinho, professora de antropologia na USP especialista em estudar sentimentos, justamente para entender como se dão as relações sociais durante e após experiências traumatizantes — como as guerras civis e o apartheid na África do Sul, diz que estamos obcecados pela ideia da imortalidade. Pelo hedonismo da felicidade, que esconde uma fragilidade enorme de pensar nas coisas mais simples da vida.
Sem dúvidas, a mudança mais visível no comportamento das pessoas tem sido a impossibilidade de ignorar o que está acontecendo no mundo. Afinal, aquela anestesia social – que evita a empatia pela dor do outro – se desfez.
Agora há um sentimento de desamparo que é nacional, uma experiência de trauma generalizado. Seja pela enorme quantidade de notícias a todo tempo ou mesmo pela tomada de consciência de que todos estamos juntos no mesmo barco, a ameaça da Covid-19 bate à porta de todos.
Não temos a resposta ainda para o que virá pela frente, mas sabemos que precisamos redobrar os cuidados com a saúde da nossa mente e das pessoas que nos cercam.
Pelo bem da humanidade, o esforço coletivo e a empatia surgirão como as armas mais eficientes para a nossa sobrevivência.