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Os TRUQUES de Apple, Amazon, Facebook e Google

Entenda por que saber trapacear é uma competência fundamental dos empreendedores de tecnologia e como essas quatro gigantes o fazem com maestria.
Professor de marketing da Stern School of Business, ligada à New York University, e autor de Os quatro – Apple, Amazon, Facebook e Google: O segredo dos gigantes de tecnologia, publicado pela HSM. Este artigo se baseia nos highlights do capítulo 6 deste livro. Seu TED Talk sobre o assunto já tinha passado a marca de 1,7 milhão de visualizações no fechamento desta edição.

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Saber trapacear é uma competência essencial das empresas de tecnologia de alto crescimento. Ninguém gosta de acreditar nisso, já que os empreendedores têm lugar de honra na cultura norte-americana. Eles são os rebeldes impetuosos que ousam enfrentar os moinhos de vento das gigantescas corporações, os Prometeus modernos que levam o fogo das novas tecnologias à humanidade. Só que a verdade é muito menos romântica.

Aqueles que dominam o mercado ou a economia, que denominei “cavaleiros”, naturalmente não nascem como tubarões-brancos, já dominando o oceano. Eles nascem como ideias, na garagem da casa dos pais ou no dormitório da faculdade. Olhando para trás, a trajetória dessas empresas pode parecer óbvia e até inevitável, mas quase sempre não passa de uma série improvisada de ações e reações. Como acontece com os atletas profissionais, tendemos a nos concentrar nas histórias dos poucos que conseguem chegar lá e nos esquecemos dos milhares que nunca entram na primeira divisão. Enquanto isso, a poderosa e endinheirada empresa que desponta, altiva, no horizonte se parece muito pouco com a iniciante amadora que nasceu na garagem anos atrás, especialmente depois que o departamento corporativo de relações públicas termina de reescrever o mito da fundação. Essa transformação acontece, apesar da luta dos fundadores para manter a energia jovial do estágio de startup.

Entretanto, a mudança é inevitável, em parte porque o mercado nunca para de mudar, de modo que as empresas precisam se adaptar ou morrer, mas também porque as jovens empresas que não têm nada a perder podem sair impunes de dissimulação, roubo e mentiras descaradas – recursos que as empresas que já têm uma reputação, mercados e ativos a proteger não podem utilizar. Sem contar que o Departamento de Justiça dos Estados Unidos só começa a prestar atenção nas empresas depois que elas crescem. Quando a história é escrita pelos próprios vencedores, expressões como “a empresa x foi uma fonte de inspiração” ou “fizemos um benchmarking para chegar a essa ideia” substituem termos mais diretos e menos agradáveis.

**DOIS TIPOS DE TRAPAÇA**

Os pecados dos cavaleiros se enquadram em um de dois tipos de trapaça. A primeira trapaça é pegar (o que não raro quer dizer “roubar”) a propriedade intelectual de outras empresas e reutilizá-la em benefício próprio, e depois protegê-la com unhas e dentes assim que se acumulou um monte delas. A segunda trapaça é lucrar com ativos criados por outra entidade de uma maneira que o próprio criador não tenha como fazer isso.

 Com a primeira trapaça, os futuros cavaleiros não dependem da própria inventividade para se sair com ideias inovadoras e podem lançar sua matilha de advogados para atacar com ferocidade os que tentarem aplicar o mesmo golpe neles. A segunda trapaça é um lembrete de que a chamada “vantagem do pioneirismo” em geral não é uma vantagem. Os pioneiros do setor não raro acabam com fl echas nas costas, enquanto os cavaleiros que chegam depois (o Facebook depois do Myspace, a Apple depois dos primeiros fabricantes de PC, o Google depois das primeiras ferramentas de busca, a Amazon depois dos primeiros varejistas on-line), alimentam-se da carcaça de seus antecessores, aprendendo com os erros, comprando os ativos e conquistando seus clientes.

