Cultura organizacional

Quem te conhece que te compre

O potencial (pouco aproveitado) das entrevistas demissionais para conhecer, construir e aperfeiçoar a marca empregadora
Atua como consultora em projetos de comunicação, employer branding e gestão da mudança pela Smart Comms, empresa que fundou em 2016. Pós-graduada em marketing (FGV), graduada em comunicação (Cásper Líbero) e mestranda em psicologia organizacional (University of London), atuou por 13 anos nas áreas de comunicação e marca em empresas como Johnson&Johnson, Unilever, Touch Branding e Votorantim Cimentos. É professora do curso livre de employer branding da Faculdade Cásper Líbero, um dos primeiros do Brasil, autora de artigos sobre o tema em publicações brasileiras e internacionais e co-autora do livro Employer Branding: conceitos, modelos e prática.

Compartilhar:

Dias atrás um ex-aluno me procurou para trocar ideias sobre entrevistas demissionais, aquelas que algumas empresas adotam no momento da demissão de um funcionário.

Ele estava apoiando o RH na construção de um roteiro específico para quem estivesse saindo voluntariamente da empresa para outra oportunidade e comentou que tudo que encontrava como inspiração para um ponto de partida parecia muito extenso, arrastado e com pouco aproveitamento de um momento que poderia render muito aprendizado sobre a marca empregadora a partir de quem a conhece bem: alguém que a experimentou e que está escolhendo ir embora.

Ainda que a prática de entrevistas demissionais pareça cada vez mais comum, ao ter acesso a informações originadas por elas quando apoio clientes na construção de seus EVPs (Employee Value Proposition), observo que o formato de aplicação e o uso das informações captadas podem melhorar bastante, especialmente para ajustar pontos de atenção e, consequentemente, potencializar a marca empregadora.
Para não dar ideias apenas a partir do meu ponto de vista, fui atrás de literatura e encontrei um material bem interessante escrito pela dupla Boris Groysberg (Harvard Business School) e Everett Spain (West Point Academy) com alguns direcionamentos que podem melhorar forma como abordamos esse momento do ciclo de relacionamento empregado-empresa.

## Para quem perguntar?
Primeiro, para quem topar responder. A entrevista sempre deve ser um convite. Aqui discordo de Groysberg e Spain, que defendem que as entrevistas sejam obrigatórias, o que acho extremamente delicado.

Algumas organizações tendem a conduzir entrevistas demissionais somente nos casos de pedido de demissão feitos por pessoas com perfis considerados de alto potencial ou mapeados para promoções. Outras aplicam entrevistas em todos os casos de demissão voluntária.

## Como perguntar?
Algumas empresas combinam pesquisas quantitativas (questionários) e qualitativas (entrevistas) nesses momentos. Em um mundo obcecado pelo quantitativo, é comum a utilização de questionários online ou roteiros fixos de entrevistas, que têm a vantagem da linearidade para a identificação de tendências ao longo do tempo. No entanto, há ouro a ser descoberto em temas que surgem espontaneamente em uma conversa e não necessariamente estão cobertos em um questionário padronizado.

Sendo assim, entrevistas semiestruturadas, desde que aplicadas adequadamente, dão espaço para explorar achados interessantes sem perder o foco no que precisa ser perguntado.

## Quando perguntar?
Os guias de melhores práticas recomendam que a entrevista aconteça bem próxima ao último dia do funcionário da empresa ou poucos dias depois. Vou compartilhar uma sugestão que vem da experiência de conduzir conversas com ex-funcionários durante a construção de EVPs (Employee Value Proposition): esperar um pouco mais. A pressa pelos indicadores semanais e mensais às vezes não permite esse tempo, mas vale a pena aguardar. As conversas que meus colegas e eu conduzimos nesses projetos não acontecem no contexto da demissão, mas carregam muita similaridade em termos de conteúdo – e tendem a ser fontes de informação riquíssima para o diagnóstico de marca empregadora. Notamos que, passados alguns meses do fim do vínculo empregatício, quando a pessoa já está vivendo outra experiência profissional ou mesmo quando não está, mas já passou pela fase mais aguda de desconexão da empresa, as falas trazem aquela profundidade e criticidade que só um pouco de distanciamento pode oferecer.

