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PERDA DE CLIENTES, O APRENDIZADO-CHAVE

Em tempos de branding e de retenção, é obrigatório entender a razão de perder clientes
é professora da área de marketing e negócios internacionais do Instituto Coppead de Pós-Graduação, ligado à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

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Os clientes são o motor da existência de qualquer organização. Portanto, é natural que os esforços de marketing, análises e pesquisas de mercado se voltem para entender como conquistá-los e mantê-los. Mas o que o marketing aprenderia se mudasse sua perspectiva por um instante? Se, no lugar das decisões de compra, olhássemos para o processo de abandono do consumo? 

Assim como os médicos pesquisam as doenças para promover a saúde, os gestores precisam enxergar as relações que deram errado e, em alguns casos, tornaram-se disfuncionais. Observando os desertores de nossos produtos, aprendemos sobre a razão de não se sentirem atraídos por nossa oferta e sobre o que eventualmente há de errado em nossa empresa, evitando a perda de outros clientes. 

Há cerca de uma década investigo consumidores que decidem abandonar consumos prévios, antes valorizados: marcas, categorias, comportamentos, ingredientes etc. Estudando setores e produtos distintos – carros, cigarros, refrigerantes, mídias sociais, cosméticos e alimentos, entre outros –, aprendi que o abandono é um processo e não necessariamente um ato, uma decisão isolada em dado momento. Em alguns casos, até pode ser abrupto, mas geralmente é gradual, ocorrendo ao longo do tempo e incluindo idas e vindas. 

O abandono nem sempre se trata de uma decisão e pode incluir dinâmicas inconscientes, como a descontinuação do consumo sem que uma decisão explícita seja tomada. Esse é o caso, por exemplo, do app instalado que não usamos, do site que deixamos de acessar, dos produtos que esquecemos no fundo da gaveta, no armário da cozinha, na garagem. Empresas atentas a esse processo são capazes de intervir nele, reestimulando o interesse antes que o abandono se concretize plenamente. 

**TRÊS TIPOS DE ABANDONO**

Normalmente associamos o abandono com crises de relacionamento entre os consumidores e a empresa, falhas e reclamações. Investigando mais profundamente o tema, percebi que o abandono vai além das histórias de insatisfação e que há pelo menos três tipos de abandono: contingencial, posicional e ideológico. Portanto, há diferentes antídotos para o problema. 

**Contingencial**

Nem sempre abandonar é uma escolha do consumidor. Em alguns casos, este se vê forçado a descontinuar um tipo de consumo por falta de dinheiro, espaço ou tempo, por conveniência ou por restrições médicas, devido a questões de saúde ou bem-estar. Esse tipo de abandono, chamado de contingencial, é repleto de conflitos e sentimentos ambíguos por parte do consumidor. Embora não comprem ou usem mais o produto, esses antigos clientes continuam pensando como consumidores, valorizando e desejando o produto. Embora reconheçam benefícios do abandono, sofrem com as perdas, sobretudo as emocionais e sociais. Assim, vivenciam sentimentos de luto. Tendem a ver o abandono como não definitivo e situacional e, por isso, quando possível, consideram movimentar-se no sentido de retomar o consumo no futuro. 

Reverter o abandono contingencial passa pelo desenvolvimento de novas tecnologias e conceitos de produto capazes de minimizar os contratempos que inviabilizaram o consumo. Normalmente, isso exige a atenção de áreas como pesquisa e desenvolvimento, compras, custos e marketing, com ações relacionadas com o ajuste e ampliação do portfólio de ofertas, de maneira a contemplar segmentos que não podem mais usufruir a solução oferecida pela empresa. 

**Posicional**

O segundo tipo de abandono representa uma ruptura com a lógica do consumidor. Assim, algo que antes era valorizado e desejado deixa de fazer parte do repertório de escolhas do indivíduo. É chamado de abandono posicional porque reflete uma posição pessoal diferenciada em relação ao passado e um distanciamento dos significados que o produto carrega. Esse tipo de abandono é comum nos momentos de transição de vida, como casamento, separação, nascimento de filhos, envelhecimento, mudança de casa etc. 

