Cada era do conhecimento humano teve características únicas que definiram as relações entre as pessoas. Porém um traço, muito forte, nasceu quando a agricultura mandava na economia e permaneceu por séculos: a concentração de poder e de tomada de decisão, em que poucos determinam como seria a vida de muitos.
Exemplo emblemático dessa dinâmica, que atravessou as eras rural, industrial e digital, é o pensamento de Henry Ford, no início do século 20: “Você pode comprar um Ford Modelo T em qualquer cor que desejar, desde que ele seja preto”.
Porém, nos anos 1990, com o advento da internet, esse formato verticalizado se rompeu. A ruptura causada por democratização do acesso à informação, por horizontalização das relações e por novas tecnologias com a computação na nuvem, foi, e é, transformadora, e segue em uma velocidade intensa. A sociedade passou a viver no tal mundo “Vuca”, sigla em inglês que designa “volátil, incerto, complexo e ambíguo”.
Nós logo passamos a ter acesso a tudo e a todo momento com um smartphone na palma das mãos. A quantidade de opções e possibilidades para um cliente realizar suas necessidades cresceu de maneira assustadora.
É nesse contexto que a estratégia de experiência do cliente emerge como a única capaz de criar conexões únicas entre seres humanos. De um lado, clientes. Do outro, colaboradores. Unidos por essa conexão, eles formam o elemento básico de toda e qualquer organização – uma tribo movida pelos mesmos valores e cultura, com a finalidade de seguir transformando a sociedade.
![024-28 – figura 1](//images.ctfassets.net/ucp6tw9r5u7d/6PPUyteIA4sYpuRaw7Eikp/10e2c0db4e81d2018be03dea1fcde6d5/024-28_-_figura_1.png)
## Entendendo (mesmo) o conceito
De acordo com a Forrester, renomada instituição de pesquisa e consultoria, experiência do cliente, ou CX, é “a soma das percepções de todas as interações que o cliente tem com a marca”.
Com isso, fica claro o desafio em fazer com que o cliente tenha experiências memoráveis em seu relacionamento com tal marca. Essa entrega deve ser feita sem rupturas ou quebra de confiança e de expectativas.
Um aspecto importante de CX é que a construção começa “de fora para dentro”, segundo o conceito de Harley Manning, pesquisador da Forrester. É necessário focar o foco do cliente, com o perdão da redundância, não focar o cliente. Para que isso ocorra, as expectativas dos clientes precisam estar claras. (Esse entendimento é crucial para que a construção da solução de CX seja robusta e coerente.) E elas invariavelmente se relacionam com solução, tempo e experiência prazerosa. Não desperdice o tempo do cliente, resolva seu problema o quanto antes e resolva-o de maneira satisfatória. As três expectativas – resolver seu problema, poupar-lhe esforço e satisfazê-lo – nunca mudarão. O que mudará é a intensidade crescente com a qual os clientes esperam e cobram por isso. É depois de encontrada a solução que se faz a experiência propriamente dita, muitas vezes usando ferramentas como o design thinking.
![0-24-28 – figura 2](//images.ctfassets.net/ucp6tw9r5u7d/4K8Z8q2bZVg2bP63fCoyR7/a6373306ea8ce41c46b784c4eafe0fec/0-24-28_-_figura_2_.png)
Reforçar o aspecto metodológico de CX é imprescindível. A força que existe em conectar seres humanos de modo único frequentemente faz com que as estratégias no mercado sejam conduzidas de maneira subjetiva e emocional; então, é preciso enfatizar a essência pragmática na construção da experiência do cliente, por meio da pirâmide da experiência. *{Veja na figura acima.}*
Como em qualquer construção, é preciso começar pela base: a solução deve resolver o problema do cliente. Em seguida, atua-se na redução do esforço para o cliente, indo ao encontro de sua expectativa de ganhar tempo. Por fim, entrega-se a ele uma conexão emocional satisfatória.