## Quem pergunta?
Geralmente quem pergunta é a área de RH da própria empresa e, eventualmente, o gestor direto é convidado para esse momento. Aí entra uma reflexão que sempre faço junto com quem me pergunta sobre fazer diagnósticos de marca empregadora sem ajuda externa, especialmente por meio de metodologias qualitativas: dá? Claro que dá, desde que seja feito o seguinte exercício: a cultura da empresa viabiliza que perguntas delicadas como “qual foi seu pior dia aqui?”, “o quanto sua gestão direta contribuiu para sua decisão de sair?” sejam respondidas sem receio quando quem pergunta é o RH ou um superior que seguirá na empresa? A resposta raramente é sim. Confidencialidade e um espaço neutro de conversa ajudam muito a captar o que realmente faz a diferença, por isso, buscar formas de combinar recursos internos e externos nessa conversa são recomendações de Groysberg e Spain que vejo funcionar na prática.

## O que perguntar, afinal?
O roteiro pode variar e há diversos modelos de entrevistas demissionais para consulta na internet e em livros, mas nenhum deles será realmente útil sem que a organização estabeleça objetivos claros para essa prática.

Groysberg e Spain indicam caminhos que podem ajudar a criar um bom modelo – lembrando que ele só será realmente bom se algo puder ser feito a partir das respostas.

1. __ Compreender de que forma a organização pode melhorar em diferentes frentes__

Antes de cobrir temas específicos sobre a carreira e o desenvolvimento do profissional, que idealmente devem compor a maior parte da conversa, muitas organizações deixam de captar percepções valiosas sobre a organização como um todo: estratégia, reputação, comunicação, operações, mercado e outros temas podem entrar na pauta. Levante a mão quem nunca deixou uma organização com alguma frustração nessas frentes. Os autores sugerem a abordagem “complete a frase: “eu não sei o por que a empresa não faz _____________” como um início de conversa para esses tópicos.

2. __Identificar pontos positivos e negativos sobre a liderança imediata__

Perguntar sobre experiências positivas e negativas com o gestor imediato e a relevância desse gestor na decisão pela saída da empresa podem render boas indicações sobre o que precisa estar em foco no desenvolvimento das lideranças – seja no reforço de exemplos positivos, seja no ajuste de posturas negativas.

3. __Aprender sobre as percepções do profissional sobre condições de trabalho__

Aqui o foco estaria em captar percepções sobre infraestrutura, configuração de equipes, fluxos de comunicação, ritmo de trabalho e clareza em processos decisórios, entre outros aspectos que possam ter impactado positiva ou negativamente o desempenho do funcionário.

### Minhas adições às sugestões dos autores:

4. __Por que você veio trabalhar aqui?__

Em uma entrevista demissional, pode parecer mais natural perguntar “por que você está saindo?”, mas buscar lembranças sobre o que gerou o desejo de entrar pode ser muito esclarecedor sobre o que era esperado, o que realmente foi entregue e o que ficou faltando na experiência com a organização.

5. __Se você fosse escrever agora no seu CV sobre sua maior conquista aqui, como seria o texto?__

A resposta pode render boas indicações sobre entregas diretamente relacionadas à função que geraram orgulho, ganho de repertório e desenvolvimento.

6. __Se você tivesse que convencer alguém a não trabalhar aqui, o que você diria?__

Essa pergunta é feita quando estamos trabalhando na construção de EVPs e rende muito. A intenção aqui é identificar aqueles pontos negativos que toda organização tem e com as quais é preciso saber lidar para ter sucesso e ser feliz ali dentro. Toda marca empregadora tem luz e sombra e para achar as pessoas certas, conhecer e falar também sobre essas sombras é fundamental.

