Estratégia e Execução

Próximas fronteiras do lean

As técnicas de produção lean revolucionaram a indústria por 50 anos. Avanços em tecnologia, psicologia e processamento de dados podem tornar seus próximos 50 anos ainda mais animadores em todas as áreas, por conta do entendimento do que os consumidores valoriza

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Há 50 anos, quase todo mundo na alta gestão acreditava que as operações industriais tinham chegado à perfeição. A grande inovação de Henry Ford, a linha de montagem, havia sido refinada ao longo das cinco décadas anteriores, servira como arsenal da democracia durante a Segunda Guerra Mundial e em meados dos anos 1960 operava com eficiência, em grande escala, em uma ampla gama de setores industriais mundo afora. Silenciosamente, porém, em Nagoya, Japão, Taiichi Ohno e seus colegas engenheiros da Toyota estavam aperfeiçoando o que eles depois chamariam de “sistema de produção Toyota” e que hoje conhecemos como produção “lean” [enxuta]. 

Inicialmente, o lean se disseminou mais no Ocidente por suas ferramentas, por exemplo: as reuniões “kaizen”, nas quais funcionários da linha de frente resolvem problemas espinhosos; o “kanban”, o sistema de cronograma para a produção just-in-time; e o “andon cord”, o cordão que, quando puxado por outro funcionário, faz a linha de produção parar. Em anos mais recentes, essa compreensão inicial –e, em geral, superficial– do lean evoluiu para uma apreciação mais rica do poder das disciplinas de gestão incluídas na filosofia: colocar os clientes em primeiro lugar ao realmente entender de que precisam e então atendê-los com eficiência; permitir aos funcionários que contribuam com todo o seu potencial; procurar constantemente melhores formas de trabalhar; e dar sentido ao trabalho ao conectar a estratégia da companhia e suas metas de maneira clara e coerente em toda a organização. 

O sistema lean é uma das maiores ideias de gestão dos últimos 50 anos. Não menos importante do que a linha de montagem original de Ford, é claro, mas transformou o modo como as empresas líderes pensam em produção –começando nas montadoras de veículos e em outros ambientes industriais e deslocando-se mais recentemente para serviços que vão de varejo e assistência à saúde a serviços financeiros e construção civil, tecnologia da informação e até área pública. O sistema esgotou seu potencial? Acreditamos que não. Conforme os executivos seniores estão tendo mais contato com iniciativas lean e compreendendo melhor seus princípios e disciplinas, mais tentam extrair valor dele. As oportunidades disponíveis para isso são consideráveis e podemos citar algumas: 

• Empresas líderes de serviços, como a Amazon, ampliam ainda mais o valor do lean em áreas que vão muito além da produção industrial. 

• A solução de problemas sofisticados ainda na linha de frente fica cada dia mais possível, combinando novas fontes poderosas de dados, o “big data”, com ferramentas analíticas. 

• Empresas de ponta descobrem que o lean as ajuda com insights sobre eficiência energética. 

• É possível trazer a opinião do consumidor mais diretamente às fábricas; a própria Toyota está fazendo isso, repensando a arte do possível em mudanças na linha de produção. 

Em suma, é cada vez mais factível, e com mais precisão do que nunca, aprender o que realmente é valorizado pelos consumidores, com novas tecnologias, novas ferramentas analíticas e novas formas de olhar para eles. Como uma das principais restrições à capacidade de criar um sistema lean perfeito, em qualquer ambiente operacional, sempre foi o desafio de entender seu valor para o consumidor, as implicações desse avanço são profundas. Neste estudo, destacamos os avanços do lean que podem tornar possível traduzir o que os consumidores valorizam em melhorias adicionais e que ajudam a preencher as antigas lacunas de produção, marketing e desenvolvimento de produtos, setores que historicamente ocupavam silos separados. 