Importante: deve-se seguir a sequência da base ao topo exposta na figura; caso contrário, se você começar a estruturação de CX pela dimensão “emoção” – falha comum no mercado atualmente –, corre o risco de sofrer da “síndrome da pirâmide invertida” e acabar criando ações pontuais de encantamento. Elas geram impacto emocional, mas não resolvem as necessidades com profundidade. Ações como brindes e ressarcimentos são importantes, mas devem fazer parte de uma estratégia mais ampla de CX, e não ser ferramentas pontuais desconectadas do negócio.
Vale reforçar que a aplicação do “framework” da pirâmide da experiência do cliente precisa ser feita de ponta a ponta. Somente dessa forma a estratégia de experiência será realizada com consistência.
## CX movida pela voz do cliente
CX é método… e esse método é melhoria contínua.. A finalidade da melhoria contínua é mover transformações profundas nos negócios e nas organizações por meio da voz do cliente – os clientes são o meio, não o fim, para gerar impacto estratégico nas companhias. A experiência do cliente é uma ferramenta que impacta diretamente e retroalimenta uma empresa, viabilizando a construção de um negócio perene e adaptável a necessidades e contextos diferentes – e que mudam em velocidade cada vez maior.
Uma das metodologias mais consagradas em melhoria contínua, e que pode ser aplicada no contexto de CX, é o famoso PDCA (da sigla em inglês para “planejar, executar, checar e agir”), que remonta à qualidade de W. Edwards Deming. É uma ferramenta simples de entender e intuitiva de implementar:
__- Planejar:__ Definir iniciativas-chave de experiência do cliente para serem implementadas com base no feedback da voz do cliente.
__- Executar:__ Realizar as iniciativas-chave com excelência e em alinhamento com demais áreas e times.
__- Checar:__ Mensurar os resultados identificando o que está ocorrendo dentro do esperado e o que não está funcionando com o detalhamento necessário de análises para identificar as causas.
__- Agir:__ Propor, com base nas oportunidades mapeadas nas análises de causa, os planos de ação para correção das iniciativas em andamento e definição de novas iniciativas, começando um novo ciclo de planejamento.
Mais um aspecto inegociável em CX, evidenciado no PDCA, é que não há gestão da experiência do cliente sem métricas, que são a base para o passo “Checar”. Peter Drucker deixava isso claro: “Só pode ser melhorado o que pode ser medido”.
![0-24-28 – figura 3](//images.ctfassets.net/ucp6tw9r5u7d/5mNGbwXvhrZnYAyIfvsami/b12817fb4f5b328eaa5e204ecbaac16d/024-28_-_figura_3.png)
Mas qual seria o conjunto de métricas e indicadores para mensurar o resultado do andamento das iniciativas de CX? Uma estrutura simples e bem interessante para abordar o tema de mensuração de CX é o “templo de indicadores da experiência do cliente”:
__Efeito UAU.__ O telhado representa a entrega final de CX, o encantamento percebido pelo cliente.
__Macroindicadores:__ Três são chave:
– __Net Promoter Score (NPS).__ Traduz a voz do cliente mensurando a dimensão “emoção” da pirâmide da experiência.
– __Customer Effort Score (CES).__ Indicador de voz do cliente para mensurar a dimensão “baixo esforço” da pirâmide da experiência do cliente.
– __Contact rate__. Mede a dimensão “resolver o problema” da pirâmide da experiência. É calculado como uma porcentagem, de quantidade de contatos no atendimento a clientes em relação à quantidade de transações.
__Microindicadores:__ Grupo de KPIs (indicadores-chave de performance, na sigla em inglês) que sustentam a entrega de CX e que variam para cada companhia e modelo de negócio, bem como para estágio de maturidade. Algumas possibilidades de microindicadores aqui seriam: ticket médio, CAC (custo de aquisição de clientes), churn rate (percentual de clientes que vão embora), tempo médio de atendimento, motivo de contato/fricção, produtividade, execução de orçamento, disponibilidade de sistemas e canais, SLA de fornecedores (nível de serviço) etc.
__Employee Net Promoter Score (e-NPS):__ A pedra fundamental da mensuração é a experiência do colaborador (EX, na sigla em inglês). Esse indicador traduz a voz do colaborador, reforçando que a construção de CX, percebida pelo cliente, começa, necessariamente, dentro de casa. A experiência do cliente começa a ser construída “de fora para dentro”, mas é entregue “de dentro para fora”, lembram os pesquisadores da Forrester.