O abandono posicional também pode ser motivado por mudanças no próprio produto ou no contexto de mercado que reduzem o interesse pela oferta. Esse pode ser o caso, por exemplo, da marca de roupas sofisticada que passa a ser adotada por consumidores de baixa renda, afastando seu público original, ou do automóvel que reduz seu valor no cenário dos engarrafamentos das grandes cidades. 

No abandono posicional, a escolha de renunciar ao produto é, em muitos casos, capaz de melhorar a imagem e a autoestima do consumidor. Assim, pela abstinência, este demarca uma diferenciação simbólica, uma identidade própria e positiva, gerando orgulho e satisfação. Esse é o caso, por exemplo, do fumante que faz do abandono do cigarro uma prova de sua força e determinação ou de um consumidor emergente que deixa de usar uma marca popular para ostentar uma alternativa premium. 

Reverter o abandono posicional exige emendar o rasgo que se deu na relação entre o consumidor e a oferta, restabelecendo o repertório positivo e valorizado pelo mercado. É preciso entender se o produto teve seus significados ultrapassados ou está em conflito com os valores do consumidor, se ele foi envolvido em valores negativos e rejeitados pelo público-alvo. A solução, portanto, reside principalmente na articulação de setores de marketing e comunicação, que assim lideram a renovação das associações feitas com a categoria ou marca e a criação de conexões com valores positivos, ao mesmo tempo que os distancia dos segmentos indesejados pela empresa. Em outros casos, a organização precisa aperfeiçoar seu portfólio de produtos, atendendo às mudanças inexoráveis no ciclo de vida dos consumidores, ou ajustar sua oferta para novas configurações do contexto mais amplo em que seu produto está inserido. 

**Ideológico**

Uma variação do abandono posicional, com contornos mais complexos, é o abandono ideológico. Este difere dos demais por apresentar uma perspectiva coletiva, segundo a qual os antigos consumidores acreditam que a sociedade como um todo deve abandonar ou repensar aquele consumo. O não consumo é uma postura política que mobiliza atenção e energia desses antigos consumidores, que se tornam “ativistas” engajados em demonstrar alternativas para aquele consumo, bem como suas implicações e significados negativos. Esses desertores não acreditam nos significados positivos da oferta e, principalmente, procuram reformular a maneira como a sociedade entende o consumo, por meio da manifestação pública de seu comportamento. Guiados por sua visão social, engajam-se em ações além dos domínios privados, mobilizando a arena coletiva pela mídia, pela internet, por sites de reclamação, pela organização de eventos e pela articulação com as instâncias governamentais. Mais do que simplesmente desertar, esses consumidores funcionam como polos criadores de um repertório de comportamentos e discursos que legitimam o abandono. 

Evitar o crescimento do abandono do tipo ideológico exige a atenção da empresa a discussões mais amplas da sociedade. Um exercício saudável para as corporações é refletir sobre os fatores e valores que hoje motivam essa postura de resistência. Como eles devem se configurar no futuro? E de que maneira a empresa pode revertê-los, se eles se apresentam em choque com a atual trajetória da companhia? Na maioria dos casos, a solução passa não apenas por mudanças internas, mas, sobretudo, pela articulação com diversos setores da sociedade, compartilhando com estes a discussão e a busca de soluções que não são de responsabilidade exclusiva da organização. Reverter o abandono ideológico usualmente se relaciona com decisões tomadas pelo conselho de administração e envolve o debate de aspectos estratégicos, como os valores e a missão da empresa, a revisão de tecnologias de produção e dos padrões de qualidade e a criação de ofertas mais sustentáveis. A tarefa pode exigir a ação da área de marketing e comunicação corporativa, bem como a participação da área jurídica, da de P&D e da de produção. 