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> **Por uma liderança Lean**
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> _No Brasil, o foco atual do lean institute é na liderança com pensamento enxuto_
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> Também no Brasil, o sistema lean vem despertando o interesse de novos setores de atividade além do industrial, como o de serviços, e de outros departamentos das empresas além da manufatura. Compras, engenharia, comercial e logística são áreas que começam a adotar ferramentas lean para aprimorar seu funcionamento. Falta ainda a liderança adotar a filosofia lean como parte da estratégia do negócio, contudo, e que esta seja, a partir daí, disseminada para toda a organização. Essa é a opinião de José Roberto Ferro, fundador e presidente do Lean Institute Brasil, sem fins lucrativos. “Adotar técnicas e ferramentas que aumentam a produtividade é fácil. Difícil é mudar o estilo de liderança, mudando o foco para a agregação de valor e entendendo realmente o que é desperdício”, explica. Em síntese, o lean prega que tudo o que o consumidor não reconhece como valor é desperdício, e a liderança ainda se recusa a pensar simples assim, na maioria dos casos, conforme Ferro. 
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> O lean quase se opõe ao discurso da complexidade, na visão do Lean Institute Brasil. “Em vez de o líder preparar-se para comandar um negócio em um contexto de complexidade, ele deveria focar em reconhecer os fluxos de valor e estar a serviço das pessoas que desenvolvem os produtos e soluções, pensando sempre nas necessidades do cliente”, argumenta Ferro. Ao que tudo indica, a realidade do pensamento enxuto no Brasil não é muito diferente da de outros países, até mesmo dos Estados Unidos. “Das 100 maiores empresas industriais do País, 80 têm algum tipo de iniciativa lean –algumas em estágio mais avançado, outras em projetos piloto. As multinacionais costumam estar mais familiarizadas com o assunto, mas grandes empresas brasileiras, como Votorantim Cimentos, BRFoods, Itaú e outras, também já começaram seu caminho”, diz Ferro.
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> A maioria dos setores de atividade do Brasil também já deu seus primeiros passos, segundo ele. Até mesmo o setor de óleo e gás, atrasado nessa matéria, vem despertando para o lean. “Isso se deve ao fato de que a Petrobras começa a pressionar seus fornecedores para que sejam competitivos, com a exploração do pré-sal.” No entanto, Ferro afirma que ainda há muito espaço de crescimento para os conceitos lean em setores e dentro de empresas [veja gráfico abaixo]. “Nosso grande sonho é que as iniciativas lean cheguem aos governos, como aconteceu nas últimas eleições nos Estados Unidos, em que candidatos rivais do governo do estado de Washington tinham como plataforma ‘gastar menos e fazer mais’, que basicamente é a ideia do lean.” Ferro integrou a pesquisa pioneira desenvolvida por James Warwick no Massachusetts Institute of Technology (MI) na década de 1980, que deu origem ao icônico livro A Máquina que Mudou o Mundo. 
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> A pesquisa identificou o papel da montadora japonesa Toyota na criação de um sistema produtivo eficiente e enxuto, o que ficaria então conhecido como sistema lean. Com a repercussão causada pelo livro, Warwick fundou nos Estados Unidos o Lean Institute, em 1997, para disseminar o conceito, e, um ano depois, Ferro trouxe a ideia ao Brasil, segundo país a implantar um instituto similar. Até hoje, mais de 380 empresas e cerca de 30 mil pessoas já participaram das atividades, eventos e processos de consultoria do instituto. A evolução do pensamento lean passa por dois eixos: o alcance e o aprofundamento, respectivamente nos setores e na empresa. 
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**FRONTEIRAS ESTENDIDAS: O LEAN E OS SERVIÇOS**

O exemplo mais gritante da evolução do lean tem a ver com sua aplicação a serviços, já que sua origem é industrial. Então, revisitamos artigos da McKinsey Quarterly em busca de princípios do lean aplicados a setores de serviços que têm características industriais, mas não o sabiam, e encontramos uma série de casos paradigmáticos: 

**Banco de varejo – 1998**

“Como envolve um processo físico não muito diferente de uma linha de montagem, lidar com cheques de papel e boletos de cartão de crédito se presta muito bem a técnicas de produção lean. E seu impacto pode ser drástico: quanto mais rápido um banco passa os cheques por seu sistema, mais cedo pode recuperar seus fundos e melhor é o retorno sobre o capital investido.” Devereaux A. Clifford, Anthony R. Goland e John Hall, “First national Toyota” 

**Hospitais – 2001**

“Obviamente, um hospital não é uma fábrica de automóveis e as pessoas, especialmente as doentes, são menos previsíveis do que autopeças. No entanto, hospitais, que geralmente têm estágios bem menos específicos com que se preocupar do que a maioria dos fabricantes, com frequência podem reduzir em boa medida sua variabilidade.” Paul D. Mango e Louis A. Shapiro, “Hospitals get serious about operations” 