E você, tem alguma pergunta ou tema que adicionaria à lista? Algo que gostaria que tivessem perguntado quando você saiu das empresas em que trabalhou?

Compartilhar:

Artigos relacionados

China

O Legado do Progresso

A celebração dos 120 anos de Deng Xiaoping destaca como suas reformas revolucionaram a China, transformando-a em uma potência global e marcando uma era de crescimento econômico, inovação e avanços sociais sem precedentes.

Calendário

Não, o ano ainda não acabou!

Em meio à letargia de fim de ano, um chamado à consciência: os últimos dias de 2024 são uma oportunidade valiosa de ressignificar trajetórias e construir propósito.

ESG
A gestão de riscos psicossociais ganha espaço nos conselhos, impulsionada por perdas estimadas em US$ 3 trilhões ao ano. No Brasil, a atualização da NR1 exige que empresas avaliem e gerenciem sistematicamente esses riscos. Essa mudança reflete o reconhecimento de que funcionários saudáveis são mais produtivos, com estudos mostrando retornos de até R$ 4 para cada R$ 1 investido

Ana Carolina Peuker

4 min de leitura
Gestão de Pessoas
Conheça o conceito de Inteligência Cultural e compreenda os três pilares que vão te ajudar a trazer clareza e compreensão para sua comunicação interpessoal (e talvez internacional)

Angelina Bejgrowicz

4 min de leitura
Liderança
Entenda como construir um ambiente organizacional que prioriza segurança psicológica, engajamento e o desenvolvimento genuíno das equipes.

Athila Machado

6 min de leitura
Empreendedorismo
Após a pandemia, a Geração Z que ingressa no mercado de trabalho aderiu ao movimento do "quiet quitting", realizando apenas o mínimo necessário em seus empregos por falta de satisfação. Pesquisa da Mckinsey mostra que 25% da Geração Z se sentiram mais ansiosos no trabalho, quase o dobro das gerações anteriores. Ambientes tóxicos, falta de reconhecimento e não se sentirem valorizados são alguns dos principais motivos.

Samir Iásbeck

4 min de leitura
Empreendedorismo
Otimizar processos para gerar empregos de melhor qualidade e remuneração, desenvolver produtos e serviços acessíveis para a população de baixa renda e investir em tecnologias disruptivas que possibilitem a criação de novos modelos de negócios inclusivos são peças-chave nessa remontagem da sociedade no mundo

Hilton Menezes

4 min de leitura
Finanças
Em um mercado cada vez mais competitivo, a inovação se destaca como fator crucial para o crescimento empresarial. Porém, transformar ideias inovadoras em realidade requer compreender as principais fontes de fomento disponíveis no Brasil, como BNDES, FINEP e Embrapii, além de adotar uma abordagem estratégica na elaboração de projetos robustos.

Eline Casalosa

4 min de leitura
Empreendedorismo
A importância de uma cultura organizacional forte para atingir uma transformação de visão e valores reais dentro de uma empresa

Renata Baccarat

4 min de leitura
Tecnologias exponenciais
Em meio aos mitos sobre IA no RH, empresas que proíbem seu uso enfrentam um paradoxo: funcionários já utilizam ferramentas como ChatGPT por conta própria. Casos práticos mostram que, quando bem implementada, a tecnologia revoluciona desde o onboarding até a gestão de performance.

Harold Schultz

3 min de leitura
Gestão de Pessoas
Diferente da avaliação anual tradicional, o modelo de feedback contínuo permite um fluxo constante de comunicação entre líderes e colaboradores, fortalecendo o aprendizado, o alinhamento de metas e a resposta rápida a mudanças.

Maria Augusta Orofino

3 min de leitura
Tecnologias exponenciais
A Inteligência Artificial, impulsionada pelo uso massivo e acessível, avança exponencialmente, destacando-se como uma ferramenta inclusiva e transformadora para o futuro da gestão de pessoas e dos negócios

Marcelo Nóbrega

4 min de leitura