No mercado de talentos, é comum de alguns anos para cá ouvir falas repetidas aos quatro ventos sobre o propósito. Como discurso, ter um propósito se tornou um ponto central das escolhas das pessoas por um determinado lugar para se trabalhar. No entanto, costumo receber essas afirmações com cautela por alguns motivos.
Primeiro, é preciso fazer um recorte e lembrar que ao falarmos de “escolher lugares para se trabalhar” estamos fazendo um recorte bem específico para olhar uma minoria que realmente pode escolher, especialmente em uma realidade como a brasileira.
Em segundo lugar, diversas pesquisas, algumas realizadas há mais de 20 anos (antes até do “propósito” virar o tema da vez), dão conta de que os três fatores preponderantes nas escolhas mudaram quase nada ao longo dos anos: __(1)__ salários e benefícios atrativos; __(2)__ possibilidade de equilibrar diferentes esferas da vida; __(3)__ segurança no emprego.
Muda um pouco a ordem de fatores quando os recortes são por idade, região e área de trabalho, mas são sempre os mesmos, acompanhados de fatores como “fazer o que gosta”, “desenvolvimento” e “segmento de atuação da empresa”.
## Sem base não há propósito
Depois de alguns anos ouvindo em profundidade centenas de pessoas que trabalham em empresas de tecnologia, indústrias e serviços – sendo algumas delas unicórnios, empresas familiares (quase centenárias) e multinacionais –, notei que se esses três fatores preponderantes não são cuidados, o restante desmorona, com propósito e tudo.
Essa derrocada ocorre para quem pode escolher e para quem não pode, sendo que esses últimos obviamente são mais prejudicados.
Tendo a ser um pouco mais confiante nessas pesquisas que, ao mostrar um perfil generalizado, colocam os[ aspectos tangíveis de escolha](https://mitsloanreview.com.br/post/remotizacao-e-a-emigracao-de-talentos-do-brasil) no topo da lista de prioridades por um motivo principal: essas pesquisas sempre são pautadas por autorrelato, sem observação.
Sejamos francos: o que as pessoas dizem não reflete exatamente o que elas fazem. Se uma pesquisa pergunta a alguém se propósito importa numa escolha de emprego, é difícil que a pessoa responda que não. Afinal, propósito é bom e nobre, e quem não quer ser visto assim, ou ver a si mesmo, dessa forma?
Assim, “propósito” vai lá para o alto da lista de pontos decisórios no resultado da pesquisa e vira manchetes, como: “propósito é tão importante quanto salário quando as pessoas decidem trabalhar ou não em uma empresa”. Ótimo. Sabe quantas vezes ouvi alguém dizer que propósito foi fator preponderante para que entrassem ou desejassem sair da empresa em que estão? Conto nos dedos de uma mão.
Isso significar que ter um propósito não é importante? Claro que não, pois sustentar um propósito é relevante em múltiplos sentidos.
Acontece que o propósito falha como base da marca empregadora quando as escolhas sobre o que se diz ficam pautadas mais no propósito em si do que em como esse propósito é vivido no dia a dia. Além disso, há um fator mais agravante: a insistência em conectar o propósito da empresa com propósitos pessoais.
Nos dois casos, a falha pode ser gerada tanto na proposta de valor ao empregado (EVP) quanto nas narrativas construídas em pontos de contato.
O propósito da empresa pode dar contornos muito interessantes ao trabalho que cada um faz e as narrativas construídas em torno disso. No entanto, exceto em casos muito específicos, para a maioria de nós o propósito sozinho não responde aos fatores básicos que realmente direcionam as [escolhas de carreira](https://www.revistahsm.com.br/post/o-que-explica-a-baixa-qualidade-nos-curriculos).
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