Dossiê HSM

Prazer, sou investidor-empreendedor tech

Conheça a história de um operador do mercado de derivativos que passou a investir em cleantechs, lidando com tecnologias tão distintas como energias renováveis e blockchain e com desafios como o de internacionalização. E entenda a (nova) mentalidade requerida
Carlos de Mathias Martins é engenheiro de produção formado pela Escola Politécnica da USP com MBA em finanças pela Columbia University e empreendedor focado em cleantech.

Compartilhar:

Faz uns 25 anos que fui apresentado ao tema das mudanças climáticas por um amigo neozelandês, na época consultor do Banco Mundial. A quarta conferência das Nações Unidas sobre o tema – COP4 – recém-terminara em Buenos Aires, e esse amigo desafiava o meu total desconhecimento sobre o mercado de carbono – que, segundo ele, negociaria num futuro próximo o maior volume financeiro entre todas as commodities, simplesmente porque existe mais dióxido de carbono na atmosfera terrestre do que petróleo sob a terra. Foi a primeira vez que deparei com o conceito de TAM (mercado total endereçável, na sigla em inglês), inclusive, tão em voga hoje em análises de investimento em startups.

Meu primeiro impulso foi rebater a visão alarmista do amigo “kiwi” sobre aquecimento global. Saquei da cartucheira a famosa aposta “Ehrlich versus Simon”. No final de 1980, Julian Simon, então professor da University of Maryland, dos EUA, e Paul Ehrlich, biólogo e professor da Stanford University, escolheram uma cesta de cinco metais que, segundo ambos, representaria no longo prazo o nível de escassez ou abundância de matérias-primas no planeta Terra, e apostaram uns US$ 100 que, em dez anos, ela se valorizaria – ou desvalorizaria. (Eram cobre, cromo, estanho, níquel e tungstênio.)

Ehrlich, autor do livro *The Population Bomb*, de 1968, sustentava que o crescimento populacional pressionaria a demanda por recursos naturais e que avanços tecnológicos não dariam conta de segurar o preço das commodities e dos alimentos. Em programas de TV gravados nos anos 1970 e 1980, Ehrlich previa um cenário catastrófico de fome e carestia globais a partir do início do século 21.

Simon apostava o contrário: o avanço tecnológico resultaria em maior abundância de recursos materiais para a humanidade e consequentemente preços relativamente mais baixos para commodities e alimentos. Em outubro de 1990, a cesta de metais estava mais barata e foi Simon quem recebeu um cheque do alarmista Ehrlich.

Mas, em vez de rebater o neozelandês, entendi que o fenômeno das mudanças climáticas não é nada mathusiano, mas fundamentado em modelos preditivos robustos submetidos a revisão paritária – no final dos anos 1990 já existia consenso científico acerca da correlação entre emissões de gases de efeito estufa (GEEs) e o aumento da temperatura da superfície terrestre. Então, eu, que trabalhava como operador de derivativos em uma instituição financeira e queria empreender, fui estudar os primeiros relatórios do IPCC – o painel intergovernamental sobre mudanças climáticas da ONU. E a redução de emissões de GEEs (com tecnologia) me pareceu uma boa tese de investimento.

Alocar dinheiro em cleantech, energia renovável e preservação de florestas começava a ser incorporado ao zeitgeist da virada do século. Além disso, a tese de investimento alternativa derivada da visão malthusiana de escassez e fome implicava vender a humanidade a descoberto – ou, no jargão do mercado financeiro, shortear o planeta Terra. Caso essa tese catastrofista vingasse, não haveria quem me pagasse.

Com uma estratégia de investimentos pouco elaborada, mas em parceria com um amigo brilhante (os dois engenheiros, eu meio fajuto, como brincamos por eu ser engenheiro de produção), fundei em meados de 2000 uma empresa de assessoria financeira para projetos de redução de emissões de GEEs.

Veio a ratificação do Protocolo de Kyoto em 2005, e vislumbramos a oportunidade de internacionalização dos investimentos. Juntamente com uma das maiores empresas mundiais de trading de commodities, abrimos escritórios ao redor do globo. Entretanto, esse nosso primeiro negócio teve vida curta. Embora verdadeira a tese de investimento de TAM gigante, o mercado de carbono não estava suficientemente maduro para suportar uma crise financeira da magnitude observada em 2007 e 2008. Os preços dos créditos de carbono colapsaram, e a aliança com a trading teve de ser desfeita.

