Dossiê HSM

O avanço silencioso da impressão 3D

De objetos decorativos a próteses ósseas, a impressora 3D já é realidade. E cada vez mais indústrias estão adotando a chamada manufatura aditiva. Conheça os novos casos mais emblemáticos em andamento no Brasil
Ricardo Cavallini é fundador da primeira agência digital do Brasil, professor da Singularity University, palestrante e consultor em tecnologia e inovação, além de pioneiro do movimento maker no País.

Compartilhar:

Longe do glamour em torno da inteligência artificial (este ano) e do metaverso (ano passado), a impressão 3D já deixou de ser, faz tempo, a tecnologia emergente da moda. Mas ela tem feito avanços interessantes no Brasil e traz uma série de vantagens para as empresas. Por viabilizar rapidez de produção e pequenas tiragens, a impressão 3D, ou manufatura aditiva, permite não apenas criar protótipos, mas trabalhar mercados de nicho ou testar produtos antes de produzir em larga escala.

Olhando para essas possibilidades, a fabricante de bonecos Memetoys se especializou em fazer parcerias com artistas. Produtos do tipo, antigamente, só fechariam a conta se fossem produzidos em grande escala, o que inviabilizaria parcerias com artistas de públicos muito segmentados. Mas, com a impressão 3D e uma tiragem reduzida, nomes como Laerte, André Abujamra, Adão Iturrusgarai, Allan Sieber, Richard Bittencourt, Fabiane Langona e o podcast Ben-Yur fizeram parcerias com a Memetoys.

A personalização é uma das chaves para o sucesso estratégico da impressão 3D. A fabricante YoFace tem usado a tecnologia para produzir óculos usando tecnologia proprietária que permite filmar o rosto e criar um par de óculos customizado para o rosto do cliente. Para garantir a qualidade, a empresa usa impressoras industriais do Senai Cimatec Park, em Camaçari, Bahia. Centros tecnológicos do tipo são fundamentais para fomentar a inovação, porque uma impressora industrial assim pode custar milhões, inviabilizando que cada startup compre sua própria. Ao não precisar investir no maquinário, a YoFace consegue focar sua inovação onde mais importa, como na inteligência de personalização e na colorização, o que permite a grande variedade de produtos. Segundo Vagner Cornelius, gerente comercial da SKA, empresa que oferece soluções para manufatura aditiva, “a Cimatec tem grande importância para o País por ser o primeiro bureau que vai além do serviço de impressão, entendendo a necessidade de aplicação e dando suporte à engenharia, por exemplo, fazendo simulações de resistência mecânica de peças impressas em 3D”. Dessa forma, a YoFace consegue produzir óculos levíssimos, mas resistentes.

A flexibilidade da tecnologia permite que a inovação aconteça também em frentes não tão charmosas como óculos ou objetos decorativos, mas que representam economia de tempo, custo e gargalos de produção. É o caso de ferramentas de injeção e peças de reposição. Thiago Raimundo, gerente de vendas na Comprint, empresa que representa e distribui impressoras 3D industriais, diz que o público cresceu bastante. “Temos clientes de linha branca usando a tecnologia para produzir peças para máquinas de lavar. Já conseguimos produzir moldes em resinas de alta temperatura que estão sendo usados na indústria calçadista”, exemplifica.

Quem também sentiu esse aumento da demanda industrial foi a 3DX Filamentos, um dos maiores distribuidores de material para impressão 3D no Brasil. A empresa precisou investir no desenvolvimento de novos materiais, como compostos com nylon 6 e nylon 12 com fibra de carbono. Segundo Cleber Rampazo, sócio da empresa, “nos últimos anos, o faturamento por materiais industriais saltou de 10% para 40%”.

Com a demanda, novos cursos apareceram. A SKA criou um curso voltado para a indústria. Já a B&P Editorial está usando a tecnologia como base para formação de professores e para criar um método de ensino com foco em projetos. O projeto já atinge 70 mil alunos e deve chegar a 200 mil até o fim do ano. Implementada em cidades paulistas como Campinas, Taboão da Serra, Campos do Jordão e Guarujá, a iniciativa disponibilizou centenas de impressoras (uma para cada 100 alunos) para a rede pública de educação. Emanuel Campos, responsável pela implementação, acredita que “o uso de tecnologias na sala de aula não apenas empodera os alunos como também garante a alfabetização digital”.

## Casamento perfeito
É com a indústria da saúde que a manufatura aditiva vem ganhando mais espaço. Fabio Sant’Ana, diretor da Farcco, fornecedora de tecnologia em impressão 3D, acredita que “o maior usuário de manufatura aditiva no Brasil continua sendo a indústria médica, seja em metais nas próteses e implantes ou em polímeros na área dental”. Sant’Ana também é líder no comitê de normatização ISO, outra frente que evoluiu bastante no último ano, criando normas ABNT para viabilizar a utilização de implantes para cirurgia e outros usos industriais.

