Contagem regressiva

Ser médica para ser escritora. E vice-versa

Sofia Alves planejou (e implementou) uma carreira ambidestra, o que, por si só, é um exercício de criatividade. e o melhor é que ela faz as duas atividades se complementarem, apesar de tão distintas
Colaboradora de HSM Management.

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## 5 – Como você optou por essa carreira ambidestra? É um caminho profissional criativo…
Não foi algo totalmente planejado. Sempre tive vontade de escrever, o que é fundamental para ser escritora, e também sempre tive disciplina para estudar, especialmente ciências, fundamental para ser médica.
Minha história também conta, claro. Escrevi meu primeiro livro aos 6 anos de idade [risos], graças ao incentivo de uma professora. E, desde muito nova, quando perdi minha avó, tenho uma grande inquietação em relação à morte.
Comecei prestando medicina na Universidade Federal de Uberlândia, a cidade onde nasci. Passei. Quando concluí o curso, em 2018, estava começando a escrever o que seria um romance, mas de uma forma totalmente intuitiva, e percebi como era difícil. Isso me fez sentir falta de dominar teoria literária e técnicas de escrita.
Então, apareceu uma oportunidade de ser médica de família no programa Mais Médicos e me candidatei para São Paulo, porque numa cidade maior teria mais oportunidades para desenvolver minha escrita. Fui aprovada e, assim que cheguei, me inscrevi na pós-graduação de escrita criativa da Faap, que estou concluindo agora. O curso foi importante para construir o romance que vou lançar em junho [veja box na página ao lado].
Criei uma carreira diferente, dupla; é criativa nesse sentido. Mas foi construída com muito esforço, muito estudo, não com genialidade. E os dois cursos, e as pessoas que conheci neles, foram as portas de entrada para eu trabalhar nas duas áreas.

## Vemos no mundo empresarial psicólogos que viram gestores, por exemplo, mas, no caso, eles escolhem um caminho entre os dois possíveis. Por que você não escolheu e como consegue equilibrar os pratos?
Tem um aspecto pragmático e um aspecto emocional. O pragmático é que minha família não teria como me ajudar financeiramente até que a escrita desse dinheiro. E a prática médica me dá a chance de fazer isso, porque oferece uma flexibilidade de horários que nenhuma outra área oferece. É possível trabalhar em período parcial e ganhar o suficiente para viver.
O aspecto emocional é que amo pessoas, gosto de ouvir as histórias e entender a vida delas – e isso me ajuda a ser uma boa médica de família, porque as pessoas precisam muito ser ouvidas. As duas atividades não são excludentes; na minha cabeça, elas se complementam. A medicina me proporciona ouvir muitas histórias, conhecer muitas vidas, que enriquecem a minha literatura. Mais do que enriquecem, na verdade: ninguém escreve a partir do nada; a neurologia comprova que a gente nunca cria algo que nunca viu. E a literatura me treina para o ouvir empático dos meus pacientes, porque eu tenho de viver os personagens para eles serem sólidos, para terem verossimilhança.

## O que é criatividade para você? Queria uma definição da Sofia, uma definição fisiológica e uma definição artística…
Para mim, Sofia, é uma coisa não inata, mas que vem de muito cedo, porque acredito que nossa formação psíquica acontece nos primeiros anos de vida. Então, acho que vem do papel que a cultura sempre teve na minha casa. Cresci num ambiente com muito incentivo à leitura. Ninguém escreve sem ler. E criatividade tem um pouco de acreditar em si mesmo, no sentido de se permitir. Quando eu era criança, a folha em branco exercia em mim um encantamento muito grande. Eu pensava: “Posso por qualquer coisa nesta folha”. E achava isso incrível.
Do ponto de vista da fisiologia, a origem dos pensamentos como um todo ainda é um mistério. Sabemos que se eu vou fazer um raciocínio, ou um movimento, tem um primeiro neurônio que é excitado, depois o impulso elétrico vai para uma cadeia de neurônios e assim é transmitido. Mas ninguém sabe como o primeiro neurônio é acionado.
Já artisticamente, criatividade tem a ver com fazer conexões entre múltiplos conhecimentos, quebrar as caixinhas dentro da sua cabeça. E, sendo médica e escritora, é o que eu faço, com uma boa profundidade.

## Muita gente opta pelo que dá mais dinheiro – a medicina, no seu caso. Você não ficou nem um pouco tentada?
Sim, acho que na hora que muita gente vê que é possível ganhar muito dinheiro, para os padrões da classe média e da classe trabalhadora, a pessoa fala “nossa, quero ganhar, ganhar, ganhar”. Abrir mão disso demanda ir contra a lógica do capitalismo, a lógica de acumulação, de ter muito. Talvez eu tenha feito esse enfrentamento até ideológico com uma forma de encarar a vida que não é a mais comum – quero ter uma vida digna, confortável e tal, é possível, mas não sinto necessidade de acumular.

## Se você fosse dar um conselho para as pessoas de qualquer profissão serem mais criativas, seja numa carreira única, seja redesenhando-se profissionalmente para ter múltiplas carreiras, qual seria?
Talvez eu tenha três conselhos para dar. O primeiro é não fazer nada por obrigação; você tem de querer fazer as coisas de um jeito diferente, seu. Nada na minha vida foi por obrigação.
O segundo é o interesse pelo conhecimento, a curiosidade. Meus pais foram sábios de conseguir despertar meu interesse logo cedo – se esse não foi o caso da pessoa, ela tem de criar esse interesse por conta própria, além de se preocupar em despertar isso nos filhos também.
E o terceiro conselho é a pessoa estudar de modo sistematizado, profundo, como eu fiz com a medicina e com a escrita. A gente aprende a buscar os conhecimentos de que precisa.

o primeiro romance está a caminho

Sofia Alves tem 26 anos de idade, e deve lançar seu primeiro romance, Gameleira-branca, no próximo mês de junho, pela editora Jandaíra. O livro conta a história de Dora, uma mulher que precisa voltar à vila de pescadores onde nasceu para encontrar a avó muito idosa – e para enfrentar o passado, o relacionamento com sua mãe e com a filha que ela deixou para trás [veja trechos na próxima página].
A gameleira-branca do título, para quem não conhece, é uma árvore de grande porte, da família das moráceas, própria do clima tropical. Muitos a chamam também de figueira-brava, gameleira-de-cansaço e até cerejeira.

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