Estratégia e Execução

O líder equilibrado

A vida humana tem quatro dimensões; para aproveitar todo o seu potencial, um líder não pode privilegiar uma em detrimento de outras, como no conflito entre vida pessoal e trabalho

Compartilhar:

Muitos gestores acreditam que, para terem sucesso no trabalho e serem líderes, devem ter foco único no trabalho, à custa de si mesmos, de sua família e da sociedade. Até aqueles que rechaçam a ideia do jogo de soma zero recaem em um tipo de pensamento binário revelado pela expressão que usamos para descrever o estilo de vida ideal: “equilíbrio vida-trabalho”. 

Na verdade, as evidências que tenho recolhido demonstram o contrário: o sucesso profissional sustentável resulta de investimentos significativos nos demais setores da vida. O líder equilibrado, total, tem mais êxito que o líder desequilibrado, parcial. Os “custos” do sucesso são um mito e um equívoco. Há cerca de três décadas venho pesquisando sobre isso; minha missão na vida tem sido ajudar as pessoas a encontrar maneiras de ter uma vida mais equilibrada. 

**AS QUATRO DIMENSÕES DA VIDA E O EXEMPLO DE TOM TIERNEY**

Quando se olham no espelho, os líderes raramente veem a pessoa que querem ser. A imagem é distorcida por contradições interiores. O CEO poderoso se desespera ao constatar que não pode fazer mais por um pai que envelhece; o cientista renomado teme perder contato com a espiritualidade, por exemplo. 

A ideia de que trabalho compete com vida é forte, mas despreza o fato de que a vida é a interseção e a interação de quatro dimensões: o trabalho, a família, a comunidade e o “eu”, que é o reino privado da mente, do corpo e do espírito. Ninguém goza de felicidade completa em todas as esferas da vida ao mesmo tempo, mas a harmonia entre elas é perfeitamente possível. 

A harmonia começa quando abandonamos a crença de que é preciso fazer tradeoffs entre áreas da vida, abrindo mão da felicidade em uma em benefício de outra. É possível escolher ter as quatro dimensões trabalhando juntas, como em um quarteto de jazz. Partes diferentes têm mais destaque a cada momento, mas, ao longo da vida, elas se combinam para criar uma linda música. 

Tom Tierney, um dos líderes mais bem-sucedidos que já estudei, é um exemplo de quem atingiu a excelência em equilibrar as múltiplas dimensões da vida. Mesmo quando CEO da consultoria Bain & Company, ele nunca ia ao escritório nos fins de semana; esse tempo era da família. Tierney também cuida muito bem de sua saúde e bem-estar interior. Mantém, inclusive, um diário, no qual faz suas reflexões. Com pouco mais de 40 anos, ele mudou o foco de seu trabalho e deixou a Bain para formar o Bridgespan Group, empresa que oferece consultoria estratégica e serviços de desenvolvimento de liderança a entidades filantrópicas, fundações e organizações não governamentais. Esse movimento foi a concretização de uma ideia que ele teve ainda jovem. Tierney é um modelo de pessoa que honra todas as partes de sua vida ativamente, aproveitando, assim, os frutos do verdadeiro sucesso. 

**COMO SER UM LÍDER TOTAL?**

O que separa os líderes equilibrados, totais, dos demais indivíduos igualmente talentosos, mas menos satisfeitos? São três aspectos: 

**1. Ser real, agir com autenticidade.** Refere-se a saber de onde a pessoa vem, para onde vai e por quê. É aquilo que ela representa. 

**2. Ser inteiro.** Diz respeito a agir com integridade, com base em um senso interior de unidade, em contraste com a fragmentação inerente à lógica dos tradeoffs entre as dimensões da vida. O termo “integridade” vem do latim “integer”, que significa completo ou total. Agir com integridade demanda respeito ao fato de que a pessoa desempenha uma série de papéis. 

**3. Ser inovador.** É preciso sempre fazer experiências sobre como as coisas são feitas, desafiando o status quo para encontrar novas e melhores maneiras de fazê-las, não apenas para a pessoa ou sua empresa, mas para todas as diferentes partes de sua vida. 

Os líderes podem buscar o domínio desses aspectos-chave para o sucesso fazendo experimentos de modo inteligente e inclusivo. “Inteligente”, nesse caso, significa antecipar de modo realista o risco e geri-lo. “Inclusivo”, por sua vez, é comunicar claramente como a tentativa de algo novo beneficiará aqueles que podem reagir mal à novidade. 

Um executivo diz a seus pares e equipe o seguinte: “Gostaria de tentar algo para o próximo mês. Estarei indisponível às terças-feiras, das  15 horas até o fim do dia, porque tenho certeza de que, se usar esse tempo para fazer outras coisas que importam para mim, vocês verão melhorias em meus resultados, que é o que importa para vocês. Estarei menos distraído e mais focado, o que significa que serei capaz de entregar mais valor quando estiver trabalhando. Vocês apoiam minha tentativa de fazer isso durante um mês, para ver o que acontece?”. Assim, esse executivo conseguirá remover as razões pelas quais os colegas poderiam ser contra sua iniciativa. 

