Quando entra em uma TechShop, a pessoa pode sentir-se perdida em uma oficina gigantesca. É um local de US$ 1 milhão em máquinas e repleto de gente fazendo coisas com elas. Não são apenas impressoras 3D, tão em moda, que se encontram lá. Há máquinas de corte a laser, injeção a plástico, costura industrial, modelagem a vácuo, fresadora, pintura eletrostática, entre outras, além de materiais diversos, como madeira, plástico, acrílico, ferro e têxteis.
Os frequentadores, como sócios de um clube que pagam mensalidade para usá-lo à vontade e ainda fazer cursos extras, vão de jovens a veteranos e têm perfis variados, como os de artistas, profissionais liberais e executivos, trabalhando em seu hobby, no protótipo de um futuro empreendimento próprio ou de uma inovação social, ou ainda enviados ali por suas empresas para desenvolver a criatividade.
A TechShop tem oito unidades, cresceu 20 vezes em cinco anos em mensalistas –hoje são 6 mil– e receita –US$ 1 milhão por mês– e também é um dos destaques da Maker Faire, evento que, em 2013, atraiu 195 mil pessoas em dois finais de semana em San Francisco e Nova York e já tem versões em Tóquio, Roma, Santiago e Oslo. Fundadas em 2006, a TechShop e a Maker Faire são os braços visíveis de um movimento que ganha cada vez mais adeptos em tempos de incerteza sobre empregos e de críticas aos ambientes de trabalho convencionais: os makers (fazedores).
O que os makers pregam é a retomada da ideia de criar algo do começo ao fim, com as próprias mãos, mas sem as limitações do trabalho artesanal. Mark Hatch é CEO da TechShop, autor do manifesto do movimento maker, publicado em livro em 2013, e um dos líderes do movimento. A convite de HSM Management, ele conversou com os brasileiros Ricardo Cavallini e Alon Sochaczewski, empreendedores que vêm organizando o movimento no Brasil, onde ele tem inspirado diversos fóruns de internet.
> **É tudo fazer**
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> O termo “makers” foi criado em 2005 por Dale Dougherty, fundador da Make Magazine e criador da expressão “web 2.0”. Segundo ele, “todos nós somos ‘fazedores’. Nascemos fazedores. Temos a capacidade de fazer coisas, de pegar as coisas com as mãos. Usamos palavras como ‘pegar’ também metaforicamente, no sentido de entender as coisas. Não vivemos apenas; fazemos. Criamos coisas”. Quem disseminou realmente o conceito, no entanto, foi Chris Anderson, ex-editor da revista Wired e autor de vários best-sellers. Em seu livro Makers: The New Industrial Revolution, ele reconhece a definição de Dougherty e a complementa, lembrando o fascínio das crianças por desenhos, blocos de Lego e trabalhos manuais. “Muitos de nós ainda mantemos esse amor por nossos hobbies e paixões. Não se trata apenas de oficinas e garagens. Se você ama cozinhar, você é um fazedor da cozinha e seu fogão é sua bancada de trabalho. Se você gosta de plantas, você é um fazedor do jardim. Tricô, costura, scrapbook, ponto-cruz –é tudo fazer.”
> **Os 9 mandamentos do movimento maker**
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> **Make** – Faça É o que define o ser humano.
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> **Share** – Compartilhe É o método pelo qual o maker (fazedor) se sente completo.
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> **Give** – Doe Há poucas coisas mais satisfatórias do que, com desprendimento, doar algo que você fez.
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> **Learn** – Aprenda É preciso aprender a fazer. E, por mais que você se torne um mestre artesão, sempre há novas técnicas, materiais e processos.
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> **Tool up** – Aparelhe-se Você precisa ter acesso às ferramentas corretas para o projeto que tem em mãos. Invista e desenvolva acesso a elas, que nunca foram tão baratas e fáceis de usar.
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> **Play** – Brinque Divirta-se com o que está fazendo e você ficará surpreso, animado e orgulhoso do que vai descobrir.
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> **Participate** – Participe Una-se ao movimento maker e tenha acesso a pessoas a sua volta que estão descobrindo a alegria de fazer.
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> **Support** – Apoie Esse é um movimento e ele exige apoio emocional, intelectual, financeiro, político e institucional.
