Mestrado na London University, financiado pelo governo britânico com bolsa de estudos integral. Graduação em uma das melhores universidades públicas do Brasil, a Universidade de São Paulo. Bolsa para intercâmbio durante a graduação em uma universidade líder na França. Anos de curso de inglês. Vários cursos complementares. Em uma conta rápida, calculo no meu livro Feminismo materno – O que a profissional descobriu ao se tornar mãe (recentemente publicado pela Pólen Livros) que minha formação acadêmica custou não menos do que R$ 400 mil. E boa parte desse investimento não foi feito por minha família, mas pelos cofres públicos desses três países.
Faço esse cálculo para questionar o que considero a pior e – por incrível que pareça – a mais difundida estratégia de negócios existente hoje no mundo: um modelo de trabalho rígido e inflexível, criado a partir da industrialização, há 200 anos, por homens e para homens, antes da imensa revolução tecnológica da última década.
Essa rigidez e a valorização do presenteísmo (poder ver o empregado sentado em determinada cadeira por determinada quantidade de horas) foi o que me levou a pedir demissão do meu emprego e a paralisar a incrível experiência internacional que havia acumulado ao longo de quase 20 anos de trabalho como jornalista, dentro e fora do Brasil, em diferentes mídias, escrevendo sobre os mais diferentes assuntos, de mercado financeiro a tecnologia, passando por cultura e bem-estar. Faço esse cálculo para questionar: faz de fato sentido econômico mantermos um sistema de trabalho tão anacrônico?
Feminismo materno é um relato da minha experiência após me tornar mãe. Em alguns momentos, chega a ser um desabafo. Mas o livro vai além da minha experiência pessoal. É fruto de um trabalho rigoroso de pesquisa, realizado ao longo de três anos, enquanto amamentava e cuidava de minha filha, com cada argumento baseado em números e fatos que comprovam minha tese: é urgente repensarmos nosso sistema de trabalho se quisermos de fato atingir equidade salarial e de oportunidades entre gêneros.
É preciso entender e olhar com mais atenção para um ponto decisivo na vida de muitas mulheres: o momento em que se tornam mães. A barreira da maternidade é real, e entender de fato esse momento na vida da profissional vai muito além da licença-maternidade. O que minha pesquisa demonstrou é que o problema é sistêmico e se trata de uma “hemorragia” que deve ser estancada para que a discussão sobre equidade entre gêneros se torne legítima.
**INSPIRAÇÕES POSSÍVEIS**
Os países nórdicos são a única exceção em relação aos números vergonhosos que cito em meu livro. Com políticas públicas como a licença compartilhada (mães e pais podem dividir entre si o período longe do trabalho para cuidar de seu bebê) existentes desde a década de 1970, Suécia, Noruega, Islândia, Dinamarca e Finlândia são sempre citados como exemplos a seguir quando queremos pensar em como tornar nosso ambiente de trabalho mais igualitário e inclusivo.
E não ajuda dizer que as realidades econômicas são diferentes. É uma questão de mudança de mentalidade, mais do que de poder econômico. Os Estados Unidos possuem uma economia muito mais forte e dinâmica do que a dos países nórdicos, e ainda assim seguem sendo o único país rico do mundo que não prevê sequer o direito à licença-maternidade em sua legislação.
Em matéria recente, a rede britânica BBC ressalta por que a Finlândia se tornou referência quando se discute padrões flexíveis de trabalho ou uma visão ainda mais radical de organizar o trabalho, o “agile working”. Desde 1996, um conjunto de leis conhecido como Working Hours Act garante à maioria dos trabalhadores o direito a ajustar suas horas típicas de trabalho em três horários, seja começando a trabalhar até três horas mais cedo ou terminando três horas mais tarde. Mas o país ainda não acha que é suficiente. Prevista para entrar em vigor ano que vem, uma revisão do Working Hours Act vai garantir que a maioria dos trabalhadores do país tenha o direito a decidir onde e quando vão trabalhar por pelo menos metade de sua carga horária total.
**APOSTANDO NA CONFIANÇA**
Vale ressaltar mais uma vez que os países nórdicos vêm apostando nessa abordagem há décadas. E têm como base uma relação de confiança entre empregado e empregador, o que vem se provando positivo não só para empregados, mas também para empregadores, com resultados mensuráveis de aumento de produtividade e redução de custos.
Estudo sobre os benefícios do agile working cita o case da consultoria PwC em Birmingham, Reino Unido. A implementação de padrões flexíveis de trabalho e desk sharing (compartilhamento de posição de trabalho) permitiram que quatro escritórios fossem fundidos em um único escritório regional, o que reduziu os custos com aluguel em cerca de 30 milhões de libras ao longo de dez anos (cerca de R$ 150 milhões).
Em meu livro, cito outro caso que teve repercussão internacional. Por um período de oito semanas, uma empresa da Nova Zelândia cortou de cinco para quatro dias úteis a semana de trabalho de seus 240 funcionários, sem redução salarial. O resultado? Aumento de 20% em produtividade e uma queda de cerca de 7% no nível de estresse dos trabalhadores. “Nós fomos tratados como adultos e em consequência todo mundo está se comportando como adulto”, definiu um dos colaboradores.
Outros experimentos e estudos apontam para novos caminhos, como meio período após a volta da licença-maternidade ou job share, ou seja, duas mulheres dividindo a responsabilidade por um mesmo trabalho ao voltar da licença, o que garantiria que ambas se sentissem respeitadas em seu desejo de desfrutar de mais tempo com seus filhos sem que tenham de abrir mão de seu lado profissional. Porque, em última análise, essa é basicamente a única variável da equação que se altera quando pessoas têm filhos e pretendem participar de sua criação: o tempo.
**UM OLHAR PARA O FUTURO**
Eu não teria deixado meu emprego caso uma opção mais flexível me tivesse sido oferecida. E milhões de outras mulheres ao redor do mundo também não entrariam para essas estatísticas vergonhosas: no Brasil, após dois anos, quase metade das mulheres que tiraram licença-maternidade está fora do mercado de trabalho; nos EUA, 43% das mulheres com alta escolaridade saem do mercado de trabalho para cuidar de seus filhos; no Reino Unido, estima-se que 54 mil mulheres perdem seus empregos todos os anos por discriminação em relação à maternidade.
Por isso, me parece não fazer sentido pensar em políticas para garantir mulheres em posições de liderança se não olharmos antes para a barreira da maternidade. As mulheres não estão alcançando o topo porque muitas estão saindo do mercado ao se tornarem mães. Muitas se tornam empreendedoras por simples falta de opção ou voltam ao mercado em posições mais baixas e de menor remuneração.
Não acredito que podemos resolver a diferença salarial entre homens e mulheres, nem que haja uma ascensão genuína e ampla de mulheres a posições de liderança se não pensarmos em como evitar que excelentes profissionais sejam expulsas do mercado devido a regimes de trabalho tão rígidos. A mudança começa com confiança e eu confio na capacidade feminina de trabalhar por um mundo melhor e um mercado de trabalho mais justo. E quem não teria mais comprometimento com uma empresa que olhasse para esse período tão importante da vida com mais empatia? É do economista James Heckman, ganhador do Prêmio Nobel de Economia em 2000, a tese de que a atenção à primeira infância (os três primeiros anos de vida) garante um desenvolvimento econômico maior para o país.
Quando falamos em maternidade, falamos de futuro. Não vale o voto de confiança?