A proposta tem três pontos positivos: (1) vislumbra um resultado desejável para todos, (2) define o experimento em fronteiras claras e não ameaçadoras e (3) compartilha o controle do experimento, já que ele convidou os outros a ajudá-lo a avaliar seu sucesso. Esses mesmos pontos também podem ajudar a reduzir a resistência interior do próprio executivo, na verdade. Ele se sentirá menos culpado de fazer o teste porque sabe que o intuito é ajudar os outros tanto quanto a si mesmo. Além disso, os benefícios são relevantes, e os aspectos negativos, pequenos, o que o faz desarmar a voz interior segundo a qual fazer algo saudável para si é egoísta – ou arriscado. 

![](https://revista-hsm-public.s3.amazonaws.com/uploads/5641ae10-255f-4670-a83c-81438404f7bc.jpeg)

**PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO  DE LIDERANÇA**

Experimentos a favor da integração de outras dimensões da vida podem sofrer forte resistência em organizações marcadas pelo estilo comando e controle, mesmo sendo inteligentes e inclusivos. No entanto, até em tais ambientes, os líderes conseguem encontrar maneiras de definir pessoalmente o valor de ser real, inteiro e inovador, e podem estimular terceiros a fazer experimentos, em vez de eles mesmos tentarem. A boa notícia é que qualquer sucesso alcançado por tais líderes e suas equipes pode acionar o gatilho de uma mudança cultural também nesse tipo de empresa, criando espaço para que mais pessoas honrem a vida fora do trabalho e extraiam forças disso. 

Assim, ficará demonstrado que o equilíbrio entre o trabalho e o restante da vida não é uma ameaça ao desempenho e ao sucesso da empresa. Logo será possível medir melhorias de produtividade, retenção de talentos e reduções em custos de assistência médica e operacionais, por conta da energia física e psicológica ampliada pelo equilíbrio nas dimensões. 

As organizações mais sábias transformarão os experimentos inteligentes e inclusivos propostos aqui em um programa de desenvolvimento de liderança, com o objetivo de libertar seus líderes da lógica do tradeoff de uma dimensão da vida por outra. Deixarão os experimentos mais poderosos ao cercá-los de avaliações, feedbacks e um processo de coaching, garantindo que sejam realmente inteligentes e inclusivos. 

No programa, os líderes devem sentir-se desafiados a fazer coisas que terão impacto positivo não só em seu trabalho, mas também em sua casa, em sua comunidade e sobre si mesmo À medida que os experimentos se repetirem em busca do que eu chamo de “conquista em quatro frentes”, os líderes passarão a se ver como cientistas no laboratório da vida, agindo de maneira consciente e deliberada com o intuito de serem úteis para si e para os outros e aprendendo tanto com o fracasso como com o sucesso. 

Com o tempo, esses líderes equilibrados, totais, ficarão aptos não apenas a se adaptar à mudança, mas também a criá-la.

Compartilhar:

Artigos relacionados

Liderança
Como a promessa de autonomia virou um sistema de controle digital – e o que podemos fazer para resgatar a confiança no ambiente híbrido.

Átila Persici

0 min de leitura
Liderança
Rússia vs. Ucrânia, empresas globais fracassando, conflitos pessoais: o que têm em comum? Narrativas não questionadas. A chave para paz e negócios está em ressignificar as histórias que guiam nações, organizações e pessoas

Angelina Bejgrowicz

6 min de leitura
Empreendedorismo
Macro ou micro reducionismo? O verdadeiro desafio das organizações está em equilibrar análise sistêmica e ação concreta – nem tudo se explica só pela cultura da empresa ou por comportamentos individuais

Manoel Pimentel

0 min de leitura
Gestão de Pessoas
Aprender algo novo, como tocar bateria, revela insights poderosos sobre feedback, confiança e a importância de se manter na zona de aprendizagem

Isabela Corrêa

0 min de leitura
Inovação
O SXSW 2025 transformou Austin em um laboratório de mobilidade, unindo debates, testes e experiências práticas com veículos autônomos, eVTOLs e micromobilidade, mostrando que o futuro do transporte é imersivo, elétrico e cada vez mais integrado à tecnologia.

Renate Fuchs

4 min de leitura
ESG
Em um mundo de conhecimento volátil, os extreme learners surgem como protagonistas: autodidatas que transformam aprendizado contínuo em vantagem competitiva, combinando autonomia, mentalidade de crescimento e adaptação ágil às mudanças do mercado

Cris Sabbag

7 min de leitura
Gestão de Pessoas
Geração Beta, conflitos ou sistema defasado? O verdadeiro choque não está entre gerações, mas entre um modelo de trabalho do século XX e profissionais do século XXI que exigem propósito, diversidade e adaptação urgent

Rafael Bertoni

0 min de leitura
Empreendedorismo
88% dos profissionais confiam mais em líderes que interagem (Edelman), mas 53% abandonam perfis que não respondem. No LinkedIn, conteúdo sem engajamento é prato frio - mesmo com 1 bilhão de usuários à mesa

Bruna Lopes de Barros

0 min de leitura
ESG
Mais que cumprir cotas, o desafio em 2025 é combater o capacitismo e criar trajetórias reais de carreira para pessoas com deficiência – apenas 0,1% ocupam cargos de liderança, enquanto 63% nunca foram promovidos, revelando a urgência de ações estratégicas além da contratação

Carolina Ignarra

4 min de leitura
Tecnologias exponenciais
O SXSW revelou o maior erro na discussão sobre IA: focar nos grãos de poeira (medos e detalhes técnicos) em vez do horizonte (humanização e estratégia integrada). O futuro exige telescópios, não lupas – empresas que enxergarem a IA como amplificadora (não substituta) da experiência humana liderarão a disrupção

Fernanda Nascimento

5 min de leitura