**A FIAT QUIS SABER**

Há alguns anos, desenvolvemos no Coppead uma pesquisa em conjunto com a Fiat investigando consumidores que optaram por não comprar os carros da montadora. Levamos para participar das entrevistas funcionários de diversas áreas da companhia, que assim puderam ouvir in loco críticas a seus produtos e as razões que os fizeram optar pela concorrência. O processo foi sofrido, mas também muito desafiador e criativo para a empresa. Boas pesquisas, assim como bons remédios, podem ser amargas, porém seu valor está na possibilidade de atacar as fraquezas e gerar melhorias. 

Em sua próxima pesquisa, investigue os compradores, é claro, mas não deixe de olhar também para aqueles que resolveram se distanciar de sua oferta. (M.S.)

![](https://revista-hsm-public.s3.amazonaws.com/uploads/e59308f2-3e4b-46f4-ab29-32f8c874707e.jpeg) 

**MAIOR ATENÇÃO**

Tendo em vista os diferentes tipos de abandono – contingencial, posicional e ideológico –, uma pergunta importante é: qual deles é o mais alarmante para as organizações? O leitor sabe qual? 

Essa resposta precisa contemplar não apenas a importância de cada tipo de abandono nas quedas de venda da companhia, mas também, no longo prazo, os potenciais de influência e contaminação desse comportamento entre os diferentes grupos de consumidores. 

A atenção ao abandono ideológico, por exemplo, pode ser fundamental mesmo nos casos em que ele representa uma pequena fração dos desertores. Engajados em uma visão coletiva, esses indivíduos podem influenciar atuais consumidores ou contribuir para legitimar outros tipos de abandono, encurtando ainda mais o mercado da empresa. 

Pesquisando a categoria de automóveis, percebi que mesmo os abandonadores contingenciais e posicionais justificavam suas escolhas com base nos aspectos de preservação do meio ambiente e de melhoria da mobilidade nas cidades maiores. 

O abandono ideológico se torna mais relevante quando os argumentos e críticas do discurso “ativista” estão em sintonia com os valores e critérios de escolha do consumidor. Assim, no caso do automóvel, o apelo à racionalidade e à contabilidade dos custos econômicos e socioambientais encontra eco entre os consumidores, especialmente quando alternativas de transporte público e sistemas como o Uber viabilizam a mesma conveniência. 

Desertores ideológicos também merecem maior atenção quando reforçam medos importantes dos consumidores em relação à oferta. Em 2013, a Coca-Cola amargou uma queda de vendas depois que as imagens de um ex-consumidor em litígio com a empresa foram veiculadas na TV e na internet. O material destacava os danos aos sistemas digestivo e neurológico do homem, que teria ingerido refrigerante contaminado com veneno de rato. Embora se trate de um único caso, cuja veracidade ainda está sendo julgada na justiça, esse evento ecoou nas redes sociais, projetando os medos relacionados com a fórmula do refrigerante e suas consequências no longo prazo para a saúde dos consumidores. 

O abandono ideológico geralmente chama a atenção por ser mais vocal, mas não significa que seja o único a oferecer risco para as empresas. O abandono contingencial pode ser perigoso justamente por ser um processo silencioso, banal, que nem sempre se reflete imediatamente nos índices de satisfação e no valor da marca. Assim, em muitos casos, sua ameaça só é percebida muito tarde pelos gestores, quando seu impacto na trajetória das vendas é inegável. No abandono contingencial, a concorrência é semeada e floresce como uma solução precária e provisória para a falta de dinheiro, de espaço, de tempo e de conveniência do consumidor. E, assim, muitas marcas que continuamos a amar desaparecem do mercado. 

Diferentemente do que ocorre com a iniciativa de compra do consumidor, a do abandono é permeada por experiências anteriores dele com o consumo – ou seja, o consumidor conhece aquilo que está abandonando. Por isso, ele tem a possibilidade de avaliar mais criticamente os ganhos e as perdas desse movimento. 

A vantagem dessa métrica é imensa, mas, apesar disso, a maioria das empresas continua a perder a oportunidade de pesquisar e aprender com aqueles que desertaram, preferindo concentrar suas pesquisas nos compradores.

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