**Companhias aéreas – 2003**

“Aeronaves que valem US$ 100 milhões ou mais ficam ociosas nos aeroportos rotineiramente. O tempo médio entre os voos tipicamente varia mais de 30%. As técnicas de lean reduzem horas a minutos com um novo processo.” Stephen J. Doig, Adam Howar e Ronald C. Ritter, “The hidden value in arline operations” 

**Restaurantes – 2005**

“Técnicas de lean tentam melhorar a qualidade de produtos e serviços e ao mesmo tempo reduzem os custos de lixo e mão de obra. Para operadores de serviços de alimentação, o truque adicional é unir essas melhorias à lealdade do cliente.” John R. McPherson e Adrian V. Mitchell, “Lean cuisine” 

Em anos mais recentes, observamos a aplicação bem-sucedida do lean ao financiamento imobiliário na Índia, melhorias na experiência do cliente em um fundo de pensão na Colômbia, processamento melhor e mais rápido de pedidos de asilo político na Suécia e dinamização dos serviços corporativos de tecnologia nos Emirados Árabes Unidos. 

**O FATOR “BIG DATA”**

A adoção da filosofia lean por empresas de serviços é, na verdade, resultado do alargamento de fronteiras. O que causou isso? Ao que tudo indica, o cada vez maior volume de informações sobre os consumidores [que permite saber o que eles consideram desperdício e eliminar isso]. Portanto, com o fenômento do big data, empresas tanto de serviços como de produtos tenderão a usar o lean; serão cada vez mais capazes de eliminar desperdícios e atingir suas metas de longo prazo estabelecendo contato diretamente com os consumidores durante o todo ciclo de relacionamento. 

Um exemplo desse futuro já no presente são os pequenos sensores de dados que monitoram equipamentos instalados em campo e dão às empresas ideias de como e onde os produtos são usados, como funcionam, as condições a que estão submetidos e como e por que quebram. Um grupo de empresas de equipamentos aeroespaciais e industriais começa a trabalhar com as informações obtidas por esses sensores, aprendendo –diretamente com os clientes e a experiência deles com os produtos– sobre questões como a confiabilidade de máquinas submarinas gigantes e equipamentos de mineração ou a eficiência de combustível de caminhões em diferentes climas. 

O próximo passo será reconectar essas informações com o design de produtos e o marketing –por exemplo, customizando variações em produtos voltadas para as condições ambientais exatas nas quais os consumidores as usam. Assim, elas apresentarão aos clientes necessidades não atendidas das quais eles nem têm consciência e eliminarão funções inúteis em produtos e serviços. Aplicar técnicas de lean aos insights que surgem na interface entre mercado, desenvolvimento de produto e operações deve capacitar as empresas a novos avanços para encantar seus clientes e aumentar a produtividade. Importante: as informações sobre os consumidores não virão apenas de sensores e bancos de dados. 

A compreensão do que mobiliza as pessoas aumenta drasticamente também com o uso da psicologia na operação do dia a dia. A Disney, por exemplo, entendeu que os visitantes de alguns parques temáticos respondem de maneira distinta a estímulos emocionais em horários diferentes do dia e aproveita essa informação com precisão. Se, pela manhã, seus funcionários são encorajados a se comunicar de maneira mais inspiradora (quando as famílias estão ansiosas para começar a se divertir), no fim da tarde, eles usam um estilo de comunicação mais calmo e atencioso (quando as crianças estão cansadas e os nervos ficam à flor da pele). A integração dos insights psicológicos com a filosofia operacional permite à Disney eliminar outro tipo de desperdício: o comportamento do funcionário não desejado pelos clientes. Também o analytics –as ferramentas analíticas que dão insights sobre mercado e consumidores– está criando uma visão bem próxima do tempo real daquilo que os consumidores valorizam. 

