Saúde Mental

Tecnoestresse e o impacto na saúde do ambiente empresarial

O estresse causado pelo uso excessivo da tecnologia exige que empresas e indivíduos busquem alternativas para uma relação mais saudável com o mundo digital
Luiz Carlos de Oliveira Junior é médico psiquiatra, PhD em ciências da saúde, professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Uberlândia, coordenador do grupo de pesquisa em estilo de vida digital (D-life), fundador do MEVBrasil. Gustavo Gehrke Maierá é inovador insaciável, ajuda empresas a incluir pessoas através da educação tecnológica oferecida pela mesttra. Engenheiro Mecânico de formação, participou de capacitações na Fundação Dom Cabral, Endeavor e Singularity University.

Compartilhar:

As notificações no celular não param por nem um segundo. Você está ansioso e irritado com tantas mensagens. Horas e horas na frente de um computador estão provocando estresse. A vontade que surge é a de quebrar tudo? Se você mora em Nova Iorque pode ir ao Brooklyn e procurar pela “The Rage Cage”, um local onde se pode quebrar qualquer coisa, inclusive um celular premium ou outro eletrônico simples pagando US$64,99 para duas pessoas, ou “Trouble Makers”.

Para uma empresa em busca de benefícios que possam ser oferecidos aos seus colaboradores, uma sala da raiva nesse estilo, com eletrônicos disponíveis para destruição grátis, pode logo entrar na lista. Com o avanço do tecnoestresse, e o prejuízo para a vida das organizações, é possível que em breve isso passe a ser essencial.

O termo tecnoestresse foi introduzido na literatura em 1984 por Craig Brod no livro “[Technostress: The Human Cost of the Computer Revolution](https://www.amazon.com.br/Technostress-Human-Cost-Computer-Revolution/dp/0201112116)”. O tecnoestresse era uma síndrome de adaptação ao uso das novas tecnologias de informação e comunicação que foram introduzidas no ambiente de trabalho.

A chegada do computador pessoal provocou muitas mudanças e ansiedade. Era o estresse da introdução à vida digital. Hoje o mundo é bem diferente e é quase impossível encontrar um aspecto da vida cotidiana, dentro e fora do trabalho, que não tenha sido transformado de alguma forma pelo mundo digital.

Se antes o computador era um só e estava preso à mesa de trabalho no escritório, hoje é onipresente em vários formatos que variam desde smartphones até wearables. Um levantamento realizado pela [Gartner Research](https://www.gartner.com/imagesrv/books/iot/iotEbook_digital.pdf) estimou que em 2017 existiam em todo o mundo 21 bilhões de aparelhos conectados, podendo alcançar o dobro deste número em 2025 com o avanço da Internet das Coisas. Logo nós mesmos estaremos conectados através de dispositivos intracranianos, como o dispositivo que está em desenvolvimento pela Neuralink de Elon Musk.

Incorporamos tudo o que faz parte da vida ao ciberespaço e destruímos a barreira entre usar tecnologias no trabalho, na vida pessoal e no lazer. Por força da pandemia mergulhamos definitivamente no ciberespaço, elevando o tecnoestresse a uma nova dimensão: estresse por viver online sempre.

E não há razões para crer que poderia ser diferente. Segundo [pesquisa realizada pelo Hootsuite e We are Social](https://wearesocial.com/blog/2020/01/digital-2020-3-8-billion-people-use-social-media), em 2020 todos os seres humanos juntos ultrapassaram 1,25 bilhão de anos conectados à internet. O Brasil é o terceiro país que mais utiliza internet no mundo, totalizando impressionantes 9 horas e 17 minutos por dia. A média mundial é de 6 horas e 43 minutos.

Ao mesmo tempo em que podemos melhorar a produtividade e o conforto com o uso de tecnologias digitais, em exagero também surgem problemas. Segundo a literatura científica em ciberpsicologia, a disciplina que estuda o comportamento humano no mundo digital, o tecnoestresse pode ser provocado por cinco condições ligadas ao uso de tecnologia: sobrecarga de informação, invasão constante da vida pela conexão ininterrupta, complexidade dos sistemas e ferramentas, sensação de insegurança e incerteza.

O excesso de informação, de interrupções constantes que roubam o foco do trabalho, somado ao estilo de vida inativo e abuso de alimentos não saudáveis, facilmente disponíveis nos aplicativos para delivery, armam uma bomba-relógio que destrói a saúde e a produtividade.

## Como promover a saúde digital nas empresas?

Como não existe a opção de voltar a um mundo não conectado, o que pode ser feito para reduzir os prejuízos garantindo melhor saúde digital nas corporações? O que fazer quando a ferramenta que aumenta a produtividade também pode comprometê-la? Essas são questões que vários especialistas e organizações tentam responder. Uma delas, a [coalizão para a inteligência digital](https://www.coalitionfordigitalintelligence.org/), propõe um conceito de inteligência digital que inclui o uso equilibrado e saudável da tecnologia através de intervenções e treinamentos específicos neste tema.

Dessa maneira, assim como educamos as pessoas para melhor saúde física e mental, precisamos educá-las para viver no ciberespaço, para que sejam inteligentes no mundo digital.

CEOs que apoiam programas corporativos de acompanhamento e evolução da saúde têm conseguido benefícios substanciais, não somente pela melhoria direta do ambiente corporativo, mas também porque mais de [89% dos colaboradores](https://www.apa.org/news/press/releases/2016/06/workplace-well-being) de empresas que promovem esses tipos de programas recomendam sua empresa aos seus contatos, trazendo maior produtividade, engajamento e retenção de talentos.