**TRAPAÇA Nº 1: ROUBAR E PROTEGER**

As grandes empresas muitas vezes dependem de algum tipo de mentira ou de roubo de propriedade intelectual para acumular valor a uma velocidade e escala inimagináveis, e os Quatro não são diferentes. A maioria dos cavaleiros promoveu algum tipo de mentira para enganar outras empresas, ou o governo, e as induziu a disponibilizar algum subsídio ou transferência de valor que ao final acaba inclinando dramaticamente o equilíbrio de poder para o lado deles. (E acompanhe a luta da Tesla nos próximos anos por subsídios do governo para fabricar automóveis movidos a energia solar e elétrica.) Depois que se transformam em cavaleiros, contudo, eles de repente ficam indignados com esse tipo de comportamento e fazem de tudo para proteger seus ganhos. 

Essa dinâmica pode ser vista com ainda mais clareza no caso de países. No contexto geopolítico, há apenas um cavaleiro, os Estados Unidos, e a história do país demonstra essa dinâmica. No período subsequente à Revolução Industrial, os Estados Unidos não passavam de uma startup iniciante diante de muitas oportunidades, mas com pouca capacidade de explorá-las. Na Europa, a inovação (Revolução Industrial) se desenvolvia com relativa paz e os fabricantes norte-americanos simplesmente não tinham como competir. Mais especificamente, a importante indústria têxtil era dominada por tecelagens britânicas, que usavam teares superiores (cujo design eles tinham roubado dos franceses) e outras tecnologias. A Grã-Bretanha tentou proteger essa indústria com leis que impedissem a exportação de equipamentos, projetos de equipamentos e até artesãos que sabiam construí-los e operá-los.

Então os norte-americanos roubaram a tecnologia. O secretário do Tesouro na época, Alexander Hamilton, emitiu um relatório exigindo a aquisição de tecnologia industrial europeia por meio de “provisões adequadas e os devidos esforços”, mesmo reconhecendo despreocupadamente que a exportação era proibida pela lei britânica. O Tesouro dos Estados Unidos ofereceu recompensas aos artesãos europeus dispostos a trabalhar lá, violando diretamente as leis de emigração de seus países de origem. A lei de patentes dos Estados Unidos foi alterada em 1793 para restringir a proteção de patentes aos cidadãos norte-americanos, privando, desse modo, os proprietários europeus da propriedade intelectual de qualquer recurso legal contra o roubo.

Com essas origens, o poderio industrial norte-americano não demorou a crescer. A cidade de Lowell, no estado de Massachusetts, conhecida por ser o berço da Revolução Industrial norte-americana, foi fundada por descendentes de Francis Cabot Lowell. Francis visitou instalações têxteis britânicas posando de cliente curioso (o que até era verdade, apesar da definição incompleta) e memorizou o design e o layout da fábrica. Ao voltar aos Estados Unidos, ele fundou a Boston Manufacturing Company e construiu a primeira fábrica do país. E, em um belo prenúncio da indústria tecnológica moderna norte-americana, conduziu o primeiro IPO. O roubo deu origem a uma indústria multibilionária: a consultoria. Os Estados Unidos têm as melhores empresas de consultoria do mundo e o roubo está no DNA norte-americano. 

Hoje, os Estados Unidos são uma potência industrial, com as próprias vantagens tecnológicas e mercados para proteger. E, enquanto os cidadãos americanos prestam homenagem a Alexander Hamilton no musical da Broadway, as leis do país repudiam sua atitude casual em relação à propriedade intelectual. Os Estados Unidos hoje são o maior defensor de proteções de patentes e marcas e qualquer político norte-americano sempre ganhará votos quando criticar a China por roubar tecnologia americana. E com razão, já que a China, desejosa de atingir o status de cavaleiro no cenário mundial, está enviando seus próprios Francis Lowells ao território norte-americano, pessoalmente e pelo ciberespaço, para roubar qualquer coisa que possa encurtar seu caminho para a prosperidade. Enquanto isso, depois de décadas roubando patentes alheias, a China também acumulou sua própria propriedade intelectual a ponto de também ver a luz e se tornar uma defensora fervorosa da lei de patentes.

Talvez o “roubo” mais famoso da história da tecnologia esteja nas origens da Apple, quando Steve Jobs levou a visão não concretizada da Xerox de uma interface gráfica comandada por mouse ao revolucionário computador Macintosh.