A manufatura aditiva é bastante útil em casos complexos. Foi o que ocorreu em uma cirurgia de um caso oncológico realizada em São Paulo. Boa parte da bacia do paciente precisou ser removida por causa de um câncer. Para substituí-la, uma prótese foi produzida usando uma liga de titânio, alumínio e vanádio e impressa em 3D com fusão em leito de pó (PBF, na sigla em inglês).

Outras aplicações que já vinham recebendo grande investimento fora do País começam a aportar aqui. A JBS anunciou R$ 100 milhões de investimento para se tornar uma das principais fabricantes de proteína cultivada no mundo. Parte do valor será destinada para montar um grande centro de pesquisa em Florianópolis, com início de operação em 2024. Em São Paulo, a startup Portal 3D está desenvolvendo software, material e impressoras de argamassa para aplicações que vão desde vasos até construção de casas inteiras. Após os primeiros testes bem-sucedidos, até o fim do ano a empresa acredita que produzirá um modelo em escala real de uma cozinha, em pleno funcionamento. Muitas das promessas de dez anos atrás, quando a impressão 3D era a moda tecnológica da vez, enfim estão se concretizando. Basta saber para onde olhar.

__Leia também: [Vale: nos trilhos da inteligência artificial](https://www.revistahsm.com.br/post/vale-nos-trilhos-da-inteligencia-artificial)__

Artigo publicado na HSM Management nº 158.

Compartilhar:

Artigos relacionados

Calendário

Não, o ano ainda não acabou!

Em meio à letargia de fim de ano, um chamado à consciência: os últimos dias de 2024 são uma oportunidade valiosa de ressignificar trajetórias e construir propósito.

Empreendedorismo
Um guia para a liderança se antecipar às consequências não intencionais de suas decisões

Lilian Cruz e Andréa Dietrich

4 min de leitura
ESG
Entre nós e o futuro desejado, está a habilidade de tecer cada nó de um intricado tapete que une regeneração, adaptação e compromisso climático — uma jornada que vai de Baku a Belém, com a Amazônia como palco central de um novo sistema econômico sustentável.

Bruna Rezende

5 min de leitura
ESG
Crescimento de reclamações à ANS reflete crise na saúde suplementar, impulsionada por reajustes abusivos e falta de transparência nos planos de saúde. Empresas enfrentam desafios para equilibrar custos e atender colaboradores. Soluções como auditorias, BI e humanização do atendimento surgem como alternativas para melhorar a experiência dos beneficiários e promover sustentabilidade no setor.
4 min de leitura
Finanças
Brasil enfrenta aumento de fraudes telefônicas, levando Anatel a adotar medidas rigorosas para proteger consumidores e empresas, enquanto organizações investem em tecnologia para garantir segurança, transparência e uma comunicação mais eficiente e personalizada.

Fábio Toledo

4 min de leitura
Finanças
A recente vitória de Donald Trump nos EUA reaviva o debate sobre o protecionismo, colocando em risco o acesso do Brasil ao segundo maior destino de suas exportações. Porém, o país ainda não está preparado para enfrentar esse cenário. Sua grande vulnerabilidade está na dependência de um número restrito de mercados e produtos primários, com pouca diversificação e investimentos em inovação.

Rui Rocha

0 min de leitura
Finanças
O Revenue Operations (RevOps) está em franca expansão global, com estimativa de que 75% das empresas o adotarão até 2025. No Brasil, empresas líderes, como a 8D Hubify, já ultrapassaram as expectativas, mais que dobrando o faturamento e triplicando o lucro ao integrar marketing, vendas e sucesso do cliente. A Inteligência Artificial é peça-chave nessa transformação, automatizando interações para maior personalização e eficiência.

Fábio Duran

3 min de leitura
Empreendedorismo
Trazer os homens para a discussão, investir em ações mais intencionais e implementar a licença-paternidade estendida obrigatória são boas possibilidades.

Renata Baccarat

4 min de leitura
Uncategorized
Apesar de ser uma ferramenta essencial para o desenvolvimento de colaboradores, o Plano de Desenvolvimento Individual (PDI) vem sendo negligenciado por empresas no Brasil. Pesquisa da Mereo mostra que apenas 60% das companhias avaliadas possuem PDIs cadastrados, com queda no engajamento de 2022 para 2023.

Ivan Cruz

4 min de leitura
Tecnologias exponenciais
A inteligência artificial (IA) está revolucionando o mundo dos negócios, mas seu avanço rápido exige uma discussão sobre regulamentação. Enquanto a Europa avança com regras para garantir benefícios éticos, os EUA priorizam a liberdade econômica. No Brasil, startups e empresas se mobilizam para aproveitar as vantagens competitivas da IA, mas aguardam um marco legal claro.

Edmee Moreira

4 min de leitura
ESG
A gestão de riscos psicossociais ganha espaço nos conselhos, impulsionada por perdas estimadas em US$ 3 trilhões ao ano. No Brasil, a atualização da NR1 exige que empresas avaliem e gerenciem sistematicamente esses riscos. Essa mudança reflete o reconhecimento de que funcionários saudáveis são mais produtivos, com estudos mostrando retornos de até R$ 4 para cada R$ 1 investido

Ana Carolina Peuker

4 min de leitura