Para cada [dólar investido em programas corporativos de saúde](https://www.healthaffairs.org/doi/full/10.1377/hlthaff.2009.0626), reduz-se US$3,27 em despesas médicas e US$2,73 em custos relacionados a absenteísmo. Está na hora de incluir a saúde digital nesses programas.

No ambiente de trabalho algumas medidas podem ajudar a prevenir ou reduzir o tecnoestresse. Estabelecer limites para o tempo de uso com pausas de desconexão são propostas simples. É possível criar santuários livres de acesso à internet nos quais os colaboradores podem mergulhar em períodos de trabalho focado, individual ou em equipe.

Com a adoção em massa do trabalho remoto, promover períodos ou dia da semana em que não se deve agendar reuniões virtuais tem sido prática de algumas organizações. Talvez seja necessário reconfigurar a cultura organizacional dando maior valor à capacidade de desconectar e focar, de dedicar tempo a uma única e importante tarefa de cada vez.

As mesmas tecnologias geradoras de tecnoestresse podem colaborar para a construção da saúde de várias maneiras. A cooperação de healthtechs com corporações que decidirem ser proativas no cuidado da saúde digital de seus colaboradores pode dar origem a parcerias interessantes ao oferecerem plataformas para psicoterapia online e acesso facilitado a academias de ginástica, por exemplo.

O uso de inteligência artificial tem permitido acompanhar o humor e sintomas de ansiedade, assim como plataformas e aplicativos que coletam dados e utilizam gamificação podem promover mudanças efetivas de hábitos de saúde, incentivar a prática de meditação, relaxamento e melhor controle de sono. Grandes plataformas como Fitbit Care, Apple Fitness+ e Nike Training Club funcionam dessa forma.

Depois de décadas discutindo a importância da inteligência emocional e do manejo do estresse no ambiente corporativo, chegou a hora de lideranças voltarem sua atenção para a inteligência digital de suas equipes, antes que seus times se percam nos perigos do ciberespaço colocando em risco a produtividade e o capital humano de suas empresas. Assim, não precisaremos quebrar nossos celulares, computadores ou outros dispositivos.

*Gostou do texto do Luiz Carlos de Oliveira Junior e Gustavo Gehrke Maierá? Saiba mais sobre uso de tecnologias digitias e saúde mental nas empresas lendo [outros artigos do dossiê](https://www.revistahsm.com.br/dossie/saude-mental-nas-empresas), bem como assinando gratuitamente [nossas newsletters](https://www.revistahsm.com.br/newsletter) e escutando nossos podcasts em sua plataforma de streaming favorita.*

Compartilhar:

Artigos relacionados

Calendário

Não, o ano ainda não acabou!

Em meio à letargia de fim de ano, um chamado à consciência: os últimos dias de 2024 são uma oportunidade valiosa de ressignificar trajetórias e construir propósito.

Uncategorized
Há alguns anos, o modelo de capitalismo praticado no Brasil era saudado como um novo e promissor caminho para o mundo. Com os recentes desdobramentos e a mudança de cenário para a economia mundial, amplia-se a percepção de que o modelo precisa de ajustes que maximizem seus aspectos positivos e minimizem seus riscos

Sérgio Lazzarini

Gestão de Pessoas
Os resultados só chegam a partir das interações e das produções realizadas por pessoas. A estreia da coluna de Karen Monterlei, CEO da Humanecer, chega com provocações intergeracionais e perspectivas tomadas como normais.

Karen Monterlei

Liderança, times e cultura, Cultura organizacional, Gestão de pessoas
Entenda como utilizar a metodologia DISC em quatro pontos e cuidados que você deve tomar no uso deste assessment tão popular nos dias de hoje.

Valéria Pimenta

Inovação
Os Jogos Olímpicos de 2024 acabaram, mas aprendizados do esporte podem ser aplicados à inovação organizacional. Sonhar, planejar, priorizar e ter resiliência para transformar metas em realidade, são pontos que o colunista da HSM Management, Rafael Ferrari, nos traz para alcançar resultados de alto impacto.

Rafael Ferrari

6 min de leitura
Liderança, times e cultura, ESG
Conheça as 4 skills para reforçar sua liderança, a partir das reflexões de Fabiana Ramos, CEO da Pine PR.

Fabiana Ramos

ESG, Empreendedorismo, Transformação Digital
Com a onda de mudanças de datas e festivais sendo cancelados, é hora de repensar se os festivais como conhecemos perdurarão mais tempo ou terão que se reinventar.

Daniela Klaiman

ESG, Inteligência artificial e gestão, Diversidade, Diversidade
Racismo algorítimico deve ser sempre lembrado na medida em que estamos depositando nossa confiança na inteligência artificial. Você já pensou sobre esta necessidade neste futuro próximo?

Dilma Campos

Inovação
A transformação da cultura empresarial para abraçar a inovação pode ser um desafio gigante. Por isso, usar uma estratégia diferente, como conectar a empresa a um hub de inovação, pode ser a chave para desbloquear o potencial criativo e inovador de uma organização.

Juliana Burza

ESG, Diversidade, Diversidade, Liderança, times e cultura, Liderança
Conheça os seis passos necessários para a inserção saudável de indivíduos neuroatípicos em suas empresas, a fim de torná-las também mais sustentáveis.

Marcelo Franco

Lifelong learning
Quais tendências estão sendo vistas e bem recebidas nos novos formatos de aprendizagem nas organizações?

Vanessa Pacheco Amaral