Como Lowell e seus contemporâneos, que aprimoraram os projetos britânicos e os alimentaram com os amplos recursos e a crescente população do jovem país, Jobs sacou que a interface gráfica da Xerox tinha o potencial de abalar o mercado de computadores em uma escala muito maior que o enorme sucesso que a empresa tinha conquistado com a Apple II. Usando a interface gráfica, a Apple pôde criar, em sua própria descrição, “o computador para as pessoas comuns”. Foi algo que a Xerox jamais faria e jamais foi capaz de fazer, institucional, estratégica e filosoficamente.

A Apple simplesmente toma para si inovações desenvolvidas em outros lugares e aplica um “marketing” melhor. É mais ou menos isso. É verdade que a Apple comprou ou licenciou muitos dos pilares tecnológicos que fundamentaram sua posição de liderança atual, incluindo a interface gráfica da Xerox, as telas sensíveis ao toque da Synaptics e os chips da P.A. Semi. A questão não é que as jovens empresas simplesmente “roubam” para crescer, e sim que elas veem valor onde as outras não veem, ou são capazes de extrair um valor que as outras são incapazes de extrair. E fazem isso custe o que custar.

**TRAPAÇA Nº 2: NÃO ESTAMOS ROUBANDO, SÓ PEGANDO EMPRESTADO**

A segunda forma de trapaça é muito usada pelos Quatro: “emprestar” as informações dos usuários depois para vendê-las de volta a eles. O Google é um bom exemplo disso. 

O Google foi criado com base em insights matemáticos sobre a estrutura da web e a natureza das buscas, mas se tornou um cavaleiro com base no insight dos fundadores (e de Eric Schmidt) de que as informações podem ser distribuídas gratuitamente com uma mão e se tornar muito lucrativas com a outra. Marissa Mayer, então executiva do Google, testemunhou diante do Congresso norte-americano e disse a um grupo de, em sua maioria, homens velhos e brancos, que os jornais e as revistas tinham a obrigação natural de permitir que suas informações fossem sondadas, fatiadas e pesquisadas pelo Google. Em artigos divulgados pelo Google News, ela declarou que os resultados das buscas “são selecionados independentemente de ponto de vista político ou ideologia e os usuários podem escolher entre uma ampla variedade de perspectivas para qualquer notícia”. Mil flores poderiam florescer no éter, foi a sugestão. Os Estados Unidos poderiam manter seu DNA de inovação e crianças de cidadezinhas do interior teriam ajuda para fazer a lição de casa. Foi algo como a PBS se valendo de Vila Sésamo ao pedir uma renovação do subsídio do governo. Afinal, quem quer ficar para a história por matar o Garibaldo?

Na verdade, de acordo com o testemunho de Mayer, o Google fornecia “um valioso serviço gratuito aos jornais on-line ao direcionar leitores interessados a seus sites”. Ela parecia decepcionada com o fato de o _New York Times_ e o _Chicago Tribune_ não fazerem fi la para agradecer o Google por tudo que a empresa fez por eles. Talvez a razão para isso seja o fato de que o “valioso serviço gratuito” do Google na verdade estava esvaziando rapidamente a base publicitária do setor de notícias nos Estados Unidos e desviando toda a receita para si.

Mayer tranquilizou o Congresso: não temam, o Google oferece um serviço valioso, embora não gratuito, para resolver isso. Os editores dos meios de comunicação, que cada vez mais dependiam do Google para gerar tráfego, poderiam aderir ao Google AdSense, que “ajuda os editores a gerar receita com seus conteúdos”.

A realidade, é claro, era que, nas eleições de 2016, as informações já podiam ser polarizadas por algoritmos capazes de detectar nosso “ponto de vista político e ideologia” em uma questão de milissegundos. Depois do testemunho de Mayer, as empresas de notícias (que nunca tinham precisado da “ajuda” do Google para gerar receita) entraram em extinção em uma velocidade alarmante. Enquanto isso, o Google passou a sugar todas as informações do mundo (sobre nós, sobre nossos hábitos, sobre nosso mundo), aplicando seus algoritmos a essas informações para nos fornecer ainda mais “valiosos serviços gratuitos”.