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> **Change** – Mude Acolha a mudança que vai acontecer naturalmente em sua jornada de maker
A primeira conclusão dos três tem a ver com emoção: enquanto Hatch viu profissionais experientes chorarem na visita à TechShop, Cavallini e Alon viram profissionais experientes vibrarem como crianças em um workshop deles de Arduino, por conseguirem realizar a tarefa de fazer uma lâmpada LED acender (Arduino é a plataforma para prototipar hardware). O manifesto do movimento maker começa com o mandamento “make” (faça, em inglês). Para Hatch, é isso que define o ser humano. “Há algo único em fazer coisas físicas; temos de fazê- -las para nos sentirmos completos. São como pedaços de nós.” A seguir, os melhores momentos da mesa-redonda virtual, que também discutiu as ameaças dos makers às empresas estabelecidas no longo prazo –e as oportunidades.
**Ricardo Cavallini:** A TechShop levantou US$ 20 milhões em capital de risco, frequenta a lista da revista Inc. das empresas que mais crescem nos Estados Unidos e teve um salto de 798% no faturamento entre 2009 e 2012. Isso significa que as pessoas estão prontas para ser e acolher os makers?
**Mark Hatch:** [Risos.] Quando abrimos a TechShop, oito anos atrás, um VC [investidor de risco] descreveu-a como uma nova categoria –e investidores odeiam novas categorias, porque nenhum retorno vem rápido e barato. De fato, para termos 200 membros, levamos dois anos. Hoje a situação está melhor aqui nos Estados Unidos –temos 6 mil membros–, mas não se pode dizer que o mercado esteja pronto. De maneira geral, acontece assim: se a gente disser “Venham!”, ninguém aparece. A gente precisa arrastar as pessoas para dentro, e nem todo mundo vai ficar.
**Alon Sochaczewski:** Aquele aparelho para passar cartão de crédito do iPhone, da Square, nasceu na TechShop como protótipo. O que motiva os makers é criar negócios?
**Hatch:** Acredito que a maioria dos makers esteja fazendo principalmente porque quer fazer; só depois vem a ideia de converter o fazer em um negócio. E, se para lançar um negócio nos EUA o indivíduo normalmente precisa de US$ 100 mil a US$ 200 mil de capital inicial, com a TechShop, esse custo cai para US$ 15 mil a US$ 25 mil. O fascinante aqui é poder criar o negócio a partir de seu estilo de vida e sustentar-se assim. Talvez você não fique podre de rico, mas não é essa a motivação. Cavallini: Você disse que é difícil para o VC entender o movimento. E quanto às empresas?
**Cavallini:** Você disse que é difícil para o VC entender o movimento. E quanto às empresas?
**Hatch:** Estão perdidas. Só algumas fazem ideia do que esteja acontecendo, como a GE, que aplica conceitos dos makers em projetos específicos. As empresas nos convidam para explicar o fenômeno.
**Alon:** Elas entendem ameaças e oportunidades? Por exemplo, os makers lhes roubarão talentos?
**Hatch:** Acho que sim, mas isso levará de 15 a 20 anos para acontecer. As pessoas mais talentosas e ambiciosas criarão os próprios empregos e provavelmente esnobarão as corporações.
**Alon:** Vale um departamento maker na empresa?
**Hatch:** Acho difícil, porque a empresa quer criar eficiência. Se você montar um ecossistema de empreendimento dentro da empresa, todo mundo vai querer estar nele e não no restante das funções necessárias à eficiência –não funciona. Além disso, a maioria das pessoas de empresas é “viciada” na carga horária das 8h às 17h e no salário que paga todas as contas. Elas não aceitariam reduzir o salário à metade e trabalhar das 8h até a hora que precisar, sete dias por semana, algo muitas vezes necessário ao empreendedor; elas não se dispõem a correr o risco.
**Cavallini:** Hoje, as empresas estão gastando mais com pesquisa e desenvolvimento e ganhando menos, pois o ciclo de vida dos produtos está caindo. A mentalidade maker pode mudar essa regra?
