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O varejo começa a vibrar

O setor, que fatura R$ 1,5 trilhão no Brasil, busca incorporar tendências mundiais, como a de fundir diferentes canais de vendas em um só, ao mesmo tempo que investe para aumentar eficiência e rentabilidade

Ticiana Werneck

É colaboradora de HSM Management e especialista no setor varejista; já cobriu o NRF seis...

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Ubirajara Pasquotto, presidente da Cybelar, rede varejista de móveis e eletrônicos atuante no interior paulista e no sul mineiro, há 12 anos carimba o passaporte para uma congelante Nova York. É que lá ocorre, em janeiro, o Big Show da NRF (National Retail Federation), o maior evento do setor no mundo, ao qual 33 mil profissionais comparecem todos os anos para alinhar-se com as últimas tendências. “Volto com uma visão mais aprimorada do meu negócio. Não há mais espaço para amadorismo. Varejo virou ciência”, diz Pasquotto. Seguindo as tendências-chave globais e dividindo-se entre os movimentos acelerados da tecnologia e das pessoas, o varejo brasileiro está atento a mudanças em quatro direções:

•  Todos os canais de uma empresa varejista precisam operar como se fossem um só. 

•  É necessário acompanhar as inovações nos modelos de varejo. 

• Deve-se investir muito no canal mobile. 

•  Aumentar a capilaridade é preciso; a expansão de lojas físicas fortalece a marca e o vínculo com consumidores (que, assim, passam de consumers a shoppers, como se diz em inglês).

**FUSÃO DE CANAIS**

Stephen Sadove, chairman da NRF, deu o tom ao evento de 2015 em seu discurso de abertura, ao afirmar que varejistas do mundo todo tentam se adaptar a um ambiente em estado revolucionário, no qual os canais de venda –loja, e-commerce, telefone, mobile, catálogo etc.– não podem mais operar separados. “Como não existem fronteiras na cabeça do consumidor, elas também não podem existir para o varejista”, explica o consultor brasileiro Alberto Serrentino, da Varese Retail. 

Trata-se de um salto em relação ao conceito de integração entre os canais que vinha dominando as discussões até então. Agora, mais do que ser integrados, eles precisam se fundir. 

A razão? “A contribuição de cada canal para o negócio vai bem além do que ele processa como transação”, reflete Serrentino. Os números comprovam isso: 84% dos norte-americanos usam o celular para acessar informações sobre o que desejam comprar antes ou durante sua estada na loja, segundo levantamento da firma de consultoria Deloitte. E 37% acabam levando mais itens quando passam na loja para retirar as compras feitas online, conforme o Google. 

Ou seja, um canal reforça o outro, aumentando a taxa de conversão de compra geral. É um trabalho conjunto, diferente da concepção antiga em que se separavam os canais de venda como se fossem empresas distintas (e concorrentes). A sinergia derivada da fusão dos canais proporciona, também, mais racionalidade à cadeia de valor. Por exemplo, pode-se enviar uma peça comprada no e-commerce da empresa direto do estoque de uma loja –e não de seu centro de distribuição– para a casa do consumidor. É o que a Best Buy já faz com frequência e chama de “ship from store”.

> **Loja Física = Estratégia**
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> Em Nova York, sede do NRF, a urban Outfitters, loja de moda, abriga uma barbearia fashion, uma oficina de bicicleta, uma cervejaria e um quiosque de impressão de fotos publicadas no instagram. a tendência de reservar metros quadrados para atividades que não “vendem” dá a um crescente número de lojas um posicionamento diferenciado e cria valor para o negócio, embora não gere receita. a afirmação é de alexandre van Beeck, diretor de consultoria da gs&MD – gouvêa de souza. O valor se traduz em comentários positivos (na web e fora dela) e na percepção do consumidor. “a loja se desconecta da relação puramente preço- -produto e passa a ter mais relevância para o cliente”, aponta. Mas isso requer revisão do pensamento estratégico, porque o chão de loja não é barato e a busca pelo retorno sobre o investimento é implacável. para sérgio herz, ceO da livraria cultura, o papel da loja agora é estratégico: engajar o consumidor com a marca. isso explica por que, apesar de a receita de seu e-commerce aumentar 70% ao ano, ele segue investindo em lojas. Rodrigo Dias, multifranqueado da rede de cosméticos  O Boticário em goiânia, com 40 lojas, concorda: “a loja precisa entregar algo mais para merecer a visita”.