Tanto o Facebook como o Google declararam, no início da década, que não compartilhariam informações de usuários entre seus silos organizacionais (do Facebook para o Instagram, do Google para o Gmail, YouTube e DoubleClick). No entanto, os dois cavaleiros mentiram e alteraram sorrateiramente suas políticas de privacidade, demandando uma solicitação específica de não aderência se você não quiser que eles façam a referência cruzada de suas atividades com sua localização e suas buscas. Nada indica que essas empresas tenham qualquer outra intenção a não ser usar os dados para fazer uma segmentação de marketing melhor. No mundo do marketing digital, essa aplicabilidade não raro acaba sendo estranha. Até o presente momento, consumidores e anunciantes votaram com suas ações e declaram que o estranho é um preço que vale a pena pagar pela aplicabilidade.

**SAIBA MAIS SOBRE SCOTT GALLOWAY E O LIVRO OS QUATRO**

Não é novidade para ninguém. Embora tenham muitos méritos, Apple, Amazon, Facebook e Google (ou sua holding Alphabet) gostam de criar mitos em torno de si. Em vez de apenas perpetuar esses mitos, o professor da Stern School of Business Scott Galloway, uns dos professores de administração mais festejados do mundo, decidiu debruçar-se sobre essas empresas e analisá-las baseando-se em respostas a algumas perguntas instigantes. Como os quatro conseguiram se infiltrar em nossa vida a ponto de ser quase impossível evitá-los (ou boicotá-los)? Por que o mercado financeiro os perdoa por pecados que destruiriam qualquer outra companhia? E quem seria capaz de desafiar os Quatro na corrida para se tornar a primeira empresa trilionária do mundo?

No livro recentemente lançado no Brasil pela HSM, Galloway trata de decifrar as estratégias dessas quatro empresas. Por exemplo, ele mostra que elas lidam muito bem com as necessidades emocionais básicas que orientam o comportamento dos seres humanos desde que nossos antepassados moravam em cavernas, com uma velocidade e alcance a que as outras companhias simplesmente não conseguem igualar. E compartilha suas lições com empresas e gestores.

**QUANTO VALE A INFORMAÇÃO**

O credo dos hackers, “a informação quer ser livre”, preparou o terreno para a segunda era dourada da internet. Vale a pena lembrar da origem dessa frase, proposta pela primeira vez por Stewart Brand, fundador do Whole Earth Catalog, na Conferência de Hackers de 1984. A ideia foi formulada nos seguintes termos:

_Por um lado, a informação quer ser cara, porque tem muito valor. A informação certa no lugar certo tem o enorme poder de mudar vidas. Por outro lado, a informação quer ser livre e gratuita, porque o custo de sua distribuição não para de cair. Portanto, temos essas duas forças opostas em eterno conflito._

As informações, como todos nós, querem desesperadamente ser atraentes, especiais e bem pagas… muito bem pagas. As informações querem ser caras. A empresa de mídia de maior sucesso dos Estados Unidos, tirando o Google e o Facebook, é a Bloomberg. Michael Bloomberg nunca caiu nessa armadilha e nunca deu informações de graça. Ele misturava informações alheias com dados exclusivos, incluía uma camada de inteligência e (eis o truque) as escasseava. As informações eram caras e a empresa tinha a própria distribuição vertical (vitrines) na forma de terminais da Bloomberg. Se você quiser ter acesso a notícias quentes do mundo dos negócios que podem afetar o preço de uma ação de sua carteira, assine a Bloomberg e instale um terminal no seu escritório para poder ver um fluxo interminável de notícias e de dados financeiros.

A parte que diz que a “informação quer ser cara” da declaração parece ter sido esquecida, como Trotsky foi apagado das fotos, por empresas que desejam que o conteúdo seja gratuito. Na verdade, o interesse de Brand se voltava a essa tensão entre os dois e foi nessa tensão que ele anteviu a inovação. O Google (e o Facebook, em um contexto diferente) conseguiu dominar essa tensão. A empresa se aproveita dos custos de distribuição cada vez mais baixos, dando aos usuários acesso a um mundo inteiro de informações antes dispendiosas, e extrai bilhões de dólares dessas informações ao controlar o acesso a elas. 

