Desenvolvimento pessoal

O novo A.Normal

O vírus vai passar, nossa relação com o intangível, não. Nenhum “novo normal” vai tapar o buraco da incompletude humana
Psicanalista e psiquiatra, doutor em psicanálise e em medicina. Autor de vários livros, especialmente sobre o tratamento das mudanças subjetivas na pós-modernidade, recebeu o Prêmio Jabuti em 2013. É criador e apresentador do Programa TerraDois, da TV Cultura, eleito o melhor programa da TV brasileira em 2017 pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA).

Compartilhar:

Fomos apanhados de surpresa. Passamos a viver sem previsão. Perdemos todos os nortes. Estamos desbussolados!

Uma única pergunta paira no ar de todas as mídias: Como será o mundo pós-pandemia? Só se fala em um tal de “novo normal”, ou seja, busca-se desesperadamente refazer as normas da vida que foram abaladas, na certeza enganosa de que tudo se resolverá com alguns acertos, alguns jeitinhos do gênero: trabalhar a distância, sair dos grandes centros, utilizar melhor a tecnologia, enovelar a vida de família com a vida do trabalho etc. É certo que isso se dará, que já mesmo está se dando. Agora, o problema é pensarmos que tudo se resolverá mudando as roupas de gaveta, reajeitando a vida em novas prateleiras do armário do chamado “novo normal”. É pouco, é por demais superficial, é insuficiente para apreendermos a revolução que nos acomete.

O vírus vai passar, nossa relação com o intangível, não. Nenhum “novo normal” vai tapar o buraco da incompletude humana escancarada nessa pandemia. Sabemos muita coisa, podemos muita coisa, mas não será suficiente para sabermos tudo, para podermos tudo. Nosso progresso jamais abolirá a surpresa, o acaso do melhor ou do pior, parodiando o verso famoso de Mallarmé.

Uma nova era se inaugura, uma nova Terra, a TERRADOIS. Essa nova era tem como especificidade a busca da harmonia com o intangível, com o que não conheço, com o que impacta, com o que não tem nome nem nunca terá. As eras éticas já esboçadas nessas colunas nos orientam sobre as quatro harmonias historicamente anteriores. Primeiro, a harmonia com a natureza; depois, a harmonia com o Deus; em seguida, a harmonia com a razão, recentemente a harmonia consigo mesmo e, finalmente, hoje, a harmonia com o intangível.

De todas as harmonias essa é a mais frágil, móvel, flexível e instável. Ela requer a implicação de cada um em suas escolhas singulares do modo de viver. Como o mundo é incompleto nas respostas sobre o bem viver, cabe a cada pessoa dois movimentos éticos essenciais: inventar uma resposta onde não há e responsabilizar-se por passá-la ao mundo. Invenção e Responsabilidade fazem IR, se me permitem o destaque das duas letras iniciais.

Assim pensando, só nos resta desejar que o defensivo, reacionário e acomodativo “novo normal” não nos coloque de volta no congelador das comidas prontas para requentar. Que não percamos a oportunidade de, sendo mais anormais, sejamos responsavelmente criativos e criadores de um novo mundo.

Compartilhar:

Artigos relacionados

Organização

A difícil arte de premiar sem capitular

Desde Alfred Nobel, o ato de reconhecer os feitos dos seres humanos não é uma tarefa trivial, mas quando bem-feita costuma resultar em ganho reputacional para que premia e para quem é premiado

ESG
Adotar o 'Best Before' no Brasil pode reduzir o desperdício de alimentos, mas demanda conscientização e mudanças na cadeia logística para funcionar

Lucas Infante

4 min de leitura
Tecnologias exponenciais
No SXSW 2025, a robótica ganhou destaque como tecnologia transformadora, com aplicações que vão da saúde e criatividade à exploração espacial, mas ainda enfrenta desafios de escalabilidade e adaptação ao mundo real.

Renate Fuchs

6 min de leitura
Inovação
No SXSW 2025, Flavio Pripas, General Partner da Staged Ventures, reflete sobre IA como ferramenta para conexões humanas, inovação responsável e um futuro de abundância tecnológica.

Flávio Pripas

5 min de leitura
ESG
Home office + algoritmos = epidemia de solidão? Pesquisa Hibou revela que 57% dos brasileiros produzem mais em times multidisciplinares - no SXSW, Harvard e Deloitte apontam o caminho: reconexão intencional (5-3-1) e curiosidade vulnerável como antídotos para a atrofia social pós-Covid

Ligia Mello

6 min de leitura
Empreendedorismo
Em um mundo de incertezas, os conselhos de administração precisam ser estratégicos, transparentes e ágeis, atuando em parceria com CEOs para enfrentar desafios como ESG, governança de dados e dilemas éticos da IA

Sérgio Simões

6 min de leitura
Tecnologias exponenciais
Os cuidados necessários para o uso de IA vão muito além de dados e cada vez mais iremos precisar entender o real uso destas ferramentas para nos ajudar, e não dificultar nossa vida.

Eduardo Freire

7 min de leitura
Liderança
A Inteligência Artificial está transformando o mercado de trabalho, mas em vez de substituir humanos, deve ser vista como uma aliada que amplia competências e libera tempo para atividades criativas e estratégicas, valorizando a inteligência única do ser humano.

Jussara Dutra

4 min de leitura
Gestão de Pessoas
A história familiar molda silenciosamente as decisões dos líderes, influenciando desde a comunicação até a gestão de conflitos. Reconhecer esses padrões é essencial para criar lideranças mais conscientes e organizações mais saudáveis.

Vanda Lohn

5 min de leitura
Empreendedorismo
Afinal, o SXSW é um evento de quem vai, mas também de quem se permite aprender com ele de qualquer lugar do mundo – e, mais importante, transformar esses insights em ações que realmente façam sentido aqui no Brasil.

Dilma Campos

6 min de leitura
Uncategorized
O futuro das experiências de marca está na fusão entre nostalgia e inovação: 78% dos brasileiros têm memórias afetivas com campanhas (Bombril, Parmalat, Coca-Cola), mas resistem à IA (62% desconfiam) - o desafio é equilibrar personalização tecnológica com emoções coletivas que criam laços duradouros

Dilma Campos

7 min de leitura