**C&A, BRASIL**

O movimento também começa a acontecer no Brasil, conforme Paulo Correa, vice-presidente comercial da varejista de moda C&A no País. A C&A acaba de lançar um novo site que apoia a operação das lojas em todo o Brasil. Se, em municípios onde a marca ainda não atua fisicamente, ele preenche o espaço, onde há lojas, funciona de maneira complementar. “Por exemplo, as pessoas podem trocar lá produtos comprados no site e, de repente, decidir comprar algo em que esbarrem”, comenta o VP. 

Segundo Correa, a empresa prevê, em seu planejamento, uma fusão total e absoluta entre os canais para que a experiência com a marca seja fluida de fato para o cliente, “de acordo com as necessidades e o estilo de vida dele”. Como está a fluidez nessa estratégia? imagine que uma consumidora gosta de um produto que vê na hora do almoço na loja física, mas não tem tempo de parar para comprá-lo. Ela terá a oportunidade de adquirir a peça à noite, em casa, na web. O contrário também é verdade, com ela escolhendo algo no celular e comprando na loja. “A cliente deve poder relacionar-se com a C&A na hora, no local e do jeito que quiser”, diz Correa. 

> **Quero experiência!**
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> Reduzir o atrito, como diminuir filas ou não tê-las, é meio caminho andado para que uma loja seja percebida pelo consumidor como ágil e com bom serviço. Mas, no cenário atual, é preciso exceder expectativas, e a palavra “experiência” virou a vedete do varejo; muitos dizem que, no futuro, o consumidor escolherá a marca da loja, não a marca do produto. um exemplo é a loja nova-iorquina da Rebecca Minkoff, rede de moda feminina dos eua. um espelho interativo permite que a cliente confira itens sugeridos pela estilista e selecione as peças que quer vestir. estas são enviadas automaticamente para o provador, onde a consumidora pode escolher da intensidade da luz (se usará a peça de dia ou à noite) ao cenário (ao ar livre ou em ambiente fechado). como cada peça tem uma etiqueta RFiD, um sensor é capaz de dar sugestões de combinações para a cliente. por sua vez, a rede de lojas de games gamestop testa em suas lojas do texas uma tecnologia baseada em pequenos sensores que enviam mensagens para o celular dos clientes enquanto estão na loja: são promoções e informações extras sobre os produtos que estão olhando no momento.

**EMMAS ENKEL, ALEMANHA**

No supermercado alemão Emmas Enkel, a fusão dos canais é total e o consumidor compra como lhe convier. Na loja, escolhe os produtos no autosserviço ou dá a lista ao balconista; depois, leva-os para casa consigo ou manda entregá-los. Também pode solicitar os produtos pela internet, por telefone ou, fora do horário de funcionamento, com a leitura dos códigos QR na vitrine pelo celular, e os pacotes são entregues em seu domicílio ou retirados por ele na loja. 

![](https://revista-hsm-public.s3.amazonaws.com/uploads/564e6518-7175-4872-9d3f-80b9478cee90.jpeg)

**INOVAÇÃO NOS MODELOS**

A fim de engajar o consumidor com a loja mais do que com a marca industrial, não param de surgir modelos de varejo inovadores. Um dos que provocam maior ruptura é o da loja japonesa GU Fitting, que está permitindo que o consumidor fique com o produto –no caso, roupa– por um dia antes de decidir se quer comprá-lo. Um pouco similar é o modelo da rede de óticas norte-americana Warby Parker, negócio fundado há quatro anos apenas na internet e que não para de crescer em lojas físicas. Seu diferencial é a comodidade: o consumidor recebe várias opções de óculos em casa, experimenta todos e devolve apenas aqueles de que não gostou. menos surpreendente, mas ainda novo, é o modelo click and collect, ou drive, segundo o qual o consumidor compra o produto na internet e o retira na loja. 

Visto no Brasil em livrarias, ele já representa 5% do varejo de alimentos na França. O modelo marketplace, que não existia até há pouco tempo, dissemina-se rapidamente e com alta rentabilidade. Trata-se do e-commerce que reúne em um mesmo site ofertas de diferentes lojas –como o brasileiro Estante Virtual e os chineses Alibaba e Tao Bao, que juntos faturam cerca de US$ 500 bilhões anuais, mais que o maior varejista do mundo, o Walmart, cuja receita em 2014 ficou em US$ 476 bilhões. A conclusão é a de que, em tempos de Airbnb e Uber, duas empresas digitais que entregam aos consumidores o que eles procuram, o varejo precisa agir igual, correndo atrás de modelos inovadores.