O Facebook também alavancou a tensão entre os custos cada vez mais baixos das informações e seu valor sempre em alta. Sua manobra de jiu-jítsu foi ainda mais radical que a do Google. O Facebook convence seus usuários a criar o conteúdo e vendê-lo aos anunciantes para que eles possam vender anúncios aos usuários que o criaram. A empresa não está “roubando” nossas fotos de bebês e nossos discursos políticos indignados, mas está extraindo bilhões de dólares dos posts que criamos usando uma tecnologia e uma inovação às quais não temos acesso. Não existe uma maneira melhor de “emprestar” que essa. 

O Facebook construiu seus fundamentos com base em uma segunda mentira, repetida milhares de vezes nas primeiras reuniões entre o exército de representantes de vendas do Facebook e as maiores marcas de consumo do mundo: “Construa grandes comunidades e você será o dono delas”. Centenas de marcas investiram centenas de milhões de dólares no Facebook para agregar enormes comunidades da marca hospedadas na plataforma. E, ao estimular os consumidores a “curtir” suas marcas, elas deram ao Facebook uma montanha enorme de publicidade gratuita. Depois que as marcas construíram mansões caríssimas na plataforma e estavam prontas para se mudar, o Facebook retorquiu: “Foi só uma brincadeirinha, vocês na verdade não são os donos desses fãs e vão precisar pagar por eles”. O alcance orgânico do conteúdo de uma marca (a porcentagem de posts de uma marca apresentada no feed de um fã) despencou de 100% para menos de 10%. Se uma marca quisesse atingir sua comunidade, ela precisaria anunciar no Facebook ou, em outras palavras, pagar ao Facebook. É como construir uma casa e um fiscal da prefeitura aparecer quando você já estiver fazendo o acabamento. Enquanto o fiscal troca as fechaduras, ele declara: “Você vai ter de nos pagar um aluguel se quiser morar aqui”.

Uma multidão de grandes empresas acreditou que seria dona da plataforma e acabaram sendo meros inquilinos do Facebook. A Nike pagou ao Facebook para construir sua comunidade, só que agora menos de 2% dos posts da Nike são exibidos a essa comunidade… a menos, é claro, que a Nike tope anunciar no Facebook. Se a Nike não gostar da brincadeira, azar o deles, eles podem ir chorar para a comunidade da outra rede social com 2 bilhões de usuários… Mas espere aí… que outra rede social? Na falta de outra opção, as marcas reclamaram e, no entanto, engoliram o abuso.

**O SEGREDO DE UM BOM GOLPE**

Todo mundo sabe quais são os planos da Amazon: 1) dominar os setores de varejo e mídia do planeta; e 2) substituir a entrega de todos esses produtos (pode dar tchauzinho à UPS, FedEx e DHL) por seus próprios aviões, drones e veículos autônomos. É bem verdade que eles vão continuar encontrando lombadas no caminho. Mas nem vão sentir a ondulação, com sua cultura de inovação e seu acesso a um capital infinito. Será que alguém acredita que qualquer país do mundo (exceto, talvez, a China, protegendo seu próprio varejista on-line, a Alibaba) seja capaz de resistir?

Como explicado pelo personagem de Paul Newman no filme _Golpe de mestre_, o segredo de um grande golpe é a vítima nunca perceber que foi enganada. Na verdade, a vítima crê que vai ganhar uma bolada até o último momento. Os jornais ainda acham que estão na crista da onda do futuro e nem fazem ideia de que estão se afogando no fundo do mar. Eles foram apunhalados pelo Google e nem perceberam. E, mesmo quando o Google não teve nada a ver com isso, os jornais foram condenados ao fracasso pela própria estupidez (quando deixaram passar a oportunidade de comprar o eBay que lhes foi oferecido em uma travessa de prata, quando deixaram de adquirir a Craigslist quando ainda era uma startup e quando decidiram manter seus melhores talentos na mídia impressa em vez de transferi-los para a internet). Se tivessem tomado a decisão certa em apenas a metade das oportunidades do ciberespaço, a maioria dessas empresas ainda estaria viva.