> **O Contraponto de Falconi**
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> No Brasil, quando se pensa em gestão à moda japonesa e em PDCA (o método planejar-executar-verificar-agir, na sigla em inglês), pensa-se em Vicente Falconi, um de nossos mais requisitados consultores de gestão. Ele elogia a gestão japonesa e da Toyota de fato, mas não crê que a solução lean seja adequada para todos os casos, como alerta nesta entrevista a HSM Management. 
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> **Por que o sr. elogia a simplicidade japonesa?** A simplicidade que aprendemos trabalhando com os consultores japoneses (inclusive com técnicos da Toyota) por 15 anos no Brasil e várias vezes no Japão baseia-se no reconhecimento de que as empresas são diferentes, estão em estágios diferentes de desenvolvimento gerencial, e que, portanto, devemos usar, para cada uma, somente aquilo que lhe é necessário. Eu não devo ensinar cálculo diferencial para um aluno do ensino fundamental, certo? 
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> Aprendemos com os japoneses que não adianta ficar dando muita aula ou fazendo apresentações, pois as pessoas da empresa aprendem é fazendo e constatando a utilidade do que estão fazendo pelos resultados alcançados. Não adianta também ficar falando em modismos, pois a moda da vez pode ser um remédio desnecessário para muitas empresas, dependendo de seu estágio de desenvolvimento. Simplicidade é saber usar o mais fácil e simples a cada passo. Até porque nós, seres humanos, aprendemos um pouco a cada dia, não muito; há limites para a capacidade de aprendizado. 
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> **Nossas empresas precisam do simples?** Sim. No Brasil, como em qualquer país, temos empresas em todo o espectro de desenvolvimento gerencial, desde empresas –e governos– na “idade da pedra” até empresas avançadas de sucesso global. Ora, se um consultor vai trabalhar nessas empresas, tem de, antes, avaliar a situação e propor o método e o recurso ferramental certos. Gerenciar é resolver problemas ou atingir metas, o que é o mesmo. Para estabelecer metas, você precisa conhecer as lacunas (oportunidades de ganhos). 
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> As lacunas são determinadas de forma estática (mais fácil) ou dinâmica (mais difícil). Você, na vasta maioria das vezes, pode determinar lacunas gigantescas de maneira estática somente por benchmarking interno –ou, quando muito, externo. Agora, quando você tem uma empresa que já vem capturando essas lacunas há muito tempo e vai ficando difícil achar outras, aí, sim, utiliza o método dinâmico, que pode envolver até mesmo modelos matemáticos de processos complexos. O método dinâmico é o lean. Considero falta de conhecimento, ou maldade, usar expressões da moda sem falar a verdade com o cliente. 
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> **Seus clientes adotam o lean?** Digo que são pouquíssimas as empresas brasileiras que precisam determinar suas lacunas pelo método dinâmico, onde originalmente foi usada a expressão “lean”. O que adotamos em todos os nossos clientes é a prática de levantar lacunas e estabelecer metas e planos de ação adequados. Usamos recursos mais poderosos para levantar lacunas quando temos de usá-los. Todas as empresas precisam conhecer suas lacunas e capturá-las. Gerenciamento nada mais é do que levantar e preencher lacunas. 
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> **O fato de uma empresa como a Amazon adotar a filosofia lean não é interessante?**
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> Não conheço a Amazon como consultor, somente como usuário. Pelo que vejo, parece-me uma excelente empresa em um país avançado e imagino que, realmente, deva precisar de métodos dinâmicos para levantar suas lacunas. O resto do que eles fazem é gestão convencional. Acho que modismos como o nome “lean” dificultam o aprendizado. Devemos batalhar a gestão, que já não é fácil e da qual o País precisa tanto, de maneira consciente e usando sempre as mesmas palavras.

**É só o começo?**

A maior disseminação do lean por conta do big data pode estar apenas começando. Conjuntos de dados mais bem integrados aos diferentes canais e pontos de contato estão rapidamente permitindo às empresas ter visões muito mais completas de todas as interações com os consumidores durante o percurso de avaliar, comprar, consumir e buscar assistência para produtos e serviços. Isso deve resultar em: 

• Muito mais insights científicos sobre como os atributos de produtos e serviços proporcionam valor ao consumidor. 

• Novas formas de olhar para o que funciona melhor para as variáveis do lean clássico, como lead time, custo, qualidade, velocidade de resposta, flexibilidade e confiabilidade. 

• Novas oportunidades para a solução de problemas entre funções para eliminar tudo o que se desvia do valor definido pelo consumidor. 

Fica claro que o futuro do lean é estimulante. Suas ferramentas para eliminar desperdícios e aumentar o valor entregue ao consumidor serão tremendamente alavancadas pelo big data, o que dará novo significado à máxima do lean: “aprender para ver”.

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