E agir rápido, porque “tendências tornam-se realidade em espaços de tempo cada vez mais curtos”, como analisa Eduardo Terra, presidente da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo e sócio da firma de consultoria BTR – Bridge to Results.

> **QUERO SABER ANTES DE SAIR DE CASA!**
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> Os aplicativos para celular das varejistas estão ficando cada vez mais completos. O app da Jcpenney permite que o cliente veja se, em determinada loja que deseja visitar, a peça que busca está em estoque em sua numeração. O da gap também faz isso e extrapola: com um clique é possível deixar a peça reservada na loja por até dois dias. e, sim, o consumidor valoriza essa facilidade. segundo pesquisa iBM, 60% dos consumidores norte-americanos disseram que é importante saber se o item que querem comprar está disponível em estoque antes de saírem de casa.

**AVANÇO MOBILE**

Outro assunto muito discutido no NRF foi a enorme representatividade que o canal mobile vem ganhando. Para ilustrar como ele é potente no mercado norte-americano, segundo a iBm, no último Dia de Ação de Graças –data fortíssima para o varejo local–, 50% das vendas online foram feitas em aplicativos ou sites mobile. O tráfego de e-commerce motivado por aparelhos móveis tem crescido no mundo inteiro. Ronaldo Pereira, CEO da Óticas Carol, resolveu replanejar sua estratégia mobile depois de sua visita ao NRF, por exemplo. 

Se antes o plano da rede era lançar um novo site e adaptá-lo ao celular, agora um site exclusivo para esse canal está em construção, com funcionalidades específicas, como pesquisas e cadastramento de cupons de venda. 

**MAIS LOJAS FÍSICAS**

O continuado poder da loja física saltou aos olhos no NRF. Numerosas palestras trataram de disseminar que a loja está mais forte do que nunca. Amparadas nessa garantia e na conquista de mercado, as grandes redes pelo mundo continuam aumentando sua capilaridade, fortalecendo a marca, entre outros objetivos. Segundo pesquisa realizada no último World Retail Congress com grandes varejistas internacionais, 55% deles pretendem aumentar o número de lojas físicas. Entre as tendências globais, essa é a mais clara no Brasil. A própria Óticas Carol, que hoje soma 730 unidades (a maioria, franquias), quer chegar a 871 em 2015. A implementação de lojas físicas é esperada de franquias, de varejistas globais que aportam por aqui, de redes regionais indistintamente. Agora, segundo a feira de tecnologia que ocorre paralelamente ao congresso do NRF, as lojas ficam mais tech. Por exemplo, sistemas aplicados ao chão de loja geram maior entendimento do comportamento do consumidor no ponto de venda.

> **Código de barras X etiqueta RFID**
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> A etiqueta RFiD (sigla em inglês de identificação por radiofrequência), substituta do código de barras, é o oxigênio da rede de loja de departamentos norte-americana Macy’s. essa declaração, feita pelo presidente da empresa, terry lundgren, no NRF, fez Regiane Romano, diretora da vip systems e uma das pioneiras do RFiD no Brasil, vibrar. O exemplo do uso por corporações de referência como Macy’s, calvin klein e Jcpenney, somado à queda de custos, deve estimular a adoção do RFiD no mundo todo, incluindo o Brasil. hoje, os cases envolvendo RFiD aqui são escassos. “Os empresários ainda resistem em investir, pois não têm ideia dos benefícios para o controle da oferta e do estoque e de quanto deixarão de perder”, comenta Romano. exceção, a rede Óticas carol investiu em RFiD. em implantação há dez meses, a primeira fase do projeto já melhorou a gestão da informação, reduzindo perdas e o tempo de estoque, das antigas 8 horas para 40 minutos. a segunda fase, ainda por se iniciar, deve gerar informações mais analíticas sobre a performance da loja e das peças.