Os outros cavaleiros também trapacearam (e feio) suas vítimas. As marcas injetaram avidamente rios de dinheiro para construir comunidades no Facebook antes de perceber que jamais seriam as donas dessas comunidades. Os vendedores correram para entrar na Amazon, acreditando que a plataforma lhes daria acesso a toda uma nova base de clientes, mas agora se veem competindo com a própria Amazon. Até a Xerox achou que fi caria com uma participação lucrativa (100 mil ações) da Apple, uma das empresas de tecnologia mais badaladas do mundo, só para deixar Steve Jobs olhar o que tinha dentro de “seu quimono”. Seria possível dizer que essas pobres vítimas atiraram no próprio pé. 

Os aspirantes a cavaleiros sempre se mostram dispostos a entrar no mercado usando recursos antes não disponíveis para a concorrência da velha guarda. O Uber, por exemplo, opera em flagrante violação das leis em muitos mercados, talvez quase todos. O serviço foi banido na Alemanha; os motoristas do Uber são multados na França (mas o Uber paga as multas); e várias jurisdições dos Estados Unidos exigiram que o Uber cessasse suas operações. E, mesmo assim, os investidores (incluindo governos) entram na fi la para dar bilhões de dólares à empresa. Eles acreditam que, no fi m, as leis vão precisar ser alteradas antes de o Uber ser obrigado a fechar as portas e que o Uber é simplesmente inevitável. E eles provavelmente estão certos. Esse nosso mundo tem suas leis e seus inovadores. Todo mundo aposta nos inovadores.

O Uber não só consegue contornar as leis aplicáveis aos serviços de aluguel de carros, como também consegue esquivar-se das leis trabalhistas fazendo-se de um aplicativo que só faz a ponte entre motoristas e usuários (uma balela que ninguém engole). Apesar disso tudo, os motoristas e os usuários do Uber (eu inclusive) continuam se inscrevendo no serviço em um ritmo alucinante, já que seu serviço básico e seu aplicativo são infinitamente melhores que o modelo entrincheirado dos táxis. O Uber entendeu que, se um setor estiver em frangalhos, os consumidores vão conspirar para violar as leis a favor de um serviço mais razoável. E, no futuro, você acha mesmo que os governos vão ter coragem de se colocar contra o mercado financeiro e milhões de consumidores?

A Amazon também conspirou com meio bilhão de consumidores para usar seus algoritmos, pegar parte das margens que os vendedores costumavam embolsar e repassá-las a seus aliados, os consumidores. Um varejista alavancando seu poder para desenvolver uma marca própria de margem superior não é novidade alguma. Só que nunca vimos alguém fazer isso tão bem. Da mesma forma como os aliados dos Estados Unidos se declararam “chocados” quando ficaram sabendo que os norte-americanos estavam espionando os telefonemas dos líderes mundiais, todos já sabiam que todos se espionam. O que os irritou foi saber que os Estados Unidos são muito melhores do que eles nesse quesito. Essa aliança entre a Amazon, o consumidor e os algoritmos põe um valor enorme nas mãos dos consumidores e o crescimento resultante da Amazon permite à empresa coletar centenas de bilhões em valor para seus funcionários e investidores. Nós, consumidores, nos beneficiamos enormemente de um relacionamento com os aliados mais poderosos do planeta. Nós, cidadãos, assalariados e concorrentes, sabemos que estamos sendo destratados, mas não temos coragem de romper o relacionamento com a rainha do baile.

Existe um sistema de justiça, porém ele não é cego. É bom sermos tão ricos quanto um dos Quatro quando nos pegam em flagrante. O Facebook garantiu aos legisladores da União Europeia, ao solicitar a aprovação para a aquisição do WhatsApp, que as duas entidades jamais compartilhariam dados em curto prazo. A promessa tranquilizou os legisladores quanto a questões de privacidade e a aquisição foi aprovada. Alerta de spoiler: o Facebook descobriu rapidinho como os dados poderiam saltar as barreiras entre os silos. Quando isso aconteceu, a União Europeia, sentindo-se ludibriada, impôs uma multa de € 110 milhões ao Facebook. Foi como levar uma multa de estacionamento de US$ 10 por não pagar uma Zona Azul que custa US$ 100 por 15 minutos. Pelo jeito, transgredir a lei compensa.

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