Aos 17 anos, mergulhando no Pacífico Norte, tive um insight que, muitos anos depois, me veio a ser útil na carreira executiva: sobre como avaliar o talento potencial de um colaborador.
No exercício da liderança, a habilidade de formar times de alta performance e identificar talentos passa a ser um desafio constante. As apostas na capacidade de um colaborador podem ser difíceis e até mesmo incertas, e para avaliar trainees e estagiários a incerteza pode ser ainda maior.
Claro que às vezes o talento é tão óbvio que basta jogar luz, abrir o caminho e o destino se cumpre.
No entanto, muitas vezes esse processo é permeado de dúvidas, erros e acertos, quando por exemplo vemos um jovem talento se debatendo em situações que parecem indicar que algo está errado.
Pode ser a pessoa em si, mas também pode ser a situação em que se encontra. Saber a diferença é importante para não se julgar prematuramente o talento e correr o risco de privá-lo de grandes oportunidades de crescimento profissional e pessoal.
De volta ao Pacífico. Quando estudava no Canadá, fazia parte de um grupo de mergulhadores que usava esse esporte como um serviço à comunidade (um colega brasileiro dava aulas de mergulho a crianças surdas-mudas!). No meu caso, coletávamos informações para a criação de um parque marinho, a ser protegido dada a rica fauna e flora marítimas que apresentava.
A cada semana, saíamos de barco e mergulhávamos na costa, perto de rochedos que abrigavam aves migratórias e vários leões-marinhos. Sempre notava o quanto esses grandes animais, quando não estavam preguiçosamente deitados sobre as rochas tomando sol, moviam-se com dificuldade, de uma forma desajeitada e até mesmo quase ridícula, balançando suas panças e uma grande quantidade de tecido adiposo.
Até que um dia, há 10 metros de profundidade, fomos surpreendidos por seis leões-marinhos que vieram nos saudar e que nadavam numa velocidade incrível, em círculos à nossa volta como que se exibindo (e se divertindo). Pareciam nos desafiar e marotamente insinuar “e vocês, humanos desajeitados, conseguem fazer isso?”.
A beleza da cena era incrível! A esbelteza, elegância e agilidade daqueles animais eram de uma leveza inacreditável – muito diferente daqueles seres desajeitados sobre as rochas.
Partiram tão repentinamente como apareceram.
Como pode ser? Reconheci meu julgamento preconceituoso sobre aquilo que parecia grotesco desses animais nas pedras e me rendi à beleza desses mesmos seres na água.
“Claro! São seres aquáticos, e por isso têm nadadeiras e não patas!”, pensei.
O insight: talentos devem ser avaliados da mesma maneira, no seu hábitat natural. Quando julgamos precipitadamente a inadequação de um jovem talento (ou quem quer que seja), há que se refletir se estamos avaliando aquele profissional nas condições e ambiente que favorecem sua “natureza” e não os encerrando numa visão estreita de “certo ou errado”, “funciona ou não funciona”, sem que se avalie o contexto mais amplo.
Na empresa, esse hábitat pode ser desde o cargo ou função a que colaborador foi designado ou até mesmo algo muito mais complicado, como cultura organizacional, que por vezes faz com que muitos se sintam como “leões-marinhos sobre rochas”, e não nadando livremente de forma a revelar seu verdadeiro potencial.
Por vezes, é muito mais fácil ver as limitações de alguém do que avaliar em quais circunstâncias essas limitações são superadas e, até mesmo, novas habilidades passíveis de aflorar. A boa liderança deve procurar não julgar de forma definitiva um colaborador em dificuldades, mas tentar buscar caminhos para que seu talento seja expresso no mais pleno potencial possível.
A adequação das habilidades e até mesmo das competências a um cargo ou função pode ser facilmente alinhada através de um arsenal de ferramentas à disposição da área de desenvolvimento humano e organizacional. Já o desenho (ou redesenho) de uma cultura organizacional que favoreça um ambiente estimulante, íntegro e seguro, para que todos cresçam e floresçam, é mais complexo. Isso porque a cultura organizacional é fruto do conjunto de valores intrínsecos do corpo de colaboradores e daquilo que a visão da liderança e dos acionistas desejam no futuro. Para isso há também metodologias que auxiliam os líderes nessa empreitada.
As pessoas só florescem em ambientes que favorecem a expressão de seu pleno potencial. Se é o talento que escolhe a empresa, e não o inverso, há empresas com ambientes “tóxicos” que precisam urgentemente rever suas culturas, ou ficarão com talentos “menores”, gente que não têm outras opções, pois os bons terão migrado para hábitats mais propícios.
Se não estão convencidos, relato o que aquele colega que treinava crianças surdas-mudas me disse quando lhe contei minha experiência: “Cara…lá embaixo, a 10 metros, nós é que somos os surdos-mudos e eles conversam à vontade!”.