> **Quero ser ENCANTADO!**
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> Carlos Eduardo Oshiro se dedica a ensinar a encantar clientes. em Manaus (aM), ele dirige a escola de atendimento, voltada para capacitar colaboradores de companhias de varejo e serviços. “todas as empresas possuem metas de faturamento, mas pouquíssimas têm metas de encantamento”, diz, disposto a mudar o quadro. encantar clientes não é algo vago, e sim um processo bem definido, no qual se pontuam diferentes procedimentos, fazem-se análises do ponto de venda e da percepção dos clientes e dão-se feedbacks regulares às lojas. seis empresas de Manaus já estão certificadas em encantamento pelo método implantado por Oshiro –elas atingiram 80% da pontuação durante três meses em pesquisa de recomendação e cliente oculto. a maior varejista da região, a Bemol, de móveis e eletrônicos, está se certificando agora. apesar de suas 20 lojas físicas, ela iniciou o processo pelos setores de e-commerce, call center e logística (motoristas dos caminhões de entrega).

> **Quero com a minha cara!**
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> “One size fits none” (um tamanho não serve a ninguém). esse é o lema da marca Normal, que fabrica fones de ouvido personalizados. a loja foi aberta no fim de 2014 em Nova York, eua, e vende apenas esse produto, feito com as medidas da cavidade auricular do consumidor por impressoras 3D. a customização é uma forte tendência do varejo para engajar os clientes e está muito ligada também ao uso de analytics. se a impressão 3D ainda está distante do varejo brasileiro, o uso do big data não. prova disso é o programa de fidelidade clube extra, do grupo pão de açúcar, que, em dez meses de existência, já tem dados de 5 milhões de pessoas e os usa para aumentar a frequência de visitas dos clientes às lojas, segundo adriano araújo, ceO no Brasil da empresa de ciência do consumidor Dunnhumby. Outra prova inegável, o e-commerce Netshoes também usa dados com a ajuda do programa cRM para personalizar suas ofertas –cada visitante encontra uma vitrine personalizada para si na tela (ou telinha), como conta o ceO Márcio kumruian.

**QUESTÕES DO BRASIL**

Diante dos desafios dos novos entrantes estrangeiros, com elevado nível de eficiência e atendimento, e de todas essas tendências globais, o que o varejo brasileiro pode fazer? Na visão de honório Pinheiro, presidente da Confederação Nacional de Dirigentes lojistas (CNDl), a ordem é focar sobretudo a profissionalização –particularmente no pequeno varejo, que são 98% das empresas (empregam até 13 pessoas). A boa notícia é que isso parece já estar acontecendo. “Em nosso grupo no NRF, tínhamos muitos pequenos varejistas que desejam estar em sintonia com as principais tendências.” Na adesão ao próprio NRF, os brasileiros são maioria entre as 80 delegações internacionais. Cristina Franco, presidente da Associação Brasileira de Franchising, já credita aos esforços de profissionalização os bons números desse segmento no Brasil, que cresce (bem) acima do PiB ano a ano –as franquias aumentaram 7,7% em 2014, atingindo um faturamento de  R$ 127 bilhões. 

Rui Botelho, diretor da firma de consultoria PwC no Brasil, já percebeu a movimentação dos brasileiros em relação às tendências globais. Desde o fim do NRF, vem fazendo várias reuniões guiadas pela pergunta: “Como maximizo minha produtividade e aumento a rentabilidade, a fim de liberar verba para inovação?”. De acordo com Botelho, “nosso mercado quer, de fato, pôr em prática o que viu lá”. Ainda há, é claro, uma diferença sensível entre discurso e prática. Pesquisa do Gartner Group indica que o varejo nacional investe apenas 1,4% de sua receita em tecnologia, enquanto o norte-americano investe 6,7% só em serviços de internet. 

Também o desafio é maior no Brasil do que nos EUA, por causa de gargalos de infraestrutura, como o de uma banda larga lenta e instável, ou da legislação –um checkout descentralizado como o das Apple Stores dos EUA (em que o próprio vendedor fecha a compra em seu dispositivo móvel e envia a nota fiscal por e-mail para o consumidor, evitando balcão e filas) não pode ser feito em São Paulo, embora o Rio Grande do Sul o permita. Seja como for, vários empresários do setor, como Altino Cristofoletti júnior, já estão começando a fazer a lição de casa. À frente da Casa do Construtor, rede de franquias com 210 lojas pelo País, ele iniciou a integração dos canais de contato com o cliente, dando foco à estrutura do banco de dados. “Será esse manancial de informações que dará suporte para os funcionários da loja prestarem um melhor serviço na ponta”, comenta. Ele é um bom exemplo da profissionalização recomendada pela CNDl. “Como fazemos vendas consultivas, o fator humano é nosso maior ativo e precisa de todo o apoio possível: os dados confiáveis fornecidos pela tecnologia se somarão a nosso forte treinamento, a nossa universidade corporativa.”

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