## Eliminando fricções
Vale a pena repetir: como acontece com toda e qualquer construção, o foco inicial da implementação de uma estratégia exitosa de experiência do cliente deve ser na base – ou seja, resolver a necessidade ou o problema dos clientes por meio de produtos e serviços.
Jeff Bezos, fundador da Amazon, já ensinou que o melhor atendimento é aquele em que o cliente não precisa entrar em contato com você, porque tudo funcionou nos conformes. Isso explica outro ponto crucial de CX que, muitas vezes, é mal interpretado. Muitos acham que, para priorizar experiência, deve haver uma mudança de foco em produto para foco em cliente. Esse pensamento está errado. O foco no produto jamais pode ser abandonado. Ao contrário: CX demanda foco obsessivo em produto.
Os atritos têm outra origem ainda: o adicional de esforço do cliente. Como lemos no livro *The effortless experience,* “satisfação não gera lealdade, mas todo e qualquer esforço {do cliente} gera deslealdade, incluindo o esforço de ter que entrar em contato com o atendimento”.Produtos e serviços que geram esforço destroem a lealdade e podem impactar negativamente o resultado da companhia e colocar em risco o crescimento do negócio.
O leitor entende por que não se pode ter estratégia de CX focada 100% em “atendimento encantador ao cliente”, como muitas empresas prometem? Atendimento é um esforço que deve ser evitado ou eliminado, mesmo que o atendimento seja impecável e eficaz.
A partir desse cenário, o melhor caminho para começar o trabalho de experiência do cliente em uma companhia é, claramente, pela base, construindo um produto robusto e retroalimentado, continuamente, pela voz do cliente. Nesse estágio inicial, a métrica-chave de CX é o “contact rate” (taxa de contato). Quanto menor o valor, melhor, pois pois isso representa a eliminação de fricções, o que impacta na eficiência do negócio.
## Investimento e retorno em CX
Se a taxa de contato cai, a estrutura de atendimento ao cliente não precisa crescer – ou cresce em um ritmo menor, o que reduz custos. Isso é CX com impacto direto nos resultados da companhia.
Mas, indo além disso, é indispensável ter um processo de governança estruturado entre os times de CX e de produtos. Somente assim é possível criar uma agenda de ajustes e melhorias nos produtos a partir das opiniões dos clientes.
![024-28 – figura 4](//images.ctfassets.net/ucp6tw9r5u7d/6ySgTaz5CbBuBGcu2XkY7J/14c51a5eb323daa2ef3f5f756102771e/024-28_-_figura_4.png)
Estudos de mercado comprovam que o investimento em experiência do cliente traz retornos de grande impacto. No gráfico acima, é possível notar que quanto maior o grau de maturidade de CX em uma companhia, maior é o crescimento de receita por cliente. Essa taxa chega a ser 2,4 vezes maior no nível mais alto de maturidade de CX.
Ganhos importantes também foram comprovados no que se refere à experiência do colaborador (EX). Um estudo realizado pela S&P 500 na Nasdaq concluiu que as companhias com as melhores práticas de EX apresentam os melhores resultados:
__• Lucratividade 4 vezes maior.
• Receitas 2 vezes maior.
• Turnover de colaboradores 40% menor.
• Times 24% menores e com alto nível de performance.__
O protagonismo de customer experience nas pautas estratégicas das corporações vem crescendo nos últimos dez anos. Trata-se de uma estratégia capaz de criar conexões únicas entre clientes e empresas. Mas CX é método! É para impactar produtos, serviços e negócios por meio da voz do cliente. E não se engane: o cliente, na estratégia de CX, é meio, não o fim. A estratégia da experiência do cliente implementada e executada com excelência cria uma organização robusta (em cultura e em resultados), perene e adaptável a clientes e colaboradores.
__Leia também: [EX também tem método](https://www.revistahsm.com.br/post/ex-tambem-e-metodo)__
Artigo publicado na HSM Management nº 157.