## Investindo em blockchain
Por sorte, ao oferecermos os serviços de estruturação financeira para empresas de energia renovável, identificamos oportunidades de investimento no capital social de projetos eólicos e hidroelétricas. Isso nos permitiu diversificar nossa oferta de serviços de investimento além do mercado de créditos de carbono. (Em meados dos anos 2000, energia eólica no Brasil era considerada fronteira do conhecimento em cleantech.) Combinando recursos próprios e de terceiros, fomos uma das empresas pioneiras do País em projetos eólicos.

Em 2012, nosso portfólio de eólicas e hidroelétricas foi consolidado em uma plataforma de investimentos de dois fundos de private equity, e hoje essa empresa é uma das maiores companhias de energia renovável listadas na B3. Replicamos a mesma experiência para projetos de biogás, e grande parte do volume de gás natural renovável produzido no Brasil tem origem em iniciativas da nossa empresa.

Só que investimentos em infraestrutura e private equity no Brasil são desafiadores: exigem muito capital, sofrem com o ambiente de altas taxas de juros e pena com nossa volatilidade financeira, política e regulatória por terem longo prazo de maturação. Então, em 2016 apostamos na tecnologia blockchain para rastrear o elétron renovável, a molécula de biogás e o crédito de carbono de projetos, em uma transição do private equity para o venture capital.

Ainda estamos nessa jornada, mas a convexidade para empreendimentos que usam tecnologias disruptivas como blockchain é evidente: ao menos na teoria, a expectativa é de perdas limitadas para ganhos ilimitados.

Será que alcancei o sucesso? Não, nada do que escrevi aqui já pode ser precificado a valor de face. Mas ao menos após 20 anos com startups minha mãe entendeu o que eu faço…

__Leia também: [O gestor-empreendedor da tecnologia](https://www.revistahsm.com.br/post/o-gestor-empreendedor-da-tecnologia)__

Artigo publicado na HSM Management nº 158.

Compartilhar:

Artigos relacionados

Empreendedorismo
Desde Alfred Nobel, o ato de reconhecer os feitos dos seres humanos não é uma tarefa trivial, mas quando bem-feita costuma resultar em ganho reputacional para que premia e para quem é premiado

Ivan Cruz

7 min de leitura
ESG
Resgatar nossas bases pode ser a resposta para enfrentar esta epidemia

Lilian Cruz

5 min de leitura
Liderança
Como a promessa de autonomia virou um sistema de controle digital – e o que podemos fazer para resgatar a confiança no ambiente híbrido.

Átila Persici

0 min de leitura
Liderança
Rússia vs. Ucrânia, empresas globais fracassando, conflitos pessoais: o que têm em comum? Narrativas não questionadas. A chave para paz e negócios está em ressignificar as histórias que guiam nações, organizações e pessoas

Angelina Bejgrowicz

6 min de leitura
Empreendedorismo
Macro ou micro reducionismo? O verdadeiro desafio das organizações está em equilibrar análise sistêmica e ação concreta – nem tudo se explica só pela cultura da empresa ou por comportamentos individuais

Manoel Pimentel

0 min de leitura
Gestão de Pessoas
Aprender algo novo, como tocar bateria, revela insights poderosos sobre feedback, confiança e a importância de se manter na zona de aprendizagem

Isabela Corrêa

0 min de leitura
Inovação
O SXSW 2025 transformou Austin em um laboratório de mobilidade, unindo debates, testes e experiências práticas com veículos autônomos, eVTOLs e micromobilidade, mostrando que o futuro do transporte é imersivo, elétrico e cada vez mais integrado à tecnologia.

Renate Fuchs

4 min de leitura
ESG
Em um mundo de conhecimento volátil, os extreme learners surgem como protagonistas: autodidatas que transformam aprendizado contínuo em vantagem competitiva, combinando autonomia, mentalidade de crescimento e adaptação ágil às mudanças do mercado

Cris Sabbag

7 min de leitura
Gestão de Pessoas
Geração Beta, conflitos ou sistema defasado? O verdadeiro choque não está entre gerações, mas entre um modelo de trabalho do século XX e profissionais do século XXI que exigem propósito, diversidade e adaptação urgent

Rafael Bertoni

0 min de leitura
Empreendedorismo
88% dos profissionais confiam mais em líderes que interagem (Edelman), mas 53% abandonam perfis que não respondem. No LinkedIn, conteúdo sem engajamento é prato frio - mesmo com 1 bilhão de usuários à mesa

Bruna Lopes de Barros

0 min de leitura