**Hatch:** Concordo que o ciclo de vida dos produtos fica menor a cada dia, o que exige um retorno rápido do investimento, mas o custo do investimento em P&D também está diminuindo. Vivo dizendo aos executivos de inovação: “Dê para mim seu orçamento, eu o reduzirei pela metade e triplicarei o resultado, porque as coisas estão mal organizadas aí”. Hoje há processos melhores do que os de antigamente –nos últimos cinco anos a área mudou radicalmente; a mentalidade maker ajuda, sim.
**Cavallini:** Então seria ir além da inovação aberta? É possível ter uma TechShop em uma companhia para viabilizar isso com mais segurança?
**Hatch:** Claro que sim! Ninguém poder usar os laboratórios incríveis que existem dentro das empresas é pouco inteligente. Deixem a comunidade usá-los! Essa ideia já está circulando entre as empresas e deixando-as aterrorizadas, porque seus advogados disseminam o medo.
**Alon:** A TechShop faz parcerias com empresas?
**Hatch:** Em geral, somos procurados por pessoas inovadoras de grandes empresas para projetos específicos. Foi o caso de um gestor visionário da Ford que queria criar um laboratório para quatro colaboradores, leu sobre nós no New York Times, chamou-nos, assinamos uma carta de intenções da parceria e em 48 horas estava tudo certo. Temos um bom número de negociações em andamento.
> **Dois exemplos brasileiros**
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> Imagine um bebê que nasceu com malformação cardíaca. Se, em vez de trabalhar com a imagem de tomografia computadorizada tradicional, o cirurgião tiver uma réplica real de seu coração, em 3D, o planejamento da cirurgia corretiva será muito mais preciso. Essa foi a oportunidade de empreender que os médicos e makers brasileiros Bruno Aragão e Virginio Netto descobriram e, com a impressora 3D e a ajuda do engenheiro mecânico Danilo Barbosa, criaram uma startup, a 3Dux. A solução de réplicas de órgãos com as patologias reproduzidas, que já está sendo testada na prática, pode ser de grande ajuda em muitos casos, como o de uma equipe médica que deve treinar procedimentos ortopédicos e vasculares ou o de estudantes de medicina que querem ir além dos modelos genéricos para entender a variedade de patologias reais. Esse é apenas um exemplo do que o movimento maker, embora jovem e incipiente no Brasil, já está fazendo por aqui. Outro caso é o do Bloom, uma plataforma que permite realizar controle de acesso, interações com redes sociais e até mesmo pagamento sem atrito usando cartões ou celulares e que tem tudo para mudar a indústria de eventos. Envolvendo hardware, software e interface de programação, ele nasceu com o uso de ferramentas de prototipagem típicas dos makers pelos gestores e makers Edson Pavoni e Isabelle Perelmuter e seu lançamento está previsto para agosto. Desenvolver soluções desse porte e complexidade agora está ao alcance de todos –brasileiros inclusive. Esses casos nacionais provam que tudo isso é possível e inspiram outros a fazer o mesmo. Desconfio que, mais do que um ciclo vicioso, esse movimento será um ciclo viciante.
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> **por Ricardo Cavallini, maker e sócio do Makers Brasil**
**Alon:** Medo de arriscar é a maior barreira? Nas empresas do Brasil, risco é algo a ser evitado de todas as maneiras, e fracasso é uma vergonha…
**Hatch:** Se for isso, é uma bobagem. Antes, a ideia de risco envolvia irritar o cliente e perder US$ 5 milhões. Hoje você faz um produto minimamente viável, disponibiliza-o só online, em uma única cidade, e vai monitorando as vendas. Custa um troco. A metodologia mudou completamente e a única grande empresa que abraçou isso foi a GE, que já fez dois ou três produtos assim.
**Cavallini:** O curioso é elas não enxergarem nenhum risco em não se aliarem aos makers e só serem ameaçadas por eles. Por exemplo, o mercado de peças de reposição, que é extremamente lucrativo para algumas empresas, pode ser fulminado da noite para o dia daqui a algum tempo…
**Alon:** No Brasil, talvez não vejam risco, porque o ecossistema do movimento se baseia muito em conhecimento e crowdfunding, coisas ainda tímidas. Mesmo nos EUA, o ecossistema maker é precário?
**Hatch:** Sem dúvida! Um indivíduo cria uma luminária linda, a um preço ótimo, e faz todo o seu planejamento para produzir 100 por semana, com uma campanha de divulgação modesta. Então, abre o negócio e recebe a demanda de 4,8 mil luminárias. O que acontece? A demanda é desperdiçada, porque o maker não consegue comprar material nem produzir rápido o suficiente. São as lacunas do ecossistema as culpadas. A falta de financiamento dos bancos é uma; outra é o conhecimento em si, porque, embora esse maker saiba produzir 600 luminárias, ele não sabe produzir 4,8 mil. Mas não é motivo para alguém desistir de fazer. Quando lançaram o primeiro carro, não havia estradas. E o carro era incompleto, sem farol, alguém ia na frente com uma lanterna…
**Cavallini:** No Brasil, ainda temos pouca quilometragem, começamos para valer no final do ano com três workshops, de impressão 3D, Arduino e prototipagem, e fizemos oito turmas de 10 a 15 pessoas cada uma, além de alguns workshops in-company. O plano agora é montar 10 cursos, com kinect, wearable computing etc. Quais os planos de longo prazo para a TechShop e o movimento maker?
**Hatch:** Estamos pensando em três fases na TechShop que vão influenciar o movimento. A primeira é simplesmente ampliar a plataforma existente, passando a funcionar nas 200 maiores cidades do mundo –alguns lugares vão precisar de subsídios governamentais, como nas cidades da Coreia do Sul, onde nossa mensalidade, de US$ 125, é muito alta. Isso já está em andamento, sem pressa. A segunda fase é passar a atuar também em um tipo de plataforma educacional, com cursos online de vários níveis, para dar apoio a outros espaços makers e reduzir seus custos. Estamos aprendendo como podemos ensinar as pessoas a fazer praticamente qualquer coisa em 90 dias, um aprendizado que lhes será útil para o resto da vida. Talvez assim consigamos ajudar a criar mil oficinas de serviços de produção e prototipagem de curto prazo em todo o mundo. Em algum ponto desse arco, teremos uma fase três, de um ecossistema mais completo, capaz de apoiar a produção compartilhada. Aí seremos realmente capazes de expandir para outros mercados e reduzir preços. E aí conseguiremos mais subsídios locais para estender o conceito de makers a crianças na escola e a jovens abandonados e desempregados. Espero chegar a 1 mil ou 2 mil TechShops. Como só temos oito hoje, nem 1% da meta, temos um longo caminho a percorrer.
**Cavallini:** O Brasil tem grandes problemas que dificultam empreender, como a burocracia, a falta de infraestrutura, o déficit em educação. Mas o País também é reconhecido por sua criatividade e paixão. Com isso, você acha que o movimento maker poderia ser a chance para darmos um grande salto?
**Hatch:** Sim, realmente acho que sim, porque há talento e faltam oportunidades. O conceito de makers é sobre dar oportunidades de criar pequenos negócios e o talento é a fonte –e pode ser educado em uma oficina maker. As ferramentas nunca foram tão baratas e acessíveis!
**Alon:** Não se trata apenas de dar oportunidades em países emergentes como o Brasil, mas também de dar oportunidades em um mercado de trabalho futuro, que possivelmente terá menos empregos para humanos e mais máquinas nas empresas… Como educar as crianças?
**Hatch:** Em 30 anos, as pessoas que não souberem usar uma impressora 3D ou não entenderem coisas afins não terão emprego. Isso será tão normal quanto o computador é hoje; você precisa saber usá-lo, ainda que não saiba programá-lo. Quando quebrar a parte plástica do aparelho de barbear, as pessoas irão até uma loja na esquina para imprimir a peça de reposição. O projeto disso estará na nuvem, grátis ou bem barato para comprar do fabricante. Bastará baixá-lo e imprimir. Não acredito que empreender seja para todo mundo, mas pelo menos de 20% a 30% das pessoas gostariam de ser empreendedoras e se reprimem hoje. E, mesmo que a criança queira ser médica, ela também deve ser educada para empreender, porque isso lhe dará controle sobre sua vida.
**Cavallini**: No Brasil, há pesquisas indicando que 50% gostariam de empreender.