“A diferença entre o remédio e o veneno é a dose.” Você já deve ter ouvido essa frase do médico e físico Paracelso. Desde o século 16 ele já afirmava que o que cura também pode adoecer, dependendo da quantidade. E nesse mesmo período da história, os médicos também recusavam a existência das bactérias até o microscópio ser inventado. O que esses dois exemplos do passado têm a ver com o presente?
O alerta de Paracelso igualmente se aplica ao trabalho, porque até o que é bom e que gostamos de fazer, dependendo da quantidade e frequência, pode fazer mal, e também estamos vivendo uma espécie de negação, não das bactérias, mas das consequências dos modelos atuais de trabalho.
Como ainda não existe um equipamento que permita ver o que acontece na mente de quem está com depressão, sofrendo [transtornos de ansiedade ou esgotado profissionalmente](https://www.revistahsm.com.br/post/saude-mental-no-trabalho-otimizando-o-roi-do-seu-maior-ativo), vivendo a síndrome de burnout, muitas pessoas – dentro e fora das empresas – ainda desqualificam as dores “invisíveis” da saúde mental relacionadas ao trabalho e isso só aumenta os prejuízos: individuais e coletivos, em todas as áreas. Como diz a campanha de uma empresa de saúde, “quando alguém minimiza o assunto, o problema só aumenta.”
## O que os dados nos dizem sobre nossa saúde mental?
Se ainda não temos este equipamento, temos números que me ajudam a exibir um raio-x do problema e propor medidas preventivas baseadas na produtividade sustentável:
1. [O Brasil é o país mais ansioso e o segundo mais estressado do mundo](https://www.revistahsm.com.br/post/o-estado-mental-do-brasileiro-na-pandemia).
2. É o país mais depressivo da América Latina.
3. Uma em cada quatro pessoas terá algum tipo de problema relacionado a saúde mental ao longo da vida.
4. Se somarmos os diagnósticos de depressão, ansiedade e burnout teremos mais de 50 milhões de brasileiros convivendo com algum tipo de dor e preconceito.
5. Os problemas relacionados a saúde mental são a segunda maior causa de afastamento e incapacidade no país.
E ainda, ao converter os dados de saúde mental em dinheiro, como fez a London School of Economics and Political Sciences, afirmando que as empresas perdem mais de 200 bilhões de reais por ano no Brasil devido a transtornos mentais, vejo que o assunto começa a entrar pela porta da frente em algumas empresas, a ser mais respeitado e analisado com olhos coerentes de quem já percebeu que se o mundo mudou, a forma de trabalhar e as consequências dos novos tempos também mudaram. Mas ainda são minoria.
A mudança é uma característica da história. A diferença é que as mudanças atuais, promovidas pela tecnologia, estão mais rápidas e exigem respostas urgentes, especialmente das lideranças, para reduzir os impactos negativos de um mundo cada vez mais digital, sendo que nosso cérebro é analógico e o corpo ainda precisa de cuidados básicos.
Por isso, com todos os [recursos tecnológicos](https://www.revistahsm.com.br/post/colaboradores-desejam-tecnologias-para-o-cuidado-mental) que nos permitem trabalhar de qualquer lugar e a qualquer hora, inclusive por muitas horas, precisamos reconhecer nossos limites físicos e mentais para seguir de forma sustentável, sem prejuízos a saúde e atritos nos relacionamentos. Simples, não? Se fosse, não estaríamos com tantas pessoas reclamando de exaustão, confusas, infelizes, ansiosas, estressadas e doentes.
## Se a tecnologia vai continuar sendo sinônimo de progresso, o que fazer?
O que proponho com a __produtividade sustentável__ é a atualização de identidade, uma reflexão madura para agir e prevenir os problemas relacionados ao excesso de trabalho e, consequentemente, a ausência de si mesmo. Esse movimento, que começa com uma “pausa”, serve para todos os seres humanos. Independentemente de posição profissional, já que todos podem adoecer por não reconhecer as próprias mudanças e necessidades físicas e mentais, as exigências do próprio corpo, hoje.
Na prática é viver um [estilo de vida](https://www.revistahsm.com.br/post/emocoes-a-flor-da-pele-um-chamado-a-acao) que proporcione equilíbrio dinâmico entre o que seu trabalho exige e seu corpo precisa. Por que será que atualizamos nossos documentos? Só a aparência muda ou nossas necessidades mudam? Você pode fazer com 40 anos o que fazia com 20?
## Você vai precisar desacelerar para continuar acelerando
Produtividade sustentável não significa parar de trabalhar, largar tudo e viver no campo. Significa respeitar os sinais do seu corpo, se incluir na própria agenda para dar conta dela. É saber que nem todo convite é uma oportunidade. É aprender a dizer não quando não há mais condições de dizer sim para mais trabalho.
Trabalhar faz parte do desenvolvimento pessoal. Eu amo o que eu faço. Quando colocamos nosso talento a serviço do mundo, vivemos em um estado constante de satisfação. Vamos nos cansar, evidentemente, mas não precisamos nos esgotar, senão as doenças se instalam e, posso garantir, você não precisa adoecer para provar seu valor!
Então, se você ama o que faz e quer continuar fazendo o que ama, sem problemas de saúde ou nos relacionamentos, você precisa pensar se a forma como está produzindo é sustentável, se seu estilo de vida é saudável, e responder por quanto tempo você conseguirá seguir com o ritmo que está vivendo. Senão longevidade e felicidade não passarão de ilusão.
Se você está infeliz com o que está fazendo e quer ter energia e saúde para encerrar um ciclo e encontrar algo que ame fazer, você também precisa pensar em produtividade sustentável.
De onde tirei essa ideia? Depois de viver um modelo de produtividade insustentável que me levou a [síndrome de burnout](https://www.revistahsm.com.br/post/saude-mental-como-a-sindrome-de-burnout-impacta-sua-vida), num estilo de vida em que superestimei minha capacidade no curto e longo prazo, vivendo a ilusão de que nada de ruim poderia acontecer comigo se trabalhasse em tempo integral (como cresci ouvindo), performasse sem parar e tivesse resultados excelentes.
Depois de lidar com a culpa e o preconceito, busquei respostas, tratamentos, entrevistei mais de quatro mil pessoas que viveram o que vivi e também me deparei com a dor de mais de 30 milhões de brasileiros. Comecei a ser recebida em grandes empresas para prevenir o esgotamento profissional e posso garantir que a responsabilidade pela produtividade sustentável deve ser compartilhada entre o ambiente profissional e o pessoal. Portanto, diante do presente, destaco dois desafios:
– __Para os CNPJs:__ atualizar a [cultura da empresa](https://www.revistahsm.com.br/post/como-criar-uma-cultura-de-saude-mental-na-sua-empresa) de acordo com as necessidades sociais atuais, como criar metas factíveis, definir períodos para a marcação de reuniões, gerir atestados e estabelecer uma comunicação eficiente e de confiança, em que o feedback do que está funcionando ou não seja uma via de mão única, por exemplo.
– __Para os CPFs:__ atualizar a identidade e se incluir na própria agenda, compreendendo que o autocuidado não é egoísmo e nem bobagem, e sim o único combustível sustentável que te mantém verdadeiramente com entusiasmo. Você precisa defender na própria agenda: horas de sono suficientes para sua idade e necessidades atuais; tempo para higiene pessoal; tempo para uma alimentação que nutra suas células e não as inflame; micro pausas entre um conteúdo e outro – com 30 segundos pelo menos de respiração consciente – assim, você dá condições do seu cérebro absorver e processar as informações e conteúdos do dia; viver momentos de descompressão em família ou com alguma forma de lazer saudável. De uma maneira ou de outra, é resgatar tudo aquilo que vamos abrindo mão para dar conta da agenda e que acaba impactando diretamente na saúde mental.
Fez sentido até aqui? Não é só o ambiente que pode ser tóxico, seus comportamentos aparentemente inofensivos também podem ser nocivos.
Se ainda não, qual é a parte do corpo que muitos de nós mais estamos usando para trabalhar? O que você e eu precisamos para captar o que o mundo está dizendo através de telas e conteúdos infinitos e tempo fragmentado? Saúde mental!
Assim como os EPIs já foram incluídos décadas atrás e hoje ninguém mais questiona o uso de capacetes e sapatos apropriados em obras, para a segurança física, agora precisamos pensar e agir para a implementação de EPIs para a [segurança mental e emocional](https://www.mitsloanreview.com.br/post/autocuidado-nao-e-skincare-e-ambiente-seguro).
O movimento da produtividade sustentável começa na pausa. E se achar que não tem tempo, que não pode parar nem um pouquinho para pensar sobre isso, lembre-se que até as músicas mais agitadas precisam de pausas para manter o ritmo!
*Confira mais artigos sobre o tema no [Dossiê Saúde Mental nas Empresas](https://www.revistahsm.com.br/dossie/saude-mental-nas-empresas) e em [nossos podcasts](https://www.revistahsm